Manifesto internacional frente a greve mundial pelo clima: Socialismo ou Barbárie ecológico

PRESUPOSTOS GERAIS DE UM PROGRAMA ANTICAPITALISTA PARA O MEIO AMBIENTE

Tradução Renato Assad e Martin Camacho

“Não nos alegremos, no entanto, demasiadamente pelas nossas vitórias humanas sobre a natureza. Pois, por cada vitória destas a natureza se vinga de nós. Cada vitória, é verdade, ao princípio alcança os resultados esperados, porém em uma segunda ou terceira instância apresentam efeitos bastante diferentes, imprevistos, que com muita frequência anulam os primeiros (…) Assim, a cada passo, nos faz recordar que não governamos a natureza como um conquistador governa um povo estrangeiro, como alguém colocado fora da natureza, se não que nós, com carne, sangue e cérebro, pertencemos a natureza e existimos em seu meio, e que todo nosso domínio consiste no fato de que estamos em vantagem em relação a todas as demais criaturas porque podemos aprender suas leis e aplicá-las corretamente”. (Engels, A Dialética da Natureza)

Com a crise desencadeada um mês atrás ao redor dos incêndios na Amazônia (Brasil, Paraguai e Bolívia), a luta contra a destruição capitalista do meio ambiente cresceu de maneira contundente e internacional[2].

Em realidade, desde o final do ano passado acontecem uma série de iniciativas que, em geral, possuem como centro a juventude e os estudantes.

Entretanto, a queima de nossa floresta tropical latino-americana colocou um sinal de alerta vermelho internacional e disparou uma convocatória pela Greve Mundial pelo Clima que pode ter sido a ação internacional mais importante que se tenha memória em relação ao clima[3].

Para além da posição demagógica, de abordagem do tema na última reunião do G-7 e pelo presidente da França Emmanuel Macron, deixando da defensiva o genocida do meio ambiente Jair Bolsonaro, se deu um salto frente a um problema que vem substanciando-se faz anos, ao redor da inutilidade capitalista e imperialista em abordar o problema para além de declarações e intenções vazias (acordos climáticos como os de Paris e reuniões internacionais do estilo).

Se os governos de tipo “progressistas” ao menos dissimulavam as coisas com discursos de um impossível “capitalismo verde”, a chegada simultânea de vários governos genocidas ambientais como Trump, Bolsonaro, a situação insustentável na China de Xi Jin Ping (China é um dos países campeões em poluição ambiental), etecetera, somado à evidência empírica da mudança climática (calor e frio extremos, secas e chuvas extremas, etc.) e as amplas notícias negativas sobre a degeneração do meio ambiente, multiplicaram a sensibilização mundial e o questionamento de como o capitalismo está afetando a natureza [4]. 

Neste marco que estamos chamaram a Greve Mundial pelo Clima, fenômeno histórico, tanto pela tomada de consciência do salto destrutivo do capitalismo, assim como na estruturação de um programa que aborde esta questão desde um ponto de vista anticapitalista.

Dada esta circunstancia, o texto que apresentamos pretende ser um primeiro “ guia de trabalho” e/ou “programa de estudo” para uma abordagem mais sistemática da questão por parte de nossa corrente internacional, assim como um aporte ao movimento ecologista mundial que está se colocando de pé neste momento.

  1. Marx e Engels

O primeiro é partir do giro qualitativo que se está operando na lógica destrutiva do sistema capitalista em relação a natureza. Como sinalizou Marx com o Manuscritos econômicos e filosóficos (1844), e posteriormente Marx junto com Engels em Ideologia Alemã (1846, texto sem ser publicado naquele momento) e em textos seguintes como Grundrisse (1857/8) e O Capital (primeira publicação em 1867), a primeira relação humana, a mais básica e material, é a sua relação de reprodução metabólica com a natureza, sua constante interação com a mesma.

Sem esta relação, que imediatamente supões a relação entre os humanos mesmos para a produção, não pode haver existência humana material, reprodução biológica do homem mesmo, base de todo o restante.

Desde este ponto de vista, Marx, acompanhado por Engels, sinalizava desde muito cedo que a natureza é o “corpo inorgânico do homem”: seu laboratorium natural (seu âmbito de produção e reprodução material).

