Polêmica pinheirinho: PSTU não leva unidade de classe até o final

    A questão da moradia no Brasil

    O governo federal destinou recursos ínfimos – comparadamente ao que transfere aos banqueiros – para produção de moradia, principalmente para o programa Minha Casa Minha Vida e para a reurbanização de favelas, o que se deu por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Favelas.

    O que verdadeiramente está em curso é um enorme impulso aos processos de espoliação e concentração de riqueza, ligados historicamente, no Brasil, à questão do acesso a terra. Deste modo vemos inúmeras contradições no meio urbano, com o aumento do crédito e dos recursos orçamentários destinados à moradia, porém, canalizados para especulação imobiliária.

    A questão é que a expansão do crédito e a falta de políticas fundiárias levam a intensificação de conflitos pela terra, fazendo com que inúmeras comunidades sejam brutalmente expulsas das áreas que histórica e legitimamente fazem parte e, ainda mais, sem que este deslocamento venha a garantir quaisquer necessidades básicas, tanto de habitação, quanto de infraestrutura. Este deslocamento, aliás, só serve aos interesses lucrativos da especulação, uma vez que implica o despejo destes moradores (das comunidades) de áreas valorizadas, fazendo com que eles sejam obrigados a ocupar terrenos de áreas desvalorizadas e precarizadas ou, de outra forma, submetendo-os a aluguéis que não podem pagar ou, ainda, a uma lógica de planos assistencialistas que não abarcam suas condições reais de sobrevivência[1].

    Moradia ou Mercadoria?

    Desde o governo Lula, vemos uma lógica nefasta sendo criada. Ela se deu a partir da inserção no consumo de setores “anteriormente marginalizados”[2]. Esta medida, que diz incluir tais setores, na verdade busca apenas fazê-los entrar no mercado, isto é, promove um modelo de inclusão pautado pela ampliação do consumo e não pela totalidade humana e social.

    Este modelo de produção não perpassa a ideia de qualquer regulação, o que verdadeiramente acontece é que há, sim, uma regulação e um planejamento, mas ambos são geridos por uma norma absolutamente privatista, que não tem em mente a construção organizada dos centros urbanos, com previsão de uma infraestrutura adequada – em que existam áreas para se fazer escolas ou áreas para esporte, por exemplo – mas que, contudo, visam ao contrário criar ilhas, núcleos isolados (tais como condomínios de luxo, que aumentam ainda mais o preço do imóvel), orientados pelo lucro privado, imediato e maior possível e pautados pela segregação social[3] 

    Assim, tendo em vista a falta de interesse na reurbanização por parte do governo, segue-se disso uma lógica de apropriação legítima, pelos trabalhadores e suas famílias, dos espaços abandonados e/ou precarizados com a formação, por exemplo, das favelas, dos assentamentos, dos puxadinhos e palafitas. Não obstante isto, os interesses das empreiteiras privadas, somados aos de políticos, agem de maneira a desalojar estes espaços para utilizá-los para seus interesses, principalmente, como já dito, para a especulação imobiliária.

    Pensando que a crise econômica atiça os ânimos das empresas privadas na obtenção de lucro fácil (situação que pode ser conseguida pela especulação do preço de imóvel até que ele alcance um patamar bem alto) e, por outro lado, que a copa desenvolve certo espírito nacionalista[4] que tem que ser levado em consideração, devido ao forte apelo da opinião pública para que o evento vingue, as possibilidades das comunidades são bem menores.

    O caso Pinheirinho

    É nesse contexto de especulação e repressão, portanto, que se deu a ocupação do Pinheirinho e seu desdobramento. Após o terreno estar abandonado por cerca de, segundo dados de entidades locais, 30 anos, sem o pagamento de IPTU e sendo avaliado em R$ 6 milhões, com a valorização bancária, atualmente, o mesmo terreno tem o IPTU cobrado sobre o valor de R$ 84 milhões, sendo que segundo laudos encomendados pela Selecta, estima-se que o terreno tenha valor entre R$ 130 milhões a R$ 180 milhões (isso sem contar com o que se comenta sobre a possível construção de um condomínio de luxo na área, fato que aumentaria ainda mais o valor do imóvel).

