O PSOL pode e deve se construir como alternativa histórica ao lulismo

POR JOSÉ ROBERTO SILVA

Há alguns meses se abriu uma intensa discussão no interior do partido sobre iniciativas político-organizativas para o próximo período, discussões essas que podem fazer muita diferença no destino político do PSOL.

Não queremos aqui apresentar uma lista interminável de pontos de programa ou tática eleitoral, mas sim apontar elementos estratégicos que consideramos fundamentais para construir o PSOL como alternativa ao lulismo. Por isso, acreditamos importante nesse momento realizar um debate honesto com os companheiros que estão apresentando linhas que considerarmos que vão em outro caminho.

O PSOL nasceu de uma divergência profunda (de princípio) com o petismo –  da expulsão de parlamentares que votaram contra a “reforma” da Previdência de Lula em 2003 -, mas infelizmente algumas figuras públicas e tendências internas apontam para uma aliança político-eleitoral com o PT, o que desconsidera que este deixou de ser um partido operário e se tornou um partido burguês-operário, que governou com a classe dominante, traiu sistematicamente os interesses dos trabalhadores e reprimiu suas lutas em todas as instâncias de poder. Além disso, desconsidera a desmoralização do PT em amplos setores da classe trabalhadora, da classe média baixa, da juventude, das mulheres, dos negros e lgbts.

É necessário nesse momento de discussão de programa e tática eleitoral nos distanciar tanto do oportunismo quanto do sectarismo. Nesse sentido, como em um texto anterior da nossa tendência, queremos dialogar com a tática eleitoral que apresentam os companheiros da Resistência – organização política cujo ingresso no partido nós apoiamos saudando com grande entusiasmo sua incorporação[1] -, no texto “As eleições municipais e a política do PSOL”, pois, a nosso ver, a tática apresentada aí se assumida for pela maioria do partido pode levar à capitulação ao PT nas próximas eleições.

A luta contra o sectarismo e o oportunismo 

Existe um debate tão antigo quanto o movimento socialista, particularmente o socialista revolucionário, aquele que é contra o sectarismo e o oportunismo. Em que pese suas matrizes estratégicas, leituras da realidade e táticas padecem em princípio de um mesmo mal: o unilateralismo.

Oportunismo e sectarismo são como gêmeos xifópagos com cada um olhando para um lado, mas que compartilham os mesmos órgãos vitais. Esse é um problema cromossômico  extremamente sério no âmbito da biologia e não menos sério no âmbito da política socialista revolucionária, pois não raro os irmãos siameses (sectários e oportunistas) são afetados de forma profunda pelo mesmo mal: a perca da totalidade na análise dos fatos e daí a unilateralidade.

A visão mecanicista, contemplativa da realidade, em que tudo é estático, monolítico e inamovível, típico da perca da totalidade concreta, carrega uma noção fatalista que impede o agir político-prático em meio a aquela realidade. E aí existem somente dois caminhos: o sectarismo ou o oportunismo.

O primeiro é o que transforma estratégia em tática, da auto-proclamação, do isolamento completo de todo o restante do movimento e a cassação do diálogo com a própria classe, transferindo para esta o encaminhamento das soluções, sejam quais forem.  Este é o caminho do sectarismo. O segundo caminho é o do oportunismo, que ao contrário do primeiro, transforma tática em estratégia, colocando as estratégias e princípios básicos em condição de subalternidade em relação à luta política, fugindo de uma tarefa estratégica fundamental de toda tendência revolucionária em nossos tempos: lutar incansavelmente para superar as direções burocráticas.