Assim as coisas, partindo de uma fina compreensão destas relações humano/naturais, Marx e Engels foram avançando em suas sensibilidades a respeito de que se trata de uma relação metabólica (é dizer, mutuamente necessária e interatuante) que exige a justa reprodução de ambas instâncias, superando assim uma apreciação da natureza puramente instrumental: como se fosse um “barril sem fundo” que se pudesse explorar a gosto e a piaccere [5].

Muito cedo (ver o Manuscritos econômicos e filosóficos, um texto sobressalente), Marx militou por uma natureza humanizada e uma humanidade naturalizada, assim como denunciou que o capitalismo progredia socavando, simultaneamente, as duas fontes da riqueza: o trabalho humano e a natureza mesma.

Por natureza humanizada Marx se referia ao fato de que a humanidade deveria tomar consciência de sua posição sobre a natureza e que seu direcionamento a respeito tanto poderia humaniza-la (é dizer, trata-la segundo relações justas e harmônicas), como desumaniza-la, é dizer, ter um comportamento destrutivo sobre a mesma.

E por humanidade naturalizada estava suposta a ideia de que a humanidade não é uma abstração; que os seres humanos são tantos seres sociais como naturais, culturais e biológicos, e que pensar o homem e as mulheres fora da natureza, é pensa-los em uma abstração idealista; não existem seres humanos por fora desta relação metabólica com o meio ambiente natural (Marx, Engels, Foster).

Se Marx, desde já, não podia ter consciência completa de até que ponto chegaria os impactos na natureza por parte do capitalismo, deixou junto com Engels poderosas intuições ao redor da necessidade de relações não espoliadoras; sólidos fundamentos materialistas/ecológicos a partir dos quais pode-se arrancar uma resposta programática [6].

  • Antropoceno e/ou Capitaloceno

Dito o anterior, se impõe uma caracterização de que ponto estamos de esta relação metabólica inicial que Marx apreciava já fraturada como subproduto do desenvolvimento capitalista (o conceito surge de seu estudo sobre a química dos solos).

A análise atual do tema há instalado a discussão sobre se foi iniciada já uma nova era geológica que coloca um ponto final ao Holoceno (últimos 10.000 anos), a era geológica em que nos encontrávamos até a atualidade.

Parece evidente, ao menos empiricamente, que em algum ponto de sua atuação a “humanidade capitalista” começou uma revisão sumamente destrutiva sobre o clima e a natureza de conjunto.

Se Marx já sinalizava que toda a natureza circundante da Terra era impossível não a conceber como uma “natureza humanizada”, é dizer, e como já sinalizamos, modificada de alguma maneira pela ação humana, é evidente que esta reversão da ação humana, neste caso destrutiva, tomou um salto de proporções a partir da Revolução Industrial (fim do século XVIII) [7].

Não nos interessa introduzir aqui previsões de datas. Porém o que nos parece mais plausível, dado a multiplicação do desenvolvimento industrial (um desenvolvimento industrial “produtivista”, é dizer, sem cuidar das relações metabólicas com o meio ambiente tanto nos países capitalistas como nos não capitalistas do século passado [8]), é que a partir do boom do pós-guerra pode ser o momento que a ação humana globalmente capitalista – cuja o conceito poderia ser o de “capitaloceno” – começou a ser mais efetivamente destrutiva.

Os alarmes a respeito do tema estão soando cada vez mais fortes. Não podemos fazer aqui um diagnostico detalhado, porém especialista no conteúdo estão colocando alertas cada vez mais graves e recorrentes. Por exemplo, a respeito da destruição da Amazônia (poderia estar alcançando o ponto crítico de 20% de desmatamento, a partir do qual acaba-se o mecanismo de reprodução natural); o derretimento dos polos Ártico e Antártico com o conseguinte aumento do nível dos oceanos, aumento da temperatura média e a liberação de gases pré-históricos de efeito estufa; as próprias emissões de dióxido de carbono subproduto da utilização desmedida de combustíveis fósseis, também alcançando pontos críticos; o aumento de descarte plástico nos oceanos e rios; o incremento na destruição de espécies animais e não animais; o mal uso da energia atômica; o problema dos agrotóxicos no cultivo da terra e um imenso etecetera que remete a lógica de um sistema baseado no lucro que não se preocupa com nada para além.