    É importante lembrar que a massa falida pertencia a Selecta, empresa em nome de Naji Nahas, megaespeculador que fora condenado em 1989 por lavagem de dinheiro e corrupção (sendo preso na operação Satiagraha, em 2008) e que, após a ocupação, ocorrida em 2004, permaneceu nas mãos dos moradores até seu desfecho.

    Em janeiro de 2012, os moradores receberam o decreto de reintegração de posse do terreno, decretado pela juíza da 6.ªVara Cível de São José dos Campos, Márcia Faria Mathey Loureiro. Estas pessoas, ao ver que perderiam sua moradia e não tendo outro lugar para ir, já no dia 13 de janeiro, divulgam uma foto na imprensa e nela se vê os diversos moradores vestidos com escudos de latão, porretes e capacetes de motociclista.

    Mas uma liminar do Tribunal de Justiça Federal (TJF), no dia 17 de janeiro, promoveu um embate entre as esferas jurídicas (estadual e federal), suspendendo, por meio da juíza Roberta Monza Chiari, a ação de desocupação naquele momento. Esta liminar levou aos moradores a acreditarem que a reintegração de posse não ocorreria, mas não só a eles, mas também à CONLUTAS, que baseada numa “ingênua” crença nos aparatos jurídicos burgueses e em súplicas ao governador de São Paulo e à Dilma (desenvolveremos esta questão mais adiante no texto), colaborou ainda mais para que os moradores e, principalmente aqueles ligados a sua base sindical, ficassem inermes perante a desocupação, apesar de toda combatividade demonstrada pelos trabalhadores do Pinheirinho. No dia seguinte à liberação da liminar pelo TJF, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decretou que a medida federal era inválida, afirmando que não competia à instância federal a decisão do caso. Seguiu-se disso, alguns dias depois, a brutal desocupação.

    No dia 22 de janeiro, então, veio o ataque “surpresa”. A polícia chegou às 6 horas da manhã, com dois helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil soldados do Batalhão de choque e, ainda tendo o governo federal mandado uma ação de suspensão da desocupação, nada os deteve. Mal haviam chegado e já iniciaram ataques massivos aos moradores, valendo-se de todo seu aparato repressor.  Munidos de bombas de gás, cacetetes e armas de bala de borracha, partiram com sua ofensiva sobre os moradores para afastá-los de suas casas e garantir a desocupação, principalmente depois das 7h, horário em que alguns manifestantes tentavam exercer alguma resistência. Apesar dos esforços dos moradores para conter a operação, a truculência da PM só aumentava e foi impossibilitando cada vez mais a defesa dos mesmos, o que acabou, por sua vez, permitindo a entrada de inúmeros tratores, que foram destruindo tudo. Além disso, ainda seguindo o rastro truculento deixado pela PM, segundo o que foi noticiado por diversos boletins locais e até em vários jornais, houve diversos ataques desferidos a pessoas, com pelo menos a divulgação de 9 feridos e 18 presos. Somado a isso, houve inúmeros relatos de espancamentos ou brutalidade contra crianças, grávidas, idosos e até mesmo de estupro ou morte por parte dos policiais.

    Ao longo do processo de desocupação, as mais de 5.000 pessoas desalojadas foram levadas a um espaço improvisado (o centro poliesportivo do Campo dos Alemães), em condições precárias, repleto de lama, que se tornou alojamento no intuito de abrigá-los e que apenas vem demonstrando o total descaso do governo do PSDB com relação a estas famílias, que foram deixadas sem quaisquer infraestruturas básicas, (tais como alimento ou camas) num espaço deplorável. Não bastasse isso, ainda neste espaço e, mais uma vez, a polícia buscou reprimir alguns manifestantes que estavam indignados com o que havia se passado em Pinheirinho. No enfrentamento dos moradores dos bairros vizinhos contra a truculência dos guardas, próximo ao espaço dos alojamentos, os guardas civis, além de imprimirem inúmeras agressões aos manifestantes, atiraram com armas letais (um revólver) em um trabalhador, que corre risco de ficar paraplégico.

    Ainda no mesmo dia foi organizado um protesto em solidariedade aos moradores de Pinheirinho, que chegou a interditar a Rod. Presidente Dutra por cerca de 2 horas, seguindo depois até a casa de Eduardo Cury (prefeito de São José dos Campos) do PSDB. Na Avenida Paulista, já na cidade de São Paulo, na mesma data e no início da noite, diversas entidades e estudantes, num ato de cerca de 500 pessoas, repudiaram a ação do governo repressivo do PSDB, exigindo o fim da reintegração de posse de Pinheirinhos. Este ato chegou a parar a Avenida Paulista também por cerca de 2 horas.