Ao tratar tudo como uma massa única, em que tudo e todos se igualam, também se sente impedido da ação sobre o cotidiano, mas neste caso, retira da classe a capacidade de ação transformadora e cai no oportunismo das negociações parciais, por dentro da ordem, à espera de que a relação de forças se altere a favor dos trabalhadores, pelo enfraquecimento – provocado sabe-se lá pelo que – do inimigo de classe. E aí, fatalmente, se cai em “teorizações como as do “reformismo revolucionário” (a chamada “participação parlamentar em condições em que não existem situações revolucionárias”) que são uma adaptação oportunista às circunstâncias dadas pela separação entre ação parlamentar e as perspectivas mais gerais de transformação social”.[2]

Independência de classe: antídoto ao oportunismo

Os companheiros da Resistência são conhecidos por sua seriedade e honestidade de propósitos, os quais amiúde aplaudimos. No entanto, quando lançam o editorial intitulado “As eleições municipais e a política do PSOL”, pelo risco que esta atrás de sua formulação, não podemos nos furtar ao debate. 

Partiremos de um ponto que para nós é básico, fundamental: quem dirige a linha política tática eleitoral é a estratégia, o programa, não o inverso. No primeiro ponto de seu documento, os companheiros reivindicam uma discussão programática, “acreditamos que o PSOL tem que iniciar imediatamente uma ampla discussão de programa”. Concordamos com essa apreciação e com a necessidade de abrir imediatamente com toda a base do partido uma discussão programática.

Quanto às propostas concretas dos companheiros apresentadas no Editorial partem de uma generalização conjuntural que afirma “neste texto, apresentamos algumas ideias para dialogar com o conjunto da militância do PSOL e com todas e todos que estão na luta contra o governo Bolsonaro e a extrema direita.

Vale registrar que, para a esquerda revolucionária, as eleições são uma oportunidade para apresentar o programa e as propostas anticapitalistas e socialistas para um setor mais amplo da sociedade e, ao mesmo tempo, a possibilidade de eleger lideranças com a tarefa de ser a voz dos explorados e oprimidos no parlamento, bem como um ponto de apoio para as lutas sociais e democráticas.”

E diante disso, firmam sua proposta tática:

“Embora mantenhamos importantes polêmicas políticas e programáticas com o PT e o PCdoB, elas não devem impedir a possibilidade de alianças com esses partidos que estão na oposição ao governo Bolsonaro e que têm origem e inserção real nos movimentos sociais dos trabalhadores. Além do PT e do PCdoB, devemos estar abertos à construção de alianças com o PCB, UP e PSTU.”

Queremos, antes de tudo, apesar de respeitar a trajetória dos companheiros, dizer que existem problemas sérios nessa avaliação política, bem como, na proposta de tática eleitoral em questão.

Concordamos com os companheiros quanto a reforçar alguns pressupostos básicos do socialismo revolucionário, sempre importantes de serem lembrados, tais como: “as nossas candidaturas…devem sempre ser um ponto de apoio efetivo às lutas de resistência dos movimentos da classe trabalhadora, da juventude e dos oprimidos” e, por isso, “entendemos que a campanha eleitoral é muito importante para a disputa política e programática. Não vamos secundarizar esta batalha, pois a entendemos como parte inseparável da nossa estratégiapara derrotar a BURGUESIA sob qual seja a forma de gerência dos assuntos do capital que ela assuma, pois, somente é possível derrotá-lacom a ampliação da organização e das mobilizações do povo trabalhador e a defesa da aplicação de um programa de ruptura com o sistema capitalista”. (texto do editorial em itálico)

Essa é a base inalienável para a elaboração da tática pertinente às mudanças de cenário no cotidiano da luta de classes. Os camaradas são revolucionários e em nenhum momento defenderam o contrário disso, mas, quando só veem como inimigo de classe o seu gerente de plantão, afirmando que “ entendemos como parte inseparável da nossa estratégia de derrotar o governo Bolsonaro e seus aliados”, caem em um reducionismo que compromete a premissa da defesa de um “programa de ruptura com o sistema capitalista”.

Evidentemente, por trás da proposta do Editorial, existe uma construção mais de fundo. Neste sentido, queremos trazer à baila a elaboração que vem sendo feita pelo dirigente nacional da Resistência Valério Arcary.

