Nossas companheiras da Argentina apontam a demora da nova resolução divulgada pelo Ministério da Mulher e Diversidade. A Resolução 15/2020 estabelece que sejam adicionadas às exceções de decreto de circulação (quarentena compulsória), as mulheres, pessoas LGBTQI+ e seus filhos. Antes disso, a quarentena compulsória implicava no impedimento de manifestações (mesmo com distanciamento social) contra a violência. Dificultava até mesmo a circulação para os registros de queixas nos casos de violência doméstica. A resolução foi divulgada no início desse mês.
A adesão compulsória desse decreto de exceção ao protocolo e legislação de proteção de gênero, é um avanço, porém, veio tarde e somente depois que as companheiras foram às ruas protestar por conta do aumento da violência e pela ideia absurda que vinha sendo sustentada, de que não importa o momento dramático, às mulheres, LGBQI+ “devem apanhar” e ficar quietas. O que na Argentina foi questionado e revertido graças à mobilização das companheiras e outros coletivos feministas independentes.
Uma medida que chega tarde e chega mal*
Por Inés Zeta, Buenos Aires
Em primeiro lugar, as organizações das mulheres e LGBTs têm denunciado desde o início da quarentena, em 20 de março, que o confinamento aumenta a violência sofrida por mulheres, crianças e pessoas vulneráveis em casa. Embora absolutamente necessária como medida preventiva contra a circulação do vírus, a quarentena tem como efeito milhares de mulheres, crianças e pessoas LGBTI estarem mais sujeitas a violência ao estarem confinadas com agressores. O lar é o primeiro lugar onde a violência de gênero é sofrida.
O movimento feminista organizou e realizou um #barulhaço contra a violência, realizado em 30 de março. Embora fragmentário, o movimento mostrou que a sensibilidade à violência e aos 12 casos de femicídio em 11 dias não passaram despercebidos pela sociedade. Entretanto, na ocasião o Ministério não fez nem disse nada a esse respeito. Além disso, durante o barulhaço, o presidente Alberto Fernández estava em conversação com René da banda Calle 13 pelo Instagram. E só quando o músico questionou sobre a problemática é que Alberto fez alguma alusão ao tema, quando questionado sobre o número de feminicídios, Alberto disse que era o primeiro feminista. Grande ajuda para as mulheres confinadas!
A verdade é que os grupos feministas ligados ao peronismo (vertente política de Alberto, que se assemelha com o petismo no Brasil) nas suas diferentes variantes, não participaram do barulhaço nem o promoveram, numa atitude de boicote à reivindicação. E somente dias após o barulhaço feminista, o ministério emitiu esta resolução excepcional.
Significa que em todas essas semanas se as forças de insegurança parassem uma mulher, com os seus filhos ou uma pessoa do LGBTI que saiu para denunciar a violência, elas eram mandadas de volta para a casa? E como as vítimas devem demonstrar que estão sofrendo violência? Elas devem procurar polícia? A mesma categoria que tem a maior taxa de violência contra os seus próprios parceiros? A mesma polícia que, quando uma vítima vai à delegacia, lhe diz para “perdoar”, ou que provavelmente foi a última vez, que saiba perdoar o agressor? Ou pior ainda, quem lhe pergunta o que ela fez para provocar a agressão?
No dia seguinte ao barulhaço #feminista, o ministério anunciou o grande plano da “máscara vermelha”. Pode ir à farmácia, ou fazer uma chamada telefônica, dizer a palavra-chave “máscara vermelha” para ter o protocolo de gênero ativado. O que é o protocolo? Como a nossa companheira Marina Hidalgo Robles já explicou (ver “La cuarentena aumentó la pandemia de femicidios“), é insuficiente e mal articulado, envolvendo intermediários não preparados ou não formados na contenção e tratamento das vítimas de violência (para além da valiosa boa vontade dos trabalhadores farmacêuticos).
Não sabemos os números de violência, o governo não realiza testes nem do vírus, dessa maneira sabe muito menos sobre os dados de violência. Agora eles saem com uma resolução que é quase uma piada!