    A atuação da CONLUTAS em Pinheirinho

    De maneira muito semelhante ao episódio da GM e EMBRAER (para esta crítica, vide o artigo: Congresso Conlutas: construir uma central à altura dos desafios da atualidade, desta edição de nosso jornal), vemos que além do imediatismo nas lutas, devido ao seu corporativismo e economicismo e, como consequência deles, a não amplificação e incorporação sindical com os diversos setores dos movimentos sociais, a CONLUTAS, apesar de participar e de cumprir papel de direção dentro da luta do Pinheirinho, principalmente não realizou campanha sistemática que tivesse como centro atividades que combinassem as lutas contra exploração aos trabalhadores com a luta pela efetivação da ocupação legítima do Pinheirinho.

    Uma vez que a CONLUTAS não colaborou para a criação de uma luta unificada, o que permitiria aos trabalhadores fazer uma greve massiva, podendo assim aprofundar a consciência política da unidade programática entre trabalhadores e movimento social, prejudicou a possibilidade de trazer vitórias imediatas, vitórias estas que também interferem na consciência anticapitalista. Fazendo aqui um paralelo com Trotsky com relação à unificação de setores diferentes dentro da luta de classe, no caso de Trotsky (e guardadas as diferenças de categorias e de contexto histórico), com relação aos camponeses, e em nosso, com relação aos movimentos sociais, um fator se mostra decisivo para o sucesso na luta e, na amplificação de um horizonte revolucionário para a mesma: o fato de a classe operária estar à frente do processo de lutas como protagonista, ainda que apoiada por outros setores, pois como coloca Trotsky, e poderíamos afirmar o mesmo no que tange aos movimentos sociais, ainda que estes decorram da precarização principalmente de um contexto urbano: (…) “a ditadura democrática do proletariado e dos camponeses” só é concebível como ditadura do proletariado arrastando de si as massas camponesas.”[5] – e em nosso contexto, aos movimentos sociais, frise-se, uma vez em que se tenha em mente um horizonte revolucionário para a luta.

    Além deste problema com relação à falta da construção de lutas unificadas, dentro ainda da dinâmica dos acontecimentos de Pinheirinho observamos a ação da CONLUTAS no sentido de dar demasiada ênfase aos aparatos jurídicos do estado burguês, fator que, é claro, não foi o responsável direto pelo brutal ataque aos seus moradores, mas que colaborou para desenvolver uma falsa segurança e a ilusão de que a desocupação poderia não acontecer por condescendência do Estado e por apelos aos governantes.

    Nesse sentido, convém aqui, colocar em pauta como o marxismo vê a questão do Estado e de seus aparatos. Deste modo, como dizia Lênin em seu livro O Estado e a Revolução: (…) “se o Estado é um produto do caráter inconciliável das contradições de classe, se é uma força que está acima da sociedade e que ‘se divorcia cada vez mais da sociedade’, fica claro que a libertação da classe oprimida é impossível, não só sem uma revolução violenta, mas também sem a destruiçãodo aparelho do poder  estatal que foi criado pela classe dominante e no qual vai crescendo aquele ‘divórcio’”[6] (grifos de Lênin).

    Neste trecho, portanto, Lênin é enfático quando afirma que a libertação da classe oprimida só se dará pela destruição do aparelho do poder estatal, isto é, que o aparelho estatal serve à classe dominante e que é também por meio dele que ela exerce sua dominação. E isto não serve apenas para a questão da revolução e destruição do estado burguês, mas pode ser encarado, sim, como uma lei geral, não apenas em momentos históricos, mas também deve ser aplicado no cotidiano da luta de classe. Nesse sentido, equivocam-se mais uma vez a CONLUTAS e o PSTU em ter depositado toda sua força na construção de uma campanha que visava fazer com que o Estado retornasse em sua decisão.