Desde maio do ano passado, por meio de artigos, publicados em sites e revistas, os quais inclusive, tentam, a nosso ver, dar uma orientação para os documentos políticos da direção do PSOL, tal como um artigo em que Arcary se ocupa do tema análise de conjuntura, ele aponta as bases para uma análise marxista, onde vemos observações importantes que sustentam sua análise: “Uma análise de conjuntura deve ser entendida como a operação da mente que separa as partes de um todo. A realidade é sempre uma totalidade de contradições(...) Uma análise marxista identifica os conflitos a partir de um ângulo de classe. Isso não significa que pode haver “torcida” na análise(…)Tampouco há análises otimistas ou pessimistas. Isso é retórica. Há somente análises mais certas ou mais erradas. A análise marxista de uma situação política remete à consideração de fatores objetivos e subjetivos.” (grifos nossos)[3]

Ou seja, na visão do autor há que se buscar a maior aproximação possível da realidade por meio da identificação dialética dos fatos, das contradições existentes, para não incidir em unilateralidade, seja esta “otimista” ou “derrotista”.

O editorial não apresenta uma análise de conjuntura, somente uma caracterização do governo Bolsonaro. Assim em seu ponto 3 afirmam, “a existência de um governo neofascista, como o de Bolsonaro, que ameaça diretamente os direitos democráticos, deve nos fazer refletir sobre a política de alianças para as próximas eleições”, fundamentando essa tese no ponto 2, “apontar a prioridade de lançamento de candidaturas do PSOL e de nossos aliados mais próximos não nega as discussões acerca das alianças com outros partidos vinculados à classe trabalhadora, nem de acordos políticos eleitorais mais amplos, desde que não ultrapasse a fronteira de esquerda, para derrotar candidatos da extrema direita nas cidades em que ocorrerão segundo turno.”

A proposta dos camaradas da direção do Resistência (ou pelo menos de um importante setor dela) não é uma articulação de princípios soltos ao vento. Fica claro que há um debate aqui, sobre o caráter da frente “de esquerda” a ser formada, contra a proposta contida na Resolução da Executiva do PSOL. O texto “Salvar o Brasil….”, Resolução da Executiva Nacional, na verdade, uma ode ao oportunismo movimentista/eleitoralista, ancorada em uma tese explicita de cretinismo parlamentar, a partir de conjecturas sobre a caracterização do governo Bolsonaro, travestidas de análise de conjuntura, propõe: “diante disso, a oposição deve agir de forma o mais unitária possível na defesa do povo brasileiro, resguardando as diferenças existentes. No caso do PSOL, temos atuado para assegurar a construção de uma frente ampla em defesa da soberania, dos direitos e da democracia. O papel de nossa bancada e de nossas representantes na última eleição presidencial, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, tem seguido essa direção. É verdade que interesses eleitorais e diferenças de avaliação sobre a gravidade do momento político têm, frequentemente, dificultado essa construção[4]

Ou seja, a Direção Nacional propõe uma Frente Ampla da Oposição uma espécie de Frente Popular, que olhada as experiências do passado, é extemporânea, amorfa, gelatinosa, conciliadora, cujo único balizamento é o do jogo político eleitoral, concedendo por isso um caráter atemporal a essa política, a qual, no médio prazo, transforma o PSOL em um PT com direito de tendência.  

No entanto, infelizmente, em sintonia com isso, a Resistência apresenta uma Frente Política “da Esquerda”. Ou seja, colocam na mesa uma proposta de Frente Única Parlamentar, apoiada em uma visão programática economicista que abandona toda perspectiva da luta política (totalizante) contra o governo e a classe dominante, a partir de uma análise derrotista que caracteriza o governo como neofascista assumindo assim uma correlação de forças muito mais desfavorável do que a realidade política demonstra e que por fim náufraga em um perigoso desvio oportunista que não aposta na construção de uma alternativa política de superação do lulismo.

