No sábado passado -10 de dezembro – ocorreu a Plenária do Socialismo ou Barbárie (SoB) e da juventude Já Basta! A atividade teve como principal objetivo analisar a conjuntura política pós-eleições, assim como fazer um balanço dos avanços construtivos de nossa organização e os desafios para o ano próximo. Na sequência, apresentaremos uma síntese do relatório político e principais encaminhamentos aprovados pela Plenária.

Tendência planetária ao desequilíbrio

Por Víctor Artavia

No cenário internacional, a situação se caracteriza pela tendência ao aprofundamento da polarização política, à instabilidade e ao desequilíbrio. Uma nova conjuntura se abre com a luta entre os Estados Unidos e a China pela hegemonia mundial, manifestações de trabalhadores da Foxconn, que tiveram efeito dominó por todo o país, com a guerra na Ucrânia, a rebelião popular no Irã dirigida pelas mulheres etc.

O século XXI caracteriza-se pela instabilidade; essa é uma etapa da luta de classes em que as incertezas sobre o desenvolvimento do mundo são maiores, pois as crises atingem praticamente todos os níveis e, em consequência, há uma ruptura dos consensos que ordenaram o capitalismo durante as últimas décadas.

Isso se reflete de maneira mediada sobre a conjuntura no Brasil, em relação a qual, é fundamental o estudo da situação internacional para melhor compreender o impacto da combinação dinâmica entre os fatores progressivos e os regressivos na luta política local. Uma compreensão internacionalista da realidade ajuda a superar o impressionismo – que leva ao derrotismo ou ao facilismo – que muitas vezes impera nas análises políticas correntes.

Há uma mudança na conjuntura política nacional com a derrota eleitoral de Bolsonaro: a saída da ultradireita do Planalto e a chegada de um governo “liberal-social” de concertação nacional. Fica aberta a discussão sobre se essa mudança de conjuntura será capaz de mudar também a situação política nacional, caracterização que não pode ser feita por fora da luta de classes, pois depende dos enfrentamentos que teremos nos próximos meses, da política do governo eleito, da oposição de extrema direita. da reação do movimento de massas e da política que será dada pela direção desse movimento.

Uma vitória eleitoral das massas

A vitória de Lula é explicada por dois elementos principais. Primeiro, houve um voto de amplos setores da população mais explorada e oprimida – operários, negros e mulheres – contra a continuidade do governo Bolsonaro, devido à sua gestão criminosa da pandemia, do genocídio diário e da crise económica (expressa na fome e na desigualdade social no país). Segundo a resposta espontânea das torcidas e moradores de algumas favelas contra os bloqueios das estradas pelos bolsonaristas, demonstrou que ainda há reservas de luta no movimento de massas brasileiro. Assim, as massas elegeram Lula apesar da estratégia da frente ampla e isso tem um forte impacto no cenário político nacional.

Em que pese a vitória eleitoral das massas ao derrotar Bolsonaro, apesar da política da chapa Lula-Alckmin, o bolsonarismo ainda é uma força política com capilaridade no Brasil que ganhou espaço entre amplos segmentos da população, principalmente entre setores das classes médias, da burguesia do agronegócio, dos evangélicos e dos militares. A vitória de Tarcísio para o governo de São Paulo é um exemplo disso e coloca um desafio para as correntes de esquerda e para o movimento operário: combater os ataques que vai impulsionar nos próximos quatro anos, particularmente contra a educação, saúde e segurança públicas.

Porém, a derrota de Bolsonaro abriu uma luta pela liderança da ultradireita. Bolsonaro, o “Mito”, perdeu nas urnas e não pode reagir contra uma suposta “fraude eleitoral”, pois isso não convence ninguém fora da bolha da extrema-direita golpista; ficou em silêncio e isolado de seus antigos aliados (por exemplo, Lira e o “Centrão”). Isso explica o porquê lideranças como Tarciso em São Paulo começam a diferenciar-se de Bolsonaro e, embora ainda seja muito cedo para fazer previsões, é provável que esta tendência a fragmentação se torne mais pronunciada no próximo ano.

Nesse sentido, devido ao que significaria a continuidade de Bolsonaro na Presidência para os direitos democráticos – tenderia a um processo de autocratização ainda maior com um segundo mandato -, foi um acerto a tática do voto crítico em Lula e Vera no final do primeiro turno e crítico em Lula no segundo turno.

Embora a eleição de Lula tenha se dado por uma pequena quantidade de votos, foi um fato político qualitativo, uma vitória eleitoral (indireta) das massas que coloca uma melhor correlação de forças para lutar. Fato esse que precisa ser aproveitado, ou seja, é preciso apostar com tudo na ação das massas para repelir toda e qualquer sombra de golpismo, lutar pela revogação de todas as contrarreformas e pelas necessidades mais sentidas da classe e dos trabalhadores – obviamente que o governo Lula e seus apoiadores dos partidos da aliança de conciliação de classes e as direções do movimento que o apoiam não irão apostar na mobilização direta, esse é o papel da esquerda independente.

Oposição de esquerda contra o fascismo e ataques do governo

A polarização não acabou com as eleições, pelo contrário, tudo aponta no sentido de que vai continuar e se aprofundar no próximo período – com fluxos e refluxos -, pois a ultradireita é hoje a principal força da oposição política (intra e extra institucional).

Além disso, o governo da frente ampla de Lula-Alckmin vai governar tutelado pela burguesia brasileira e pelo imperialismo, desenvolvendo um programa burguês que não vai questionar o ajuste neoliberal e, portanto, vai manter o teto dos gastos e as reformas aprovadas pelos governos de Temer e Bolsonaro, o pagamento dos juros da dívida pública aos grandes especuladores, a concentração de renda, o latifúndio, a especulação imobiliária, o arrocho salarial e a precarização do trabalho, ou seja, todo o sistema de exploração e opressão.