    Assim, é evidente que não se deve de maneira alguma ter crenças no aparato jurídico do Estado, no entanto, por outro lado, isto não significa que se deva abdicar da pressão ao governo. Vejamos o que Trotski afirma sobre este tipo de luta: “Porém acaso – poderia-se objetar desde logo – renuncia um partido revolucionário a exercer pressão sobre a burguesia e seu governo? Evidentemente, não. A pressão sobre o governo burguês é o caminho das reformas. Um partido marxista revolucionário não renuncia a elas, ainda que estas se refiram a questões secundárias e não questões essenciais. Não se pode obter o Poder por meio de reformas nem se pode, por meio de uma pressão, forçar a burguesia a mudar sua política em uma questão da que depende sua sorte”[7].

    Desta forma, vemos que depositar toda confiança na pressão à burguesia e ao seu governo e, poderíamos estender a isso, em seu aparato jurídico, seria algo perigoso, uma vez que isso apenas nos levaria a um caminho que desembocaria no reformismo. No entanto, nada disso significa que não devemos buscar vitórias na pressão ao governo ou mesmo na esfera legal, uma vez que tais vitórias, além de serem formas para expandir o campo político e a luta contra a exploração da classe ou, como no caso de Pinheirinho, para fortalecer a permanência e continuidade do movimento e, especificamente, do caráter lídimo e social da ocupação, podem ademais colaborar (desde que sejam vistas como secundárias e não essenciais) no aprofundamento da consciência de classe e, com ela, na amplificação da perspectiva de luta.

    POR CARLOS RANEA

    [1] Aqui, vale citar o caso de Pinheirinhos, em que Alckmin disse que forneceria para os desalojados, um plano assistencial de 500 reais, quantia que não atinge quaisquer demandas de infraestrutura básicas. (PSDB divulga nota para criticar ‘intromissão’ federal no caso, Jornal Estado de São Paulo, caderno Cidades/Metrópole 25 de janeiro de 2012.)

    [2] Cabe aqui a reflexão se tais setores, na verdade, deixaram de ser marginalizados ou apenas saíram de um grau de extrema penúria, para um grau de “apenas penúria”. Principalmente, no caso da moradia, quando observamos o salário médio brasileiro que, segundo o IBGE, calculava-se, em 2011, em torno de R$ 1.625,46, é insuficiente para assegurar necessidades básicas de moradia ou mesmo de sobrevivência. Além disso, devemos atentar para o fato de que as verbas necessárias para efetivar os programas de compensação social (e efetivar também, por outro lado, a alta lucratividade do capitalismo brasileiro) são adquiridas por meio da exploração massiva da mão de obra de trabalhadores. Para uma análise de tais programas de compensação social, vide o nosso artigo: “Um governo tipicamente burguês a serviço dos interesses dos patrões”, de Rosi Santos e Antonio Carlos Soler (In: SOB no. 25– La Crisis en Cuba y los problemas de la transición Socialista.)

    [3] Insere-se como um projeto megaexcludente que parte desta mesma lógica, o projeto “Nova Luz”, em São Paulo, que para sua implementação, buscou o método da higienização dos mendigos e usuários de craque como medida.

    [4] Não podemos esquecer aqui da estúpida lei Geral da Copa, cujo projeto de lei número 728/2011, assinado pelos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA)(este último ex-sindicalista), todos da base aliada do governo, visa criar barreiras não apenas contra paralisações em 2014, mas também contra greves antes e durante a Copa, o que pode aumentar a repressão ainda mais contra os movimentos sociais de maneira geral. Para maiores detalhes sobre o assunto ver o site da uol:http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/02/09/senadores-querem-criar-barreiras-para-greves-durante-a-copa-do-mundo-de-2014.htm

    [5] Nesse sentido, a importância da consciência revolucionária dos trabalhadores é fundamental, principalmente para se construir uma luta que não se paute apenas num sindicalismo, mas numa “elevação da classe ao todo, a propor respostas de conjunto para toda a sociedade”. Esta orientação, “obrigaria”, como bem aponta Roberto Sáenz, companheiro argentino de nossa corrente, em Lenin en el siglo XXI, “à classe operária e a sua vanguarda a sair de sua própria estreiteza. ‘Obrigar’ à classe operária à aprendizagem prática, o que significa entrar em contato com outras classes sociais ampliando seu horizonte na ‘escola’ mesma da luta de classes” (Sáenz, R. Lênin en el siglo XXI, Revista Socialismo o Barbarie no23/24, tradução livre).

    [6] LÊNIN, V.I. O Estado e a Revolução. Global Editora. (Pág.56).

    [7] TROTSKY, L. Leciones de octubre. El Yunque Editora (Pág.29, tradução livre).