Isso se referenda, quando o dirigente nacional da Resistência, Arcary, mirando a tese da executiva que propõe uma frente incluindo setores da direita e do centro, em um outro artigo vai definir o que é, para ele, esquerda diz: “por que o PDT e o PSB não são considerados nesta análise? Há uma enorme e, talvez, insolúvel controvérsia de critérios para definir o que é ser de esquerda, mas há, também, uma régua marxista para a classificação dos partidos. Entre outros critérios, a natureza social e a identidade ideológica. PT, PSOL e PCdoB são os partidos que, historicamente, conquistaram maior representação entre os trabalhadores e o povo, e reivindicaram, de alguma forma, o socialismo como referência programática.”[5]

Bem, quanto à natureza (seria mais correto dizer origem social) o PT pode ser classificado como esquerda, mas, com relação à identidade ideológica, direção e programa, este partido não passa pela peneira, deixou de ser um partido operário e se metamorfoseou em um partido burguês-operário. Quanto a isso, faremos nossas as palavras da própria tendência Resistência, por seu manifesto de fundação (É TEMPO DE Resistência): “grande parte da responsabilidade pela situação a que chegamos deve ser atribuída aos partidos, movimentos e dirigentes da classe trabalhadora que, desde os anos 1990 pelo menos, mas mais acentuadamente após a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal, renunciaram ao programa socialista e a toda e qualquer política que representasse autonomia de classe. Em nome da conciliação de classes, desarmaram a contestação à ordem(…) Quando a greve geral de 28 de abril de 2017 demonstrou que a indignação com o estado das coisas poderia gerar mobilizações de massa capazes de derrotar o governo, as direções conciliadoras recuaram, boicotando os movimentos posteriores(…) disposição de unidade para lutar em torno de objetivos de resistência, centrais nessa conjuntura de retrocessos, não nos levará a aceitar o abraço dos afogados dos que insistem na conciliação de classes. A classe trabalhadora brasileira necessita de uma outra esquerda, que não tenha medo de expor suas convicções socialistas e seu programa radical de ruptura com a ordem burguesa.

Ou seja, o PT e o PCdoB (a este último apesar de se dizer Partido do Socialismo, deve-se aplicar o que diz Arcary, no mesmo artigo acima: “Assim como não devemos julgar as pessoas pelo que pensam de si mesmos, não podemos avaliar os partidos somente pelo que dizem sobre si próprios.”), se tornaram partidos da ordem, absolutamente desvinculados da classe, exceto pelo domínio burocrático que exercem sobre os trabalhadores através de suas centrais, mantendo-os completamente apartados de qualquer movimentação política independente.

Uma aliança com estes partidos é uma aliança contra os setores da classe média baixa que romperam com o Lulo-Petismo já a partir de 2006 e da classe trabalhadora que estão em busca de uma referência política que o PSOL ainda não foi capaz de dar. Voltar sobre os passos dados nas restrições à política de alianças do último Congresso, somente ampliará essa dificuldade.

Os companheiros da Resistência ao invés de chamar o conjunto do partido para derrotar o oportunismo conciliador de classes da direção do PSOL com uma linha de fato alternativa, só fazem dourar a pílula. Assim, nos termos propostos, de caráter economicista, derrotista e capitulacionista, é obrigação dos que querem construir um partido histórico alternativo ao lulismo declinar desse convite.