Possivelmente, Lula impulsione leis antipopulares (como a reforma administrativa) e não vai resolver os grandes problemas estruturais da população explorada e oprimida. No médio prazo, isso provocará um desgaste das expectativas e mudança da relação das massas com o governo Lula, o que pode acrescentar mal-estar social e potencializar possibilidades de lutas nas ruas. Daí a caracterização deste como um governo burguês de conciliação de classes com o qual temos que ter uma relação não apenas de “independência”, como querem as correntes centristas do PSOL, mas de oposição de esquerda que lute contra o fascismo bolsonarista de forma combinada com a luta para superar os ataques que também virão do governo Lula.

A dissolução do PSOL na chapa Lula-Alckmin – somado a seu possível ingresso no governo – abriu uma crise desse partido que se tornou parte da esquerda da ordem, pois acabou como um projeto sem identidade própria e que perdeu toda característica de independência política de classe, ou seja, tornou-se um “mini PT” que não representa nenhuma alternativa de luta para o movimento de massas.

A pressão pelo ingresso do PSOL no governo é muito forte, principalmente nos setores ligados a Guilherme Boulos e Juliano Medeiros, e, embora alguns setores trotskistas que ficam no partido – MES, Resistência e etc.- se posicionam para que o partido seja “independente” do governo, na realidade é uma posição centrista para se preservar um verniz de esquerda que não coloca no centro do debate a tarefa primordial  da esquerda radical na atual conjuntura: construir uma oposição classista ao governo de Lula ao mesmo tempo que luta contra a ultradireita.

Vamos explicar melhor: o PSOL pode ser “organicamente” independente do governo (e dizer, que a legenda do partido não seja formalmente base de Lula, como querem Boulos e Medeiros), mas isso não é o mesmo que ser oposição ao governo pela esquerda, para o qual é necessário diferenciar-se sistematicamente do projeto liberal-social do Lula e os setores burgueses que compõem seu gabinete.

Por tudo isso, abre-se um processo de reordenamento dentro da esquerda no Brasil no próximo período, pois muitas correntes do trotskismo estão em crise por sua capitulação à frente ampla de Lula-Alckmin, pois hipotecaram sua perspectiva histórica em troca de votos para ter mais cadeiras no parlamento ou ser parte do novo gabinete do Lula. Outras, ainda que sejam independentes e oposição de esquerda ao governo e à ultradireita, sofrem de um sectarismo estéril que limita seu crescimento e, ainda pior, bloqueia ou limita a construção de espaços de coordenação entre as diferentes correntes da esquerda (ler Uma polêmica com o PSTU sobre o balanço do Polo Socialista Revolucionário).

Nesse cenário, a esquerda radical tem um enorme desafio porque existe o perigo de a ultradireita se tornar a única “oposição” ao governo Lula devido ao espaço deixado pelo PSOL. Por isso, as táticas da unidade de ação, da frente única e da frente de esquerda são ferramentas muito valiosas na atual conjuntura para superar o isolamento das organizações e potencializar a luta nos setores em que a esquerda tem presença política.

Uma política para a reorganização da esquerda radical

Finalmente, a Plenária encaminhou algumas tarefas políticas e construtivas na perspectiva de aprofundar a construção da corrente Socialismo ou Barbárie (SoB) e da juventude Já Basta! como uma corrente da vanguarda revolucionária que, além de garantir sua própria construção, aporte ao desenvolvimento da unidade de ação, de frentes políticas e de luta e uma oposição de esquerda do governo Lula e à ultradireita (bolsonarista e de outros setores, como o Tarciso).

Nesse sentido, impulsionaremos uma série de campanhas para dar conta da necessidade de unificar sindical e politicamente a vanguarda independente e a esquerda radical. Para isso, vai ser fundamental unificar a CSP-Conlutas e as demais frentes sindicais independentes para construir um espaço que impulsione a luta contra os ataques do próximo governo e da ultradireita; por exemplo, resistindo contra os cortes orçamentários a saúde e educação públicas, apoiando a organização independente dos entregadores, etc.

Além das iniciativas de unificação das organizações sindicais, populares e estudantis independentes, é fundamental trabalharmos no sentido de construirmos uma frente de esquerda socialista que deve partir do Polo Socialista Revolucionário para unificar toda a esquerda independente para criar uma alternativa política à capitulação diante do governo Lula, e de uma Frente Única Revolucionária para começar a unificar a esquerda radical independente, internacionalista e democrática que está fora ou rompendo como o PSOL. Essas são necessidades básicas desse momento de reorganização da esquerda que começa a se abrir.

Além disso, um eixo de trabalho vai ser aprofundar a construção da Juventude Já Basta! na universidade. Isso implicará um maior esforço de propaganda e formação teórica da militância com o objetivo de formar novos quadros políticos e, muito importante, ter uma ofensiva na luta teórico-programática, o que é fundamental no relançamento da esquerda revolucionária e anticapitalista. Diante das condições de opressão contra as mulheres e a população negra, impulsionaremos campanhas em repudio ao genocídio da juventude negra, pelo fim da Polícia Militar e pela legalização do aborto. Finalmente, como um dos instrumentos privilegiados desse esforço propagandístico, no próximo ano teremos diferentes iniciativas para posicionar nossas elaborações e as de nossa corrente internacional através do lançamento de uma Revista política bimestral.