Uma lógica que, repetimos, o “produtivismo burocrático” reproduziu quase a mesma lógica (vide o esgotamento do Mar de Aral [9] ou a tragédia de Chernobyl [10], apenas alguns exemplos). Bellamy Foster mostra que: “Angus demonstra que se o capitalismo fóssil não for detido, é um trem fora de controle que leva ao apartheid do meio ambiente e ao que o grande historiador marxista britânico E.P Thompson chamava de a ameaçada etapa histórica do extremismo, em que as condições de existência de centenas de milhares de pessoas ou milhões de pessoas, mudaria drasticamente e estariam em perigo as bases da vida tal como as conhecemos” (Foster, La crisis del Antropoceno).

E não é casual que nestas condições esteja crescendo a consciência de franjas crescentes da humanidade em geral, e a juventude em particular, a respeito da destruição ecológica que está produzindo o sistema (para além que, evidentemente, o crescente movimento ecológico que está se formando esteja cruzado por todo tipo de correntes políticas e ideológicas).

Chamamos centenials, menores de 20 anos, que começaram a se mobilizarem com uma percepção muito clara: qual é o mundo que vamos a deixar para as atuais gerações dominadas pelo sistema capitalista.

Livrado de seus próprios mecanismos, a busca infinita pelo lucro, o capitalismo não tem limite algum. Aqui, talvez, a palavra capitaloceno seja mais instrutiva para graficar o problema da revisão destrutiva da ação humana capitalista sobre a terra e o clima [11]; reversão que ao final da segunda década do século XXI parece estar chegando a um ponto crítico sem retorno [12].

Em todo caso, antropoceno ou capitaloceno são conceitos, como havíamos dito, intercambiáveis, que representam o ponto critico ao qual chegou a humanidade – hoje homogeneamente capitalista – mediante sua lógica intima baseada no lucro; sistema que para além das palavras bonitas dos grandes “estadistas” nas “cúpulas climáticas”, não apresentam maneira real de escapar da lógica de espoliação crescente da natureza.

A alternativa é o socialismo ou uma barbárie ecológica capitalista crescente, o que não exclui se não supõe, a estruturação de um programa de medida transitórias para ir afrontando o problema desde uma perspectiva anticapitalista [13].

  • Critérios gerais para um programa socialista ecológico.

Como construir um programa marxista e revolucionário, socialista, para as relações da humanidade com a natureza? A palavra ecologia nos remete a este problema: a forma em que se da o vinculo entre sociedade humana e natureza.

O movimento da luta em defesa do meio ambiente e seu crescimento nos impões uma resposta desde o marxismo revolucionário, ecologista e socialista. Como fazemos, por exemplo, no movimento de mulheres com nosso programa feminista socialista, devemos ter uma base estratégica ecologista socialista para colocar ao movimento ecologista, base que acreditamos que tem fundamentos sólidos nos nossos clássicos, Marx e Engels.

Como digressão sinalizamos que estamos ao lado de investigadores e pesquisadores marxistas como John Bellamy Foster. Este demonstra com muita consistência que as instituições ecologistas de nossos clássicos são um ponto de apoio fundamental para desenvolver nossa elaboração.

Discordamos assim com autores como Michel Husson, Michael Lowy ou Daniel Tanuro que criticam supostos critérios “prometeicos” e/ou “produtivistas” em Marx e Engels, recaindo as vezes em posições românticas e/ou pós-modernas.

Tanuro critica Trotsky por “excessos produtivistas” (o acusa de ter uma visão “machista” a respeito da natureza!) pelas referências a artigos encontrados em Literatura e Revolução, uma acusação que para além de alguma unilateridade, nos parece pouco convincente atendendo às preocupações do mesmo Trotsky pelas justas proporções entre setores econômicos em matéria da planificação (El fracaso del plan quinquenal, 1932) [14].

Voltando ao nosso argumento, nossa abordagem programática supõe uma briga no terreno do movimento ecológico, tanto contra as correntes burguesas, como puramente românticas e apresenta dois parâmetros gerais.

