Por Renzo Fabb – 2 dezembro, 2022
A onda de protestos sem precedentes da China intensificou a repressão e a censura do Estado enquanto o governo tenta impedir que as manifestações se espalhem ainda mais.
Segundo numerosas agências internacionais no local, a maioria dos protestos – que foram replicados em várias cidades – terminou com centenas de pessoas presas. Além disso, alguns ativistas que participaram das manifestações relataram intimidação por parte da polícia nos dias seguintes.
O governo usa as medidas de controle da Covid como desculpa para justificar a repressão e para declarar ilegais as manifestações. A China atingiu um novo número recorde de infecções por Covid-19 nos últimos dias, de modo que as medidas de confinamento foram multiplicadas.
Este tem sido um fator importante para desencadear a agitação social, cuja primeira expressão tinha sido o êxodo em massa dos trabalhadores da Foxconn, primeiro, e depois os protestos diretos na fábrica. Exaustos pelas medidas draconianas implicadas pelo “covid zero” serviram como canal de expressão para um mal-estar mais geral: baixos salários, más condições de vida e a ausência de liberdades democráticas.
A resposta do governo, baseada na censura e na repressão, alimentou ainda mais a indignação popular, que começou a buscar mecanismos para contornar a censura, ao mesmo tempo em que a denunciava.
É por isso que o símbolo da onda de mobilizações é uma folha em branco: um cartaz que nada diz e que, justamente por isso, denuncia a censura sem ser censurável por si só. Um método de protesto que já havia sido utilizado nas manifestações de Hong Kong em 2019.
As convocações – que devem ser feitas o mais clandestinamente possível através das mídias sociais – sempre lembram os participantes de trazer seu cartaz em branco para o protesto. Mas alguns recorreram a métodos mais ácidos e originais, tais como cartazes sarcásticos “pedindo” ao governo para “testar PCR em cada canto”. Havia até mesmo alguns que diziam: “queremos mais confinamentos”.
O campo de batalha das redes sociais
Mas a disputa não está apenas nas ruas, mas também na internet, um lugar fundamental para a divulgação e organização de protestos, tendo em mente que a maioria da mídia de massa é controlada pelo governo.
Uma espécie de jogo de gato e rato foi aberto nas redes entre os mecanismos de censura do governo e os usuários escorregadios que buscam alternativas para tentar contornar a censura.
Em Weibo, uma das redes sociais mais populares, semelhante ao Twitter, as hashtags #Urumqi e #Shangai (as duas cidades com os maiores protestos) foram censuradas: uma busca por estas tags não produziu praticamente nenhum resultado nos últimos dias. As palavras “papel branco” ou mesmo “A4” também foram censuradas. Os usuários então recorrem a alternativas: substituem “A4” por “A3” ou incluem as referências a folhas de papel em branco em frases aparentemente inócuas que se referem aos protestos de forma velada.
Por outro lado, o WeChat, o serviço de mensagens ao estilo WhatsApp, é considerado pouco confiável pelos ativistas devido aos sistemas de vigilância digital do governo chinês.
Como resultado, muitos usuários começaram a usar conexões VPN para acessar sites bloqueados na China, tais como Facebook e, acima de tudo, Twitter. Lá, onde as autoridades chinesas não têm controle direto, imagens dos protestos puderam chegar ao resto do mundo, e grupos de Telegram foram criados para organizar protestos entre os próprios ativistas chineses.
Ainda assim, o governo recorreu a métodos menos sofisticados – mas não necessariamente menos eficazes – para tentar impedir que as imagens dos protestos se tornassem virais: usando milhares de bots do Twitter, ele “inundou” hashtags relacionados a protestos com milhões de tweets contendo pornografia ou publicidade falsa para sites de apostas, de modo que os tweets reais mostrando imagens das manifestações se perderam em uma pilha de conteúdo lixo.
A onda de protestos assumiu uma escala não vista em décadas, pelo menos desde o massacre da Praça Tiananmen em 1989. Nas últimas horas, as autoridades chinesas anunciaram que estavam entrando numa “nova etapa” de contenção da pandemia, sugerindo que algumas das medidas da política de Covd zero poderiam ser relaxadas. Isto ainda não foi visto, mas reflete o fato de que, apesar de toda a maquinaria repressiva do regime, a luta nas ruas pode enervar até mesmo o mais brutal Capitalismo de Estado.