Víctor Artavia
A atual campanha eleitoral é a mais importante desde a “redemocratização” em meados dos anos oitenta. A polarização cresce dia a dia, principalmente porque a extrema direita bolsonarista semeia um clima e atitudes de desestabilização nas instituições e nas ruas. Em que pese que o imperialismo e os setores hegemônicos da burguesia brasileira não apoiam uma saída golpista, isso não descarta que Bolsonaro e suas hordas neofascistas intensifiquem as provocações e ataques físicos diretos antes, durante ou depois das eleições, ou seja, não se pode descartar que tentem uma aventura golpista (cenário difícil, mas não impossível). Por isso, é fundamental construir uma frente da esquerda radical e anticapitalista nas ruas para afrontar as provocações da ultradireita e realizar uma campanha de exigência à burocracia desde a base – locais de trabalho, de moradia e de estudo – para impulsionar as lutas da classe trabalhadora e dos setores explorados e oprimidos.
Uma campanha de provocações golpistas em curso
Há vários meses que Jair Bolsonaro começou uma campanha de questionamento das próximas eleições de outubro. Primeiro, denunciou a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas e, por isso, exigiu auditoria sobre os resultados eleitorais. Além disso, em agosto declarou que ele tinha três opções em seu futuro: ser preso, morrer ou ganhar. Por último – e para não deixar dúvidas -, na segunda-feira anterior (18 de julho) reuniu um grupo de embaixadores em Brasília para reiterar suas denúncias de fraude eleitoral, atacar Lula e autoridades do STF (tudo isso utilizando as instalações e recursos estatais).
Ninguém acredita na veracidade das calúnias de Bolsonaro, porém têm importância porque estimulam as bases da ultradireita e intimidam seus adversários. A retórica golpista de Bolsonaro é uma tática para ficar na ofensiva, agitar sua base golpista e ensaiar cenários golpistas na realidade em meio à campanha eleitoral, ainda que esteja abaixo na intenção de voto ante Lula. Assim, coloca as instituições eleitorais na defensiva, alimenta setores das forças armadas mais reacionários e instala a ideia nas massas que só perderia as eleições com uma fraude do PT avalizada pelo STF. [1]
Aliás, recentemente setores do bolsonarismo passaram das palavras aos fatos, impulsionando ataques com bombas caseiras contra os atos de campanha do PT e, ainda mais grave, assassinando Marcelo Arruda, dirigente local desse partido em Foz de Iguaçu. Também houve um ataque contra um comício da campanha de Freixo no Rio de Janeiro encabeçado pelo deputado bolsonarista Rodrigo Amorim, que depois declarou mentirosamente que foi alvo de “agressões” por parte dos apoiadores de Freixo. Ainda que esses ataques sejam em escala local, não se pode descartar que, em breve, sejam a ponta de lança para outros em nível nacional.
Esse é um expediente clássico da ultradireita, o qual assemelha-se – com as distâncias históricas devidas – às “expedições punitivas” do fascismo italiano nos anos vinte do século passado: agressões físicas ou armadas a pequena escala contra organizações operárias, partidos e figuras da oposição, consideradas o “inimigo interno”, com o objetivo de criar medo entre os adversários e esconder os problemas sociais e económicos de fundo. [2]
Mas, também, Bolsonaro impulsionou a aprovação da PEC 15 ou “PEC do Desespero”, com a qual contará com recursos para elevar por uns meses o auxílio emergencial a R$600, uma medida claramente eleitoreira que busca reduzir a diferença de votos com Lula e favorecer o seu relato de fraude eleitoral em caso de uma derrota em outubro (tal como indicam as pesquisas até agora).
Tudo isso configura um cenário muito perigoso, pois Bolsonaro leva meses procurando normalizar sua retórica golpista, à qual agora adiciona os ataques físicos contra atos e figuras da oposição. Fica claro que não vai aceitar uma derrota eleitoral em outubro nem vai assumir o papel de oposição “responsável”, típico dos partidos de direita tradicional. Ao contrário, vai questionar os resultados; a única dúvida é até onde ele pretende chegar e, para isso, está “testando o terreno” com sua campanha de provocações e “expedições punitivas” em pequena escala.
A esquerda deve estar à altura da situação
A ofensiva bolsonarista abriu um debate entre as correntes trotskistas sobre o caráter dos ataques e como enfrentá-los. As posições das organizações são diferentes, mas têm um elemento em comum: ninguém – à exceção da SoB – chama a conformar uma frente de esquerda com todas as candidaturas (sem renunciar a nenhuma delas) para ser um polo de luta independente dos patrões e da burocracia para derrubar o bolsonarismo nas ruas.
Comecemos com a Resistência, corrente que é parte da direita do PSOL e capitulou à pressão da frente ampla com Lula-Alckmin, justificando-se no risco neofascista de Bolsonaro (um fato, mas que não justifica ser parte orgânica de uma frente burguesa, ao contrário prejudica diretamente a tática de ir às ruas). Isso explica sua política diante da conjuntura, pois eles chamam a “multiplicar nas ruas a campanha Lula”, uma proposta limitada ao plano das eleições (ver Não aceitar intimidação: multiplicar nas ruas a campanha Lula). É uma tática na qual não existe nenhuma proposta de luta para depois de outubro, um erro perigoso pois a ultradireita não vai desaparecer mesmo que percam as eleições e, ademais, porque o próximo governo – mesmo que Lula ganhe – vai favorecer os grandes empresários e apertar as condições de vida da classe trabalhadora. Além disso, é muito sectária porque não dialoga com o amplo espectro das organizações da esquerda que não fazem parte da campanha de Lula. Resistência propõe uma “campanha movimento” para dar um verniz “vermelho” à candidatura de Lula-Alckmin, embora o programa que defendem é burguês (como vai ser um eventual governo Lula) e precisa da passividade da classe operária e dos setores explorados para aplicá-lo.
