Republicamos o texto de Frederico Dertaube, datado de 1º de janeiro de 2021, sobre a heroica greve operária estadunidense iniciada em 1º de maio de 1886. Esse evento, que marcou a história do movimento operário de todo o mundo, é um dos símbolos máximos da luta contra a exploração capitalista e pela autodeterminação da classe trabalhadora. 

No Brasil de hoje a luta para derrotar Bolsonaro é a tarefa central da classe trabalhadora e dos oprimidos. Mas, ao contrário do que votou a direção do PSOL de forma antidemocrática, a luta para derrotar de Bolsonaro não se dará através de uma frente eleitoral de conciliação de classes.

Essa tática de entrar na chapa Lula-Alckmin é uma ruptura com os princípios, estratégias e táticas ensinados pelos Mártires de Chicago e por toda a história do movimento operário. Em vez de construir uma linha calcada na mobilização de rua para derrotar Bolsonaro com táticas próprias (pré-candidatura, unidade de esquerda, agitação na base, exigências e denúncias para que a burocracia mobilize…), a direção do PSOL liquida o partido fazendo uma frente eleitoral com a burguesia e a burocracia. Ao romper com princípios e estratégias independentes, assume uma tática eleitoral que tem como centro eleger o máximo de parlamentares possíveis em detrimento da luta direta. Essa é a concretização da traição que significa ingressar na frente Lula-Alckmin. 

Nós, do Socialismo ou Barbárie, com vários outros grupos e militantes que estão rompendo com o PSOL, continuamos alinhados com as lições deixadas pelos Mártires de Chicago e apostamos na construindo uma frente única revolucionária baseada na independência de classes, na autodeterminação dos trabalhadores e no internacionalismo. Uma frente única revolucionária que coloque no centro a unidade de ação para derrotar Bolsonaro, a mobilização direta como método prioritário e a necessidade de construir uma frente de esquerda socialista para encarar os enormes desafios que temos hoje.

Redação

FREDERICO DERTAUBE

“Qual é o meu crime? Nisso trabalhei para o estabelecimento de um sistema social onde é impossível que enquanto uns acumulem milhões, outros caiam na degradação e na miséria. Assim como a água e o ar são gratuitos para todos, a terra e as invenções dos homens de ciência devem ser usadas em benefício de todos. Suas leis estão em oposição às da natureza, e através delas você rouba das massas o direito à vida, à liberdade, ao bem-estar.” (George Engel)

“Honorável Juiz, minha defesa é sua própria acusação, meus supostos crimes são sua história. […] Você pode me sentenciar, mas a menos que se saiba que no estado de Illinois oito homens foram condenados por não perder a fé no último triunfo da liberdade e da justiça.” (August Spies)

“Não, não é por um crime que somos condenados à morte, é pelo que foi dito aqui em todos os tons: somos condenados à morte por anarquia, e como somos condenados por nossos princípios, grito bem alto: eu’ sou anarquista! Eu os desprezo, desprezo sua ordem, suas leis, sua força, sua autoridade. Me pendure!” (Louis Ling)

Essas foram as últimas palavras de três dos Mártires de Chicago diante da forca, pouco antes de serem enforcados. José Martí, aquele líder da independência cubana, escreveu como correspondente do jornal La Nación da Argentina:

“Firmeza no rosto de Fischer, oração no de Spies, orgulho no de Parsons, Engel faz uma piada sobre seu capuz. Eles amarram as pernas, uma após a outra, com uma cinta. Espia o primeiro, Fischer, Engel, Parsons, eles jogam em suas cabeças, como o apagador de velas nas velas, os quatro capuzes. E a voz de Spies ressoa, enquanto cobrem a cabeça de seus companheiros, com um sotaque que entra na carne de quem o ouve: ‘A voz que você vai sufocar será mais poderosa no futuro, do que quantas palavras eu poderia dizer agora.”

Como Spies estava certo! Essa frase, a última que saiu de sua boca, ficou gravada na história do movimento operário para sempre, seu martírio e o de seus companheiros é uma marca feita com ferro em brasa em sua pele. Foram assassinados pela democracia ianque por lutarem pela jornada de oito horas, por ousarem organizar sindicatos e associações, por serem revolucionários, por questionarem a autoridade e o poder da classe capitalista. Seus últimos gritos, os ruídos da multidão enfurecida, o som da bomba em Haymarket, tudo continua a soar em todos os atos em todos os cantos do mundo em todos os aniversários de 1º de maio por quase 130 anos.

Um pouco de história: a rebelião de Haymarket

Em 1º de maio de 1886, uma das greves mais importantes da história dos Estados Unidos eclodiu na cidade de Chicago em termos de magnitude, a mais importante por seu impacto histórico. Havia apenas uma reivindicação, nada mais que uma: a jornada de trabalho de oito horas. Esta exigência foi formulada pela primeira vez pelo socialista utópico britânico Robert Owen: “Oito horas para trabalhar, oito para dormir, oito para recreação”. Anos mais tarde, precisamente em seu congresso de fundação em 1866, a Primeira Internacional liderada por Karl Marx atenderia a essa exigência de imprimi-la de forma duradoura em suas bandeiras. “Oito horas!” eles exigiam na Inglaterra, “Oito horas!” eles gritavam na França, “Oito horas!” os insurgentes mexicanos diriam em 1911, “Oito horas!” os russos alcançariam meses antes de chegar ao poder, “Oito horas!” disseram os Mártires de Chicago.

Os Estados Unidos haviam saído recentemente da Guerra Civil, a abolição da escravidão (em sua forma pura e flagrante) havia sido consagrada menos de duas décadas antes, e com ela abriu as portas para o desenvolvimento do antagonismo de classes na sociedade contemporânea, que da burguesia e do proletariado, dos capitalistas e da classe trabalhadora. Há vários anos, a luta pela limitação da jornada de trabalho vinha se desenvolvendo, chegando a dez horas em vários Estados da União. Mas o movimento trabalhista continuou a se desenvolver e cada conquista era vista como um trampolim para a próxima. Os Estados Unidos, como país de imigrantes, absorveram as ideias mais avançadas do continente europeu através de alemães e italianos, foram os primeiros líderes da nascente movimento operário.

Com anarquistas e socialistas à frente, preparou-se a greve daquele Primeiro de Maio. 200.000 trabalhadores entraram em greve, outros 200.000 conseguiram o que pediram com a mera ameaça de deixar seus empregos. A magnitude do movimento fez o sangue correr nas veias dos capitalistas na velocidade do medo. A imprensa foi o porta-voz de seu horror, “anarquia!”, “socialismo!”, “imigrantes!”. Engel, Spies, Fischer e Parsons estavam entre os oradores mais proeminentes do dia.

Em 2 de maio, a polícia reprimiu à força uma manifestação de mais de 50.000 trabalhadores. No terceiro dia, num ato no portão da fábrica McCormick, um grupo de bandidos fura-greves dos patrões saiu da fábrica para quebrar a concentração com bastões. Os operários grevistas defenderam-se heroicamente familiarizando com os punhos as cabeças dos pelegos. Nesse momento, a polícia muito neutra e democrática começou a atirar, deixando um total de seis mortos no chão.

Com um ingênuo respeito à legalidade e para evitar novos incidentes, os líderes dos trabalhadores solicitaram permissão oficial ao prefeito da cidade para realizar um protesto na Praça Haymarket no dia seguinte. A autorização foi-lhes concedida, mas, numa atitude claramente provocativa, ordenaram a dissolução do ato antes de o terminar. Como os trabalhadores se recusaram a se dispersar antes do tempo, a polícia pulou sobre eles para expulsá-los à força. Nesse momento, uma bomba de origem desconhecida explodiu entre os policiais, matando um deles e ferindo muitos outros. Esse foi o sinal de partida para o posto avançado capitalista repressivo, realizado com profundo ódio, com maldade de classe.

Os patrões e seu governo procuraram conscienciosamente educar os trabalhadores. Os Mártires de Chicago foram presos e acusados ​​de assassinato deliberado. Nenhuma outra prova foi apresentada contra ele além de sua participação na greve e sua ideologia subversiva. Isso foi o suficiente. Eles queriam colocar o movimento trabalhista, o socialismo, o anarquismo no banco dos réus, mas para isso precisavam colocar pessoas de carne e osso para representá-los. Eles não apresentaram uma única evidência de que tinham algo a ver com a bomba, nenhuma. Eles queriam matá-los e o fizeram. As garantias de um julgamento justo na “maior democracia do mundo” eram menos importantes do que o barulho da caixa registradora dos empresários. Assim, involuntariamente, os capitalistas ianques deram aos trabalhadores de todo o mundo um símbolo, uma bandeira.

Dia Internacional dos Trabalhadores

Hoje, o Primeiro de Maio nos é apresentado como uma “festa”, um feriado, uma coisa típica da apropriação burguesa das tradições do movimento operário. Mas sua origem é muito diferente. O Primeiro é um dia de luta operária, socialista, revolucionária, internacionalista.

Os capitalistas ianques queriam deter as ondas da maré com as mãos, mas a água escorregou por entre os dedos. Durante esses anos, os trabalhadores conseguiram formar sua primeira organização de massas, a Internacional Socialista, a Segunda Internacional. Devido à sua posterior degeneração reformista, muitas vezes se perde de vista que esta foi uma verdadeira constituição dos trabalhadores como partido independente, um dos maiores passos que a organização da classe trabalhadora alcançou em sua história. Assim, em 1889 e em homenagem aos Mártires de Chicago, a Segunda Internacional, inspirada na perspectiva revolucionária do marxismo, instituiu o Primeiro de Maio como Dia Internacional dos Trabalhadores.

1º de maio de 1890 foi o primeiro grande dia da luta internacional dos trabalhadores. Assim refletiu Friederich Engels:

“Proletários de todos os países, uni-vos!” Quando, há quarenta e dois anos, lançamos estas palavras ao mundo, às vésperas da primeira revolução em Paris, na qual o proletariado já levantava suas próprias reivindicações, poucas vozes responderam. Mas em 28 de setembro de 1864, os representantes proletários da maioria dos países da Europa Ocidental se reuniram para formar a Associação Internacional dos Trabalhadores, de tão gloriosa memória. E embora a Internacional tivesse apenas nove anos, o perene vínculo de união entre os proletários de todos os países continua a viver mais forte do que nunca; é assim que ele testemunha, com testemunho irrefutável, hoje. Hoje, 1º de maio, o proletariado europeu e americano revisa pela primeira vez seus contingentes em pé de guerra como um único exército, unido sob uma única bandeira e focado em um objetivo: a jornada normal de oito horas, que já foi proclamada a Internacional no congresso de Genebra em 1889, e que é necessário elevar a lei. O espetáculo de hoje abrirá os olhos dos capitalistas e latifundiários de todos os países e os fará ver que a união dos proletários do mundo já é um fato.

Ah, se Marx estivesse vivo para vê-lo ao meu lado!

Londres, 1 de maio de 1890.” (Prefácio do Manifesto Comunista, 1890)

A organização e a consciência do movimento operário sofreram um forte retrocesso em relação àquela época, fruto das derrotas das últimas décadas. As novas gerações perdem de vista a importância desta data. Mas não é a primeira vez que os trabalhadores sofrem derrotas e retrocessos, já houve tempos piores. Nossa tarefa é manter viva essa tradição para preparar o sinal de partida para uma nova ofensiva da classe trabalhadora. Muitas conquistas foram perdidas, muitas foram reconquistadas, a jornada de oito horas está longe de ser um fato para todos os trabalhadores. Mas, como disse Rosa Luxemburgo, a luta dos trabalhadores sob o capitalismo, até que desmorone, é uma tarefa de Sísifo que começa e começa de novo e de novo. Não poderia ser de outra forma.

A tradição do Primeiro de Maio volta a assombrar os sonhos dos capitalistas de todos os lados do globo. A começar pelos tataranetos dos carrascos dos Mártires de Chicago, a burguesia americana. Em seu país, o 1º de maio não é comemorado nem feriado, nem o Estado nem os cafetões da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais) o reivindicam. Mas assim como os mais avançados do movimento trabalhista ianque de maio de 1886 eram os imigrantes europeus, os latino-americanos assediados por Trump são um pesadelo que não deixa sua classe dormir e ameaça fazer uma data muito animada novamente. O dia 1º de maio de 2006 foi o dia mais importante de luta dos trabalhadores nos Estados Unidos em muitos anos… e seus protagonistas foram os imigrantes. Mexicanos, dominicanos, hondurenhos e muitos outros residentes na principal potência imperialista saíram às ruas para lembrar os Trumps, os Bushes, os Obamas de sua existência perigosa.

De todos os cantos do mundo, neste dia soará novamente o grito dos Espiões, aquele que eles queriam silenciar. A corrente do Socialismo ou da Barbárie participa desse grito em cada um dos países onde milita, na América Latina e na Europa.

O sangue dos Mártires de Chicago corre em nossas veias! Viva o primeiro de maio!