Não devemos subestimar a força da classe trabalhadora

Não devemos lançar propostas aventureiras à classe trabalhadora, de ataque frontal à burguesia a todo instante. Nesse aspecto, os ensinamentos de Trotsky são precisos: “A classe operária luta e aí amadurece na consciência de que o seu adversário é mais forte. Observa-se constantemente isto na vida corrente. Tem o adversário riqueza, poder estatal, dispondo de todos os meios de pressão ideológica e de todos os instrumentos de repressão. Habituar-se a pensar que o inimigo é superior em força, é parte integrante da vida e do trabalho dum partido revolucionário, no período da preparação. Aliás, as consequências de atos imprudentes ou prematuros em que venha a incorrer o Partido, advertem-no brutalmente, de cada vez, da força do inimigo. Porém, chega um momento em que se torna o principal obstáculo para a vitória este hábito de considerar mais poderoso o adversário[6].  Evidentemente tratava-se da análise da preparação insurrecional às vésperas de Outubro, mas, apresenta grande validade em relação ao que se está colocando em debate pelos companheiros.

Em momentos de uma dinâmica na qual os giros “abruptos” dos fatos (como no Brasil), quando uma demonstração de força da burguesia ultrapassa os limites impostos por ela mesma até “ontem”, é fundamental não ceder um milímetro na análise do real estágio da luta de classes, para não se cair no impressionismo e enxergar um negro profundo da noite, quando ainda sequer se chegou ao crepúsculo.

Esse é o caminho para a justificação fácil do mais arraigado oportunismo, cujo conteúdo político, nas palavras de Lenin, é o da: “(…)colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às ações revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia(…) A luta entre as duas tendências fundamentais no movimento operário, o socialismo revolucionário e o socialismo oportunista, abrange toda a época de 1889”[7] e parece permanecer até hoje, completamos.

É verdade que, desde a irrupção da crise capitalista em 2008, vivemos uma quadra de um giro a direita mundial, em que o capital não tem pruridos em usar medidas de exceção como o pedido feito pelo primeiro ministro inglês – aceito pela rainha Elizabete II no final de agosto – de fechamento do parlamento inglês. Porém o quadro não se resume a isso. Vivemos, também, desde 2001 uma série de rebeliões populares, que nas suas mais diversas manifestações, tem colocado contra a parede o neoliberalismo como um todo, principalmente no que tange à diminuição dos espaços democráticos de participação e contra todo tipo de opressão.

Nesse processo, o curso político comporta contra tendências que começam a aparecer de forma mais clara. Da mesma forma que as lutas na Inglaterra derrubaram o primeiro-ministro e complicam a saída do Reino Unido da União Europeia, as lutas e rebeliões populares vividas na América Central – Nicarágua, Honduras e Porto Rico – questionam os governos autocráticos da região. Em Hong Kong, uma verdadeira rebelião popular juvenil, questiona o conjunto do regime da burocracia despótica capitalista de toda a China, assim como, a resistência massiva aos ataques de Macri na Argentina foram fundamentais para a derrota do oficialismo nas prévias.

São todas experiências de confronto com a classe dominante, que trazem o germe da reorganização da classe trabalhadora por seus instrumentos próprios, e que podem concorrer para uma eventual radicalização da luta de classes. Mas o que resta realmente claro com essas movimentações é que só é possível medir forças na luta direta e não fugindo dela.

Num período histórico em que o fracasso do socialismo stalinista burocratizado tem sido bradado a todo minuto pela mídia burguesa, associando-o à corrupção sistêmica de governos ditos “progressistas”, concorrendo para setorizar as lutas e dar-lhes um caráter híbrido – tratando que não se aprofundem em um sentido de classe e anticapitalista – o que se nos exige é a partir dos setores que estão à frente da luta, como a juventude e as mulheres, assumir a tarefa de alcançar a unidade das filas operárias através de uma estratégia de unidade de classe que permita, ao mesmo tempo, disputar a hegemonia sobre o resto dos setores explorados e oprimidos, recolocando em cena o debate socialista, na construção do Socialismo do Século XXI.

