“Quem mata mais: Covid- 19 ou a polícia?” A pergunta foi pintada nos muros do bairro Vila Clara, localizado na zona sul de São Paulo, que foi palco das recentes mobilizações da juventude negra contra a morte de Guilherme Silva Guedes, de 15 anos. O jovem foi sequestrado por policiais no dia 14/6, torturado e brutalmente assassinado com tiros na cabeça e nas mãos. O questionamento denuncia a brutalidade da Polícia Militar nas periferias brasileiras em meio à crise sanitária. A polícia que mais mata no mundo não deu trégua com o novo coronavírus (Covid-19) e ampliou o número de assassinatos no país.

Em meio à crise sanitária, o questionamento dos moradores denuncia a intensificação da brutalidade da Polícia Militar nas periferias brasileiras nos últimos dias. Além de não ter o direito a quarentena plena, os jovens e mães periféricas precisam lidar também com o luto de perder um amigo ou ente querido pela violência policial. A polícia que mais mata no mundo não deu trégua com o novo coronavírus (Covid-19) e ampliou o número de assassinatos no país.

Ato por justícia por Guilherme 21/06

Somente em março e abril desse ano, 290 pessoas morreram no Estado do Rio de Janeiro em operações policiais, embora parte da população estivesse confinada em casa por recomendação das autoridades e os crimes em geral tenham diminuído. Esse número de vítimas equivale a quase um terço dos mortos pela polícia estadunidense todo o ano de 2019. Em São Paulo, o número de “mortes decorrentes de intervenção policial” subiu 54,6% em abril. Foram 371 casos contabilizados, ou seja, um a cada seis horas.

Em 2019, foram registradas 5.804 pessoas mortas por policiais no Brasil. Segundo levantamento feito por Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o núcleo de Estudos da Violência da USP e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número registrado no ano passado representa uma alta de 1,5% com relação a 2018. Nos Estados Unidos, país que vem protagonizando rebeliões antirracistas, a polícia matou 1.099 pessoas em 2019 (Fonte: Mapping Police Violence). Ou seja, a polícia brasileira fez quase 6 vezes mais vítimas do que a estadunidense e os números já alertavam para o aumento da violência policial.

A morte de George Floyd se conecta diretamente com a realidade brasileira e reabre o debate sobre o racismo estrutural. Não era de se estranhar que a repercussão dos protestos nos EUA chegasse ao país com ar de familiaridade. Apesar da população negra do Brasil lutar diariamente contra a violência policial e o racismo, o assassinato do homem afro americano e os protestos que fizeram Donald Trump se esconder, acenderam a necessidade de ampliar a organização dos explorados e oprimidos contra a discriminação racial. 

Nos bairros nobres você pode xingar a PM, na favela você é morto

“Você é macho na periferia, isso aqui é Alphaville”, gritou um homem branco, rico e morador de um bairro nobre da cidade de São Paulo. Sabendo que num país racista e desigual, o endereço determina esculacho ou silêncio, o empresário que foi denunciado pela sua esposa por agressão física atendeu ao chamado da PM com xingamentos e ameaças. A imagem que repercutiu nas redes sociais escancara a formação racista da polícia brasileira.

Nos bairros nobres os policiais são xingados por pessoas brancas de classe meia-alta e deixam passar o que se pode chamar de “desacato à autoridade”. A ação de submissão do PM mostra que as forças policiais estão a serviço da elite brasileira. Na imagem, o homem branco parece possui mais autoridade do que os policiais. Não é mera coincidência ver o recuo dos homens de fardas em Alphaville, é uma realidade que faz parte do cotidiano da polícia.

Sem querer entrar em um debate sobre o motivo da violência policial, podemos trazer alguns pontos para ter em conta. O coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da PM na capital paulista e doutor em Ciências Políticas na USP, explicar a má “redistribuição” entre as regiões nobres e as periferias. Na qual, em um bairro nobre da zona sul tem um policial parar cada 280 habitantes, em contraposição, na periferia é um policial para cada 1600 pessoas.