O primeiro remete a incapacidade congênita do capitalismo de resolver o problema. Além do que já colocamos sobre a insaciável sede pelo lucro, somado a completa falta de planificação econômica internacional; se o capitalismo tem planificação no seno das empresas e uma “política macroeconômica” nacional e inclusive internacional, seu caráter irredutivelmente competitivo, a sobrevivência dos Estados nacionais, faz com que seja quase impossível a estruturação de iniciativas de caráter verdadeiramente universal, internacional.

Assim como o sistema capitalista tem uma lógica de reprodução da força de trabalho assalariada em sua dinâmica básica, diferente é a escravidão, que significava utilizar o trabalhador escravo até o destruir, sem garantir sua mínima reprodução, apelando, simplesmente, a seu esgotamento final, em relação a natureza da lógica capitalista – e também a dos Estados burocráticos do século passado [15] – é escravizadora [16].

Se em relação a força de trabalho assalariada se mantem, a priori, um piso mínimo de reprodução do trabalho humano, em relação a natureza o capitalismo tem uma lógica, insistimos, de escravidão: não permite sua reprodução; a usa até deixa-la exausta. A expolia; “escraviza” a natureza. Ao contrário, os marxistas estamos por uma saudável “exploração” da natureza para desenvolver as forças produtivas; forças que supõe tanto um determinado desenvolvimento material, “cientifico”, como a “camisa de força” das relações sociais pelas quais se desenvolvem.

O conceito de técnica supõe ambos ângulos de entrada: nem as forças produtivas são algo meramente ‘técnico”, científico, não social, nem tampouco e por oposição, algo dependente meramente do regime social pelo qual se desenvolvem; algo que não possa transcender o sistema pelo qual surgiram [17].

De qualquer modo, baixo um regime de planificação socialista, se produzirá, em muitos casos, outras coisas e de outra maneira.

Assim, nos opomos a uma ideia romântica que enxerga a natureza como um “ídolo” que não se pode tocar (tipo as vacas sagradas na Índia) ou que pretenda o retrocesso a formas anteriores de produção já superadas (e que não podem sustentar uma civilização próxima a alcançar os 10 bilhões de almas) [18].

Porém, também nos opomos a ideia capitalista, produtivista, expoliadora, de que o lucro está por a cima de tudo e todos: “vivo hoje e não me importa o amanhã”. Nosso critério é oposto: cuidar um saudável metabolismo com a natureza; cuidar sua saudável reprodução: uma “exploração” da natureza que defenda uma saudável reprodução de seu metabolismo natural.

O segundo parâmetro é saber diferenciar nossa abordagem da perspectiva “idealista”. Nossa perspectiva não pode deixar de ser, em certo ponto, “antropocêntrica”. Não no sentido de um maltrato da natureza e sua justa relação metabólica, não de menospreza-la um “antropocentrismo religioso” que coloque ao planeta e ao homem abstrato no centro (junto com deus!), estabelecendo fronteiras rígidas com o mundo animal não humano e o resto da natureza, posições criticadas muito cedo por Marx e Engels seguindo as intuições de Hermann Samuel Raimarus (estudioso do mundo animal no começo do século XIX, Foster).

Porém, por outra parte, criticamos a “igualdade abstrata” entre a humanidade e a natureza no sentido de perder de vista que o sujeito para desenvolver tudo isso, estas justas ralações metabólicas, é a humanidade, o homem e a mulher.

Não podemos cair em um relato naturalista reacionário que perca de vista que é a humanidade o centro de referência do marxismo para abordar todos os problemas, incluso os da natureza [19].

Uma humanidade que se faz verdadeiramente sujeito não alienado estabelecendo relações justas entre si, sociais, e com a natureza; uma natureza humanizada e não desumanizadora pela babárie capitalista (ou a burocrática).

E isto nos leva a que a única maneira de por fim a depredação sobre a natureza, é com a ação consciente humana: com a classe trabalhadora na frente do conjunto das reivindicações dos explorados e oprimidos.

