Declaração da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie
A Ucrânia volta a estar no noticiário internacional. O povo ucraniano está, alguns mais ou menos surpresos, ao ver como seu solo está sendo usado para manobras e disputas entre as potências imperialistas.
A imprensa ocidental grita sobre as tropas russas na fronteira ucraniana para apoiar a adesão da Ucrânia à OTAN, a mídia pró-russa sobre a presença militar crescente das potências ocidentais (principalmente os Estados Unidos). A independência e a autodeterminação da Ucrânia, seu próprio território, parecem ser novamente dilacerados em tempo real pelo que pode ser desencadeado como uma guerra.
A luta pela autodeterminação do povo ucraniano contra as potências estrangeiras (principalmente a Rússia) tem séculos de história.
Após a Revolução Russa de 1917, nos primeiros anos, os ventos de liberdade e cooperação sopraram entre esses povos da Europa Oriental. Enquanto os bolcheviques ucranianos, com Rakovsky à frente, governaram o país, a perspectiva de uma Ucrânia autodeterminada parecia uma possibilidade muito real. Isto aconteceu, porém, durante os anos sangrentos da guerra civil contra a contrarrevolução. Foi também ali que as forças camponesas anarquistas de Makhno, que tomaram uma posição ambígua em relação à revolução (apoiando os bolcheviques ou as forças contrarrevolucionárias), foram ativas.
Esta história foi encurtada pela política da contrarrevolução stalinista. Primeiro voltando às políticas de submissão direta a Moscou após a destituição de Rakovsky (o chamavam de “O Lenin ucraniano”), depois esmagando a organização dos comunistas ucranianos, Stalin impôs o desastre da “coletivização forçada” com o primeiro Plano Quinquenal estabelecido em 1928. Esta política levou ao que é conhecido hoje como o “Holomodor”, uma fome terrível que deixou milhões de mortos no início dos anos 30.
Assim, a burocracia de Moscou ganhou o ódio das massas camponesas ucranianas, que a identificaram com a própria revolução e o “comunismo”.
Com a Segunda Guerra Mundial, uma parte significativa da pequena burguesia rural do oeste do país apoiou a intervenção nazista. Mas suas simpatias pouco duraram: a política racista de extermínio e escravidão dos nazistas rapidamente pôs fim às ilusões sobre a intervenção (a Ucrânia foi o cenário de massacres da população judaica e em geral como a de Babi Yar, onde 30.000 pessoas foram mortas em um dia, entre 29 e 30 de setembro de 1941).
No período do segundo pós-guerra, a parte oriental do país foi amplamente industrializada. Assim, esta região (mais russificada do que o oeste) era a mais operária de toda a Ucrânia. Seus laços econômicos e culturais com a Rússia e a URSS eram muito mais fortes, assim como os da Crimeia. Mas o que não havia – graças ao stalinismo – era uma Ucrânia com direito à autodeterminação nacional (a opressão Grande Rússia permaneceu).
Passaram-se longos anos e a restauração capitalista aconteceu.
Em 2014 aconteceu a revolta “Maidan”: uma revolta reacionária de setores principalmente ocidentais do país que queriam uma sujeição mais direta ao capitalismo neoliberal ocidental. A agenda da Maidan em Kiev era de adesão da Ucrânia à União Européia e à OTAN. Mesmo as organizações neonazistas de extrema-direita desempenharam (e ainda desempenham) um papel de liderança neste movimento reacionário. Hoje não é raro ver nas ruas ucranianas manifestações com retratos de Stepan Bandera, o principal colaborador ucraniano do Hitlerismo (uma tradição que remonta à Segunda Guerra Mundial e aos setores colaboracionistas nazistas).
Sucessivos governos têm sido um produto deste movimento, e sua política tem sido a de tentar avançar em sua agenda: deslocar-se ao ocidente ultra capitalista. Isto levou a uma guerra civil com o leste, que proclamou repúblicas independentes no Donbass com suas exigências culturais, mas principalmente econômicas (um movimento contra a desindustrialização da região, que agora está em declínio).
Assim, os sinais de alerta soam quando a Rússia reage à ofensiva da OTAN; quando o atual governo ucraniano, sem consultar ninguém, expressa mais uma vez sua vontade de aderir à aliança militar atlântica.
O governo reacionário de Putin pouco se preocupa com os direitos e liberdades dos ucranianos. Na verdade, abandonou o povo de Donbass e sua rebelião contra Kiev à própria sorte. Sua política imperialista tem medo de perder terreno em sua esfera de influência.
Assim, a Ucrânia está sendo dilacerada territorialmente numa guerra quase civil que às vezes tem elementos legítimos e outras vezes nada mais é do que a expressão da luta de dominação das potências imperialistas, como é o caso hoje. No Ocidente há uma maioria a favor da adesão à OTAN, o centro está quase dividido em dois, enquanto o leste operário tende a ser mais pró-russos.
Desde a Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie rejeitamos tanto a entrada da Ucrânia na OTAN quanto qualquer intervenção das tropas russas em seu território.
Uma Ucrânia livre, unida e independente, isto é, autodeterminada, só é possível se a classe trabalhadora for capaz de recuperar suas tradições socialistas revolucionárias, aquelas que fizeram do país um dos protagonistas do feito revolucionário de 1917. A tarefa é difícil: o stalinismo manchou essas bandeiras com sua política de opressão burocrática. Mas em nosso século XXI, enquanto as potências imperialistas ameaçam rasgar o país em dois, relançar uma alternativa operária, popular e socialista é a única maneira da Ucrânia não estar sujeita a um imperialismo ou a outro.