Além de não tomar nenhuma ação séria durante o estado de emergência, a ministra Gómez Alcorta dedica-se a ao plano anterior a pandemia, como se nada fora do comum estivesse acontecendo. A grande tarefa dada a desde sua assunção era realizar “fóruns federais” para consultar todo o país e, em seguida, desenvolver um plano baseado nessa consulta. Além de fotos e stories no Instagram, não sabemos em que aspectos a consulta foi baseada.
A jornalista Mariana Carbajal postou outra nova disposição do Ministério em sua conta do Facebook. Ela explica que a quarentena impediu a continuidade dos fóruns federais a serem realizados entre fevereiro e abril, e que uma instância de consulta virtual foi aberta por meio de um formulário. O que é interessante são os eixos propostos para a consulta: “prevenção da violência de gênero; assistência abrangente e fortalecimento do acesso à justiça; proteção abrangente e redes comunitárias de pessoas em violência baseadas em orientação sexual, gênero, identidade e expressões; e interseccionalidades, onde a ação é contemplada para abordar as diversas manifestações de violência e seu impacto em relação às múltiplas opressões, dependendo das particularidades ou características diferenciais que agravam a vulnerabilidade de mulheres e pessoas LGBTI+, como idade, status socioeconômico, orientação sexual, origem étnica, racial, religiosa, entre outros.”
Se este palavreio é muito tem sua eficácia muito questionável. Pois depois de vermos como o governo e os bancos expuseram milhares e milhares de aposentados a enormes multidões a fim de coletar as miseráveis aposentadorias, agora vem dizer que “particularidades ou características diferenciais que agravam o estado de vulnerabilidade das mulheres e das pessoas LGBTI devem ser abordadas, como a idade…” não sabemos se é estupidez ou cinismo do Governo.
Juntos, os quatro eixos revelam que a consulta é orientada para um plano “mais do mesmo” de sempre. Todos os governos desde a reivindicação de #NiUnaMenos em 2015, foram dedicados a “planos abrangentes”, “planos federais”, “resoluções imediatas” e todos os tipos de anúncios. Mas o fato é que nenhum governo aloca um orçamento real, suficiente para qualquer uma dessas receitas magistrais.
Em que parte do plano social-liberal que o governo Fernández realiza, é preciso alocar orçamento para resolver questões relacionadas à violência e feminicídios? O que o governo demonstrou em quarentena é que não está disposto a tomar qualquer ação que afete os interesses dos de cima para resolver situações dos abaixo deles.
Como bem dito por nossa dirigente Manuela Castañeira diante do anúncio de que o levantamento da quarentena começará em 13 de abril: “Não é que a pandemia tenha terminado, senão que Alberto está sob pressão dos empresários, contra os quais ela se recusa a tomar medidas drásticas para pagar por essa crise. O governo inclusive aos credores internacionais 250 milhões de dólares em dívidas há poucas semanas. Não devemos deixar a quarentena, mas precisamos fornecer condições para que todos lidem com isso e sem repetir desastres como o de sexta-feira com os aposentados. Não há recomendação de saúde pública para deixar a quarentena, o que há é a pressão do ganho dos empresários.”
(https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3649307585144091&id=958750317533178).
Se houvesse realmente intenções políticas de tomar medidas para resolver as questões dos de baixo, se houvesse realmente alguma intenção de tomar medidas para enfrentar a violência e os feminicídios, o governo e seu ministério da Mulher e da Diversidade teriam que parar de pagar a dívida, e tomar um conjunto de medidas para que essa crise não seja paga por os de baixo.
As Vermelhas vem denunciando a saturação das linhas de ajuda, a falta de um plano sério para atender as vítimas, e, temos proposto medidas como o aumento orçamentário para as linhas de ajuda do 144 e 137, a contratação de pessoal, a efetivação de pessoal para o fim da precarização de seus trabalhadores, para também cuidar de quem atende e da assistência real. Além disso, propusemos medidas como o uso de hotéis como abrigos para mulheres, crianças e pessoas LGBTi que precisam deixar casas violentas, bem como subsídios para se sustentarem enquanto os planos de colocação de empregos estão sendo criados. Nada disso foi feito pelo governo, nem pelo ministério fantasma da Mulher e da Diversidade.
Por enquanto, o ministério fantasma permanece isso… um ministério fantasma.
*Tradução do espanhol, Carolina Baldo das Vermelhas São Paulo