Como no resto do mundo, o ascenso, no último período, dos movimentos anti-opressão e em defesa da democracia no Brasil, tais como o #Ele Não (que, diga-se de passagem o PT e seus aliados reduziram, na prática, a um fraudulento #Lula Sim, coisa bem diferente do #Lula Livre) pode questionar as pautas regressivas em curso e o governo Bolsonaro como um todo, somado a um conteúdo anti-capitalista: como a recentíssima marcha pela Amazônia, que trouxe às ruas uma profunda pauta de contestação ao caráter predatório do capital.

Ou seja, apesar da ausência dos caudais da classe trabalhadora como um todo, não foi imposta nenhuma derrota cabal, definitiva neste período. Na verdade, os movimentos de juventude, de mulheres, LGBTT e agora o ecológico, se apresentam contra todas as mazelas do sistema. O desemprego da juventude trabalhadora, a hiperexploração da jornada tripla de trabalho da mulher, o racismo e reacionarismo travestidos de pauta de gênero, a violência contra só negros e pobres da periferia, afetam todos os trabalhadores. A forma de expressão utilizada por estes é que está fragmentada e dirigida, em boa parte, por setores autonomistas e/ou pequeno burgueses.

O que é preciso é abandonar o derrotismo, o taticismo, o economicismo, o politicismo e a conciliação de classes por uma proposta política socialista revolucionária que dialogue profundamente com todos os setores explorados e oprimidos, num projeto de unidade nas ruas, que de sustentação a um programa político anticapitalista.

Ou, como nas palavras de Trotsky, em “Aonde vai a França?”: “Nas condições de exacerbação da crise social, o partido revolucionário, na luta contra o reformismo, reuniria infalivelmente sob sua bandeira a esmagadora maioria dos trabalhadores. O problema histórico não é unir mecanicamente todas as organizações, que representam diferentes estágios da luta de classes, mas unir o proletariado na luta e pela luta. Esses são dois problemas completamente distintos, e às vezes até contraditórios.[8]

Por um PSOL dirigente nas ruas e protagonista de uma política anticapitalista e independente

Os companheiros da Resistência são camaradas socialistas revolucionários que muito consideramos. Mas, neste momento, não temos nenhum acordo com sua linha política manifesta no editorial “As eleições municipais e a política do PSOL”, pois ela coloca em risco a construção de um real instrumento de unidade e de independência de classe, como consideramos que é o PSOL.

Temos que partir da realidade: não estamos diante de uma derrota definitiva/histórica dos trabalhadores e existem importantes contra tendências que podem fazer a situação mudar, para isso é preciso unificar politicamente todas as lutas em torno da necessária derrota do governo. Pensamos que as lutas e os sinais gradativamente crescentes de contestação não permitem análises que fujam dessa premissa.

Mas mesmo que estivéssemos em uma conjuntura de derrota estrutural nada justificaria perder a independência de classe construindo uma aliança política com um partido burguês-operário como o PT, pois certamente durante um governo como esse seriamos desmoralizados como fiadores ou cogestores. Por isso, estamos batalhando com outros companheiros do PSOL por uma estratégia que fuja ao derrotismo, ao economicismo e à capitulação ao lulismo, e que faça uma correta avaliação da situação reacionária, do governo protofascista de Bolsonaro.[9]

Lutaremos pela correta definição de Frente Única para lutar em defesa dos direitos democráticos sob ataque e contra o aguçamento da política de opressão sobre todos os setores da sociedade – que não se confunde em nada com uma Frente Política nas lutas e nas eleições – assentada em um programa anticapitalista, uma alternativa política global, independente do lulismo e que recupere os direitos dos trabalhadores retirados e sob ataque, com vistas à transição socialista.

A partir daí poderemos elaborar uma política eleitoral que coloque no primeiro turno preferencialmente candidaturas do PSOL dotadas de um programa anticapitalista e políticas de aliança nos primeiros e segundo turnos totalmente independentes dos patrões e do lulismo. Diante de candidaturas no segundo turno que forem de fato ameaças fascistas, quando nenhum partido socialista independente estiver na disputa, temos que chamar o voto crítico, como no voto em Haddad em outubro de 2018, e nunca uma tática de aliança eleitoral com o lulupetismo, como propõem os companheiros da Resistência.