Insistimos: não podemos cair em uma história intimamente “naturalista”. Para o marxismo, a humanidade e os próprios trabalhadores são o ponto de referência para enfrentar todos os problemas, o que não significa conceber a humanidade como portadora do que não se sabe qual “superioridade”, que é algo muito diferente.

Isso é importante porque existem correntes que, ao equiparar animais humanos a não-humanos (e toda a natureza inorgânica), terminam em posições reacionárias e abstratas, que perdem de vista a centralidade humana; perdem de vista a necessidade de não voltar às formas românticas de produção que minam a base material necessária das forças produtivas para emancipar à humanidade do terreno da necessidade; À guerra de todos contra todos.

E isso, embora, simultaneamente, recuperemos algumas dessas relações cooperativas mais justas entre os trabalhadores e com a natureza dos estágios socioeconômicos anteriores, sem classes sociais, sem Estado nem exploração do homem pelo homem, como o “comunismo primitivo”, mas mais uma base superior: o desenvolvimento das forças produtivas conquistadas até hoje pela humanidade (um desenvolvimento que, é claro, não destrua o ambiente natural).

Parte disso é que existem correntes que definem o marxismo como “especista”, no sentido de que não defenderia os interesses do mundo animal não humano.

Nós não compartilhamos dessa posição. Uma coisa é que os animais não humanos precisem de tratamento humanitário como os próprios humanos, com o qual concordamos completamente, e outra coisa é perder de vista o fato de que existem inter-relações metabólicas nas relações humano-não-humano; que hoje é impossível conceber a alimentação humana geral – além das opções individuais, que respeitamos – de milhões de trabalhadores que estão em situação de pobreza, sem levar em conta uma certa relação metabólica com o consumo de animais, que, insistimos, não precisa necessariamente ser desumano, nem forçar uma situação de sofrimento animal (além do que é minimamente necessário): “Marx, seguindo Epicuro, reconheceu a solidariedade entre sofrimento animal e sofrimento humano. Ele até enfatizou, em oposição a Plutarco, a ‘base corporal dos seres humanos, ligando-a aos outros animais (…), mas sublinhando o potencial da humanidade de se elevar por uma razão prática, isto é, uma existência material autoconsciente”. (Foster, Marx and Alienated Speciesism).

Nosso desenvolvimento nos leva a um último ponto: o retorno do debate sobre o planejamento econômico socialista como uma alternativa à anarquia capitalista e o enfraquecimento do planeta por esse sistema capitalista. Sistema capitalista cuja insaciável sede de lucro só pode sugar o planeta cada vez mais.

A resposta à destruição do meio ambiente, como dissemos, não pode significar um retrocesso das forças produtivas [20]. A única resposta historicamente progressista é que, com o desenvolvimento de forças produtivas e a transformação das relações sociais que acabando com a exploração do homem pelo homem, se imponha um plano econômico socialista e racional.

Um plano economicamente que possa atender às necessidades humanas e conter a destruição capitalista do meio ambiente; isto é, tendem a estabelecer relações metabólicas justas com a natureza. O que, na transição socialista, só pode resultar de uma correlação justa entre planejamento econômico, mercado e democracia socialista [21].

4. Elementos de um programa de transição.

Finalmente, vamos apontar brevemente alguns pontos muito gerais de um programa de transição para conter a degradação ambiental.

Para quem tem expectativas nas “cúpulas climáticas” e os objetivos estabelecidos (como se os governos imperialistas e / ou capitalistas vieram as soluções), isso nada mais é do que um conto de fadas: “A idéia é a seguinte: a fita a partir de 1,5 ° C, será franqueado em 2030-2040 – crescimento para o benefício obrigatório! -, mas ‘tecnologias de emissão negativa’ e engenharia permitirão que o clima esfrie na segunda metade do século. Durma em paz, gente boa, tudo está sob controle … implícito no acordo de Paris, esse cenário já está completamente explícito nas publicações científicas que servem de base para os negociadores climáticos. ” (Tanuro, durante a catástrofe, a comédia continua.)

A saída, de fato, passa por outro lado: com a criação de um forte movimento mundial em defesa do meio ambiente. Um movimento que tenha a prioridade de esclarecer o programa em um sentido anticapitalista, de unidade de todas as reivindicações com uma saