Não podemos perder possibilidade de derrotar Bolsonaro

Panelaços, ruptura da classe dominante e ameaças do Congresso colocam uma dinâmica nova na conjuntura

Arthur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados, afirmou ontem que, se não houver correção de rumo, a crise pode resultar em “remédios políticos amargos.

Presidente genocida foi repreendido pela patronal em reunião no palácio, STF acatou o Habeas Corpus de Lula por imparcialidade de Moro, panelaços contra Bolsonaro ocorrem por todo país e ameaça de impeachment pelo Presidente da Câmara dos Deputados. Ou seja, uma nova gama de possibilidades de concretizar a unidade ação para a luta nas ruas por medidas de combate à pandemia e pelo “Fora Bolsonaro e Mourão” que não pode ser perdida pela letargia da esquerda.

JOSE ROBERTO SILVA e ANTONIO SOLER

Mais uma semana quente

O julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro de 2018, alegando parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, foi acatado na terça-feira (23/03) por 3 x 2 pela segunda turma do STF. Essa votação não ocorreu apenas por uma luta pessoal do ministro Gilmar Mendes – que pediu vistas do processo em 2019 contra o que ele chamou ações atentatórias ao devido processo legal e que “não se combate crime cometendo crime”[1].

Uma série de conversas rackeadas de Moro com os promotores da operação Laja Jato, publicadas pelo site Intercept, demonstra claramente a parcialidade do ex-juiz federal em todo o processo contra Lula e qual foi o papel que teve o judiciário – não apenas Moro e a Lava Jato – na ofensiva reacionária que acabou por eleger o neofascista Jair Bolsonaro.

Mendes recolocou na pauta o debate jurídico – defendido pelos magistrados mais antigos que participaram da luta contra a ditadura junto com a OAB – sobre os limites de ação jurídica para que se garanta o “estado democrático de direito” burguês, ou, relembrando a fala do ministro do STF, garantir minimamente que se “faça justiça e não justiçamento”. Mas não temos ilusão que essa seja uma defesa real dos direitos democráticos, pois só podem ser defendidos diretamente pela mobilização das massas e não pelos juízes que em sua maioria representa os interesses das classes dominantes.

Essa mudança de cenário político-jurídico, que acabou sendo responsável por uma decisão parcial, mas progressiva em relação ao julgamento de Lula, só foi possível de se configurar a partir das revelações do site Intercept, da hecatombe negacionista-genocida diante da pandemia, da estaginflação econômica e das ameaças constantes ao regime feitas pelo bolsonarismo. Conjunto de fatores que faz com que juízes da segunda turma formassem maioria pela suspeição de Moro. 

A burguesia se move

O que se manifestou entre segunda e quarta-feira foi uma conjunção de fatos que confirma a análise de que houve alguma alteração na conjuntura que exige atenção e acelerada tomada de posição da esquerda, principalmente da socialista.

Na segunda-feira, a patronal lança uma carta (assinada por empresários e economistas) cobrando de Bolsonaro uma posição firme na aplicação das vacinas contra a Covid-19 e na condução da economia, praticamente dando um ultimatum ao presidente. Isso se dá na véspera do julgamento do STF e antevéspera da reunião de representantes dos três poderes para tratar da construção de um comitê unitário para condução de políticas de emergência durante a pandemia.

Na terça-feira, o presidente chama um pronunciamento em rede nacional, tentando minimizar a pressão que é respondido por panelaços em todo o país. Durante a noite, a mídia burguesa televisiva, por seus maiores representantes, passa todo o tempo repercutindo notícias dos dois maiores acontecimentos: a decisão do STF e suas repercussões com relação ao futuro da Lava Jato e das eleições, e a divulgação das imagens do panelaço nacional. No primeiro caso, uma tentativa de restringir a ação de Moro ao processo de Lula, mas o garantir o conjunto de ações da Lava Jato, e no segundo, associar o reclamo dos empresários à manifestação popular. Já na quarta-feira de manhã, após a reunião dos três poderes, a mídia batia e alisava Bolsonaro na perspectiva de que se torne mais fácil impor o projeto de contrarreformas que se encontra entalado na garganta do capital financeiro.

Na quarta-feira de manhã, a Rede Globo lança o seu projeto de cooptação e amortecimento do panelaço, abrindo o programa matinal Mais Você, de Ana Maria Braga, encenando um panelaço sem a emissão de palavras de ordem. Como se tudo isso não bastasse, depois da reunião entre os chefes do Governo, STF convocada por Bolsonaro, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, fez um duro pronunciamento que marca uma mudança de posição. Em sua fala na mesa da Câmara disse dentre outras coisas que, se o governo não mudar o rumo, “remédios políticos amargos” e até “fatais” podem ser usados, ou seja, uma clara alusão a possibilidade de abertura de um impeachment contra Bolsonaro.  

Essa burguesia, que está abandonando o barco bolsonarista, é a mesma que cuspiu o PT do poder quando esse não era mais útil e que agora está sendo invocada novamente por Lula para compor uma frente para substituir Bolsonaro. Ou seja, a estratégia de colaboração de classes volta à tona e precisa ser duramente combatida pelo PSOL e pela esquerda como um todo. No entanto, essa é uma cunha entre a classe dominante e o governo pode se tornar histórica após um longo processo de giro à direita internacional, defenestração dos governos de colaboração de classes – que cumpriu no Brasil o papel de desmobilizar o movimento sindical e popular – e fortalecimento dos movimentos de direita que passam a ocupar as ruas desde então.

Não podemos desperdiçar a chance: as janelas se fecham

A possibilidade dessa cisão se tornar histórica, no sentido de que sirva como ponto de apoio para derrotar a ofensiva reacionária que nos legou o governo Bolsonaro, depende da vontade e da capacidade de aprofundar a fissura entre governo e a classe dominante e de apresentar uma saída independente dos trabalhadores e dos oprimidos; o que só pode ocorrer a partir da mobilização e maior organização da “espontânea”[2] inquietação popular demonstrada com o panelaço pelo “fora Bolsonaro genocida” de terça-feira.

Evidentemente estamos diante de um estremecimento das bases do presidente e de uma articulação burguesa, na qual se encaixa perfeitamente o lulismo, visando impedir que a insatisfação popular com a atual situação econômica e de saúde, assuma a luta mais radical contra o conjunto de problemas, mirando não só o governo, mas também, as contrarreformas e o conjunto das instituições burguesas que, também, são responsáveis pelo colapso sanitário e social em que vivemos.

A conjuntura tem elementos incontornáveis, apresenta as suas condições objetivas e exige respostas rápidas dos atores da luta de classes, mas a situação objetiva por si só não resolve problemas, é preciso que os agentes políticos atuem sobre ela antes que suas tendências mais favoráveis se fechem. Assim, cabe ao PSOL, sua direção e seus parlamentares assumirem um papel mais radical de denúncia do genocídio de Bolsonaro.

É preciso conjugar o chamado aos movimentos sociais e à esquerda da ordem para que se juntem ao reclamo popular manifestado no panelaço de terça-feira, num grande movimento de rua com distanciamento social. A defesa das causas dos explorados e oprimidos e a luta pela garantia dos direitos democráticos têm somente uma forma de se realizar: com o apoio das multidões na rua, o que mesmo em condições de pandemia é possível fazer através de carreatas e de outras táticas.

No entanto, a unidade de ação não se organiza espontaneamente. Ao invés de cair no canto da sereia do frentepopulismo lulista com a burguesia, a direção do PSOL deve, não apenas mobilizar e exigir imediatamente que Lula, PT e CUT chamem também a luta, mas se colocar na vanguarda da construção de uma frente de esquerda socialista independente que seja composta pelo conjunto dos partidos e movimentos sociais para organizar essa mesma luta e um programa e plano de lutas à altura das necessidades do momento.

Assim, a direção do nosso partido deve parar de elucubrar sobre a participação em frentes populares (burguesas) para as eleições de 2022 – o que só traz atraso para a luta direta e para a construção de uma alternativa de direção para os trabalhadores e oprimidos – e se colocar imediatamente a construção de uma frente política de esquerda independente de toda a patronal. Essa é uma ferramenta fundamental para organizar amplamente essa mobilização pelo lockdowns nacional, renda mínima, vacina para todos, defesa dos direitos democráticos e fora Bolsonaro já, mas também para organizar as tarefas mais estratégicas dos trabalhadores. 


[1] Leia em https://www.istoedinheiro.com.br/nao-se-combate-crime-cometendo-crime-leia-principais-trechos-do-voto-de-gilmar/.

[2] Lenin já nos ensinou que o espontaneismo das massas, sempre tem um detonador.