Obviamente essa distribuição não é nada aleatória. A polícia existe para preservar a forma de vida burguesa e não a sociedade como um todo, a polícia é feita para reprimir e não para cuidar das pessoas, como a ideologia coloca. Ai é que se perde o coronel e acaba justificando a ação policial nas periferias, que atira antes de preguntar e executa jovens pela cor da sua pele e por sua condição social. Os números demostram a truculência e um genocídio da população negra e jovem das periferias. E um trato de submissão nos bairros nobres.

“Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra aos pobres acabe?” (Marielle Franco)

Faz muito tempo que o estado brasileiro declarou guerra contra os pobres. Uma guerra mascarada de “luta contra as drogas” e que acaba matando milhares de jovens negros das periferias todos os dias. O racismo estrutural está inserido em todas as instituições da república. Brasil hoje tem a terceira população carcerária do mundo. Fica atrás apenas da China e EUA. Uma fria realidade de mais de 700 mil presos que em sua grande maioria são jovens, negros e pobres.

A frase dita por Marielle Franco na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro fazia referências às mortes constantes por parte das forças de “segurança”. Um genocídio sistemático que hoje tem uma repercussão maior pela quantidade de casos que para nada são isolados como querem deixar entender os políticos e chefes da polícia.

Os mortos não podem virar números

Ágatha Félix, de 8 anos, Kauê Ribeiro dos Santos, de 12 anos, Kauan Rosário, de 11 anos, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, Guilherme Silva Guedes, de 15 anos, Micael Silva Santos, de 11 anos. São alguns dos casos noticiados de crianças mortas pela ação da polícia esse ano no Brasil. Alguns deles com tiros nas costas, outros com evidências de tortura e outros com vestimenta da escola. Mas todos mortos inocentemente nas mãos dos policiais sem saber o motivo de tanta violência e ódio.

Obviamente nenhum desses casos se deu em bairros nobres. As periferias das grandes capitais do país são lugares muito perigosos para a juventude e a polícia é a culpada. No é de agora nem desse governo, se bem que os números de mortes aumentaram em época de pandemia mesmo baixando os índices de criminalidade. Em governos anteriores também aconteceram os esquadrões da morte, organizações paramilitares para o extermínio, essas são as mesmas milícias que hoje são questionadas e que estão ligadas à família Bolsonaro. Mas hoje a violência contra os negros, pobres, mulheres e lgbts extrapola ainda mais.

Não são casos isolados, é sistemático

A frase que se escuta nas manifestações contra a violência não é mais que a realidade: “a polícia mata todo dia”. Ultimamente, o que está acontecendo é que as pessoas estão filmando a ação da polícia e o tema está sendo pautado pelos grandes meios de comunicação. Espancamentos, chutes, enforcamentos e tiros são coisas rotineiras nas periferias.

A desculpa é a mesma: são casos isolados e que policiais tem que ser afastados e com isso o problema se soluciona. Na prática, não passa mais do que uma advertência aos policiais criminosos. Hoje, com a repercussão dos casos, vários ex-policiais são presos e demitidos, o que apenas confirma a inoperância da polícia para atender à maioria. Mas, como já dissemos, a instituição como sistema de segurança não serve para a sociedade, mas sim para garantir a tremenda desigualdade social em que vivemos de forma violenta. Não é à toa que as pessoas se sentem mais seguras sem a presença da polícia do que perto delas, ao contrário do imaginário narrado pela retórica dominante. Por isso é preciso exigir:

Vidas negras importam!

Justiça para todos!

Basta de genocídio da população negra!

Fim da polícia militar já!

Essa tem que ser as bandeiras na luta contra o racismo!

1 COMENTÁRIO

  1. […] É inadmissível que, esses espaços ignorem que somente no ano de 2019, 10% do total de mortes violentas no Brasil foram de crianças. Que sejam elas vítimas fatais, tanto, da violência intrafamiliar quanto pelas mãos do estado, nas nefastas incursões da Polícia Militar e Exército no que chamam de guerra às drogas, que só atinge as periferias. […]