Acreditamos que esse é o único caminho para recuperarmos a democracia interna dos primeiros anos de fundação. O debate político era corrente, franco e aberto, em que não se utilizava de composições quantitativas para impor tão somente táticas eleitorais, para que sejamos capazes de dialogar com os trabalhadores, mulheres, juventude e todos os oprimidos.

Apesar do avanço do reacionarismo, temos melhores condições objetivas para lutar ainda mais ativamente no próximo período por um PSOL protagonista, vanguarda dos movimentos sociais e populares, e liderança da Frente de Esquerda Socialista. Queremos o palanque do parlamento, mas, fundamentalmente, não podemos fugir à responsabilidade de lutar, nas ruas, pela direção política da nossa classe.

Já iniciamos o debate, apontando nossa visão e as bases para isso em nosso artigo “O PSOL precisa de uma tática eleitoral independente do lulismo”, publicado em 17/09/2019. Convidamos os companheiros da Resistência, das demais tendências e independentes a um diálogo aberto sobre ambas posições, bem como, companheiros e companheiras que possam estar de acordo com as linhas gerais por nós expostas, a somar nessa discussão. 


[1] A Resistência nasceu da fusão de dois agrupamentos que romperam com o PSTU, cuja formação saudamos como positiva na época e ainda hoje, participando inclusive, do seu ato de lançamento. Para além do rompimento com o PSTU, os debates levados à época pelos seus militantes e o seu manifesto de fundação (É TEMPO DE Resistência) apontavam para a entrada em cena de uma organização que se somaria a aqueles que buscam elaborar um programa político e de ação baseado no mais aguçado olhar da luta de classes.

[2] Roberto Saenz, Pressupostos gerais de uma política parlamentar revolucionáriapublicado emhttps://esquerdaweb.com/pressupostos-gerais-de-uma-politica-parlamentar-revolucionaria/

[3] “Como se faz análise de conjuntura?”, publicado em http://redept.org/blogosfera/index.php/2019/08/12/como-se-faz-analise-de-conjuntura/

[4] “SALVAR O BRASIL, ANTES QUE SEJA TARDE!”, publicado em 26/08/19 em http://psol50.org.br/psol-define-eixos-de-acao-para-o-segundo-semestre/

[5]https://revistaforum.com.br/rede/seis-meses-de-bolsonaro-tres-debates-e-tres-perspectivas-atravessam-a-esquerda/  

[6] Leon Trotsky, “LECCIONES DE OCTUBRE”, pg. 43-44, Editora El Yunque, Argentina, 1975

[7] V. I. Lenin, “O Oportunismo e a Falência da II Internacional”, janeiro de 1916, em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/01/falencia.htm

[8] Leon Trtosky, “Adonde va Francia?”, pg. 95, Juan Pablo Editor, México, 1975

[9] Governo baseado no fortalecimento da burocracia estatal através das forças militares, com o suporte político/ideológico do reacionarismo fundamentalista evangélico e dos ultraliberais formados na Escola de Chicago, colocados lá pela burguesia para aprofundar as contrarreformas contra os trabalhadores.

2 COMENTÁRIOS

  1. […] Sobre esse tema já travamos polêmicas com os companheiros e companheiras de outras organizações psolistas, para a corrente Socialismo ou Barbárie está em curso uma perspectiva refundacional que coloca abaixo a necessidade de construir o PSOL independente das direções burocráticas e pela superação delas. Deixamos aqui como recomendação o texto escrito por José Roberto Silvapublicado no portal EsquerdaWeb: O PSOL pode e deve se construir como alternativa histórica ao lulismo (https://esquerdaweb.com/o-psol-pode-e-deve-se-construir-como-alternativa-historica-ao-lulismo/). […]