No caso do MES, também fica no PSOL e, por isso mesmo, sua política compartilha os mesmos limites da Resistência. Por exemplo, o MES chama à mobilização porque sem “uma ação histórica consciente, que coloque milhões nas ruas, não se poderá deter o plano golpista de Bolsonaro” (ver como responder à política golpista de Bolsonaro?). Porém, não levanta nenhuma proposta concreta para organizar a luta com uma frente de esquerda socialista para furar o bloqueio que impõe a burocracia lulista à luta concreta e nas ruas contra o golpismo.[3] Assim, sua convocação às ruas é uma apelação abstrata pela unidade de ação, não é muito diferente quando chama a cerrar fileiras por Lula em outubro e votar em suas figuras que, de acordo com eles, vão agitar um programa da esquerda de PSOL (na realidade é reformista e como muitas limitações).
O MES e a Resistência chamam uma campanha nas ruas por Lula, mas é uma exigência sem sentido. Existe uma relação entre forma e conteúdo e, por isso, a campanha de conciliação de classes de Lula não impulsiona a luta contra o fascismo nas ruas; pelo contrário, sua ênfase é ampliar ainda mais – agora estão se aproximando de Michel Temer – a conciliação como os setores da burguesia a partir de uma oferta muito agradável para eles: Lula e PT – com o apoio do PSOL, tudo indica – através do controle dos aparatos sindicais, vão controlar o descontentamento do movimento de massas para que esse não atrapalhe a governabilidade burguesa.
Outro caso são as posições de Luta Socialista e da Alternativa Socialista, que também ficaram no PSOL, ainda que não apoiem a candidatura Lula-Alckmin. Isso já denota o caráter confuso dessas correntes. Dizem que são “independentes” do lulismo, porém são parte de um partido que capitulou à pressão frenteamplista e que, agora, é um sócio menor do PT (na realidade sem uma identidade política própria). De acordo com eles, Bolsonaro e seus seguidores não têm condições para protagonizar uma aventura golpista, pois não contam com o apoio do imperialismo e amplos setores da burguesia; por isso, só alertam dos ataques do governo contra as liberdades democráticas.
Essa postura se expressaram nas plenárias da “Povo na rua” e em seus textos conjuntos (veja Governo Bolsonaro aumenta a pobreza, a fome, o ódio e a violência…). É uma análise característica de correntes sindicalistas ou economicistas, em que os perigos da ofensiva de Bolsonaro se diluem nas adversidades da situação objetiva. Assim, essas correntes perdem de vista que a ultradireita bolsonarista tem iniciativa própria e, embora não conte com as melhores condições para um golpe, é um erro desastroso fechar a possibilidade de uma aventura golpista de Bolsonaro em meio à atual situação do país, em que a classe trabalhadora e os oprimidos não estão na ofensiva. Embora chamem às ruas para defender as liberdades democráticas, sua política é desajustada porque não parte de apontar com clareza a envergadura do perigo que representa a ultradireita bolsonarista.
Por último, vemos no Polo Socialista Revolucionário. Esse é um espaço de confluência de diferentes correntes de esquerda independentes do lulismo (do qual nós da SoB fazemos parte). Sem dúvida, é um acerto nuclear os setores da esquerda que não capitularam à pressão frenteamplista da chapa Lula-Alckmin e apresentar candidaturas com as legendas democráticas em torno da legalidade do PSTU. Mas isso não basta na conjuntura atual, porque é preciso avançar na unidade da esquerda nas ruas para derrotar o bolsonarismo, tarefa sobre a qual, até agora, o Polo se mostra sem uma proposta concreta para a articulação dos setores independentes.[4] Nosso chamado fraterno às correntes que conformamos o Polo é reverter isso, é impulsionar a constituição de uma frente de esquerda para unidade com independência de classe, chamando todas as candidaturas da esquerda para sentarem à mesa para traçarem conjuntamente um plano de lutas para enfrentar o golpismo. Do contrário, a experiência do Polo Socialista Revolucionário será uma frente eleitoral com independência de classe, o qual é valioso, totalmente insuficiente na conjuntura atual.
Nós da SoB, por meio da nossa campanha da Bancada Anticapitalista, aproveitaremos as eleições para fazer esse chamado nas faculdades, nos locais de trabalho e nas comunidades para alertar sobre o perigo das provocações golpista de Bolsonaro e para a necessidade de impulsionar a luta unificada nas ruas, retomando, assim, a experiência da luta antifascista na história do século XX (na qual o Brasil conta com um importante capítulo como foi A experiência da Frente Única Antifascista no Brasil (1933-34)).
[1] Em uma nota recente de The Economist, explicam que o grupo de cyber-defesa do exército enviou oitenta e oito consultas ao STF sobre as fraquezas das urnas eletrônicas, vazadas nas calúnias de Bolsonaro (Might Bolsonaro try to steal the vote?, TE 16 de julho 2022).
[2] O historiador Pierre Broué, em seu livro História da Internacional Comunista, relata a indiferença da maioria de partidos e dirigentes socialistas ante o começo da violência fascista, pois não foram capazes de compreender o novo fenômeno que representava (com exceção de Gramsci). Algo similar acontece com várias correntes da esquerda no Brasil.
[3] O oportunismo do MES não tem limites, pois em os acampamentos da juventude mandelista na Europa, falam que estão contra a chapa de Lula.
[4] Nenhuma corrente de Polo – à exceção da SoB – participou no protesto do 16 de agosto de Povo na rua, um erro porque deixaram toda a iniciativa às organizações stalinistas (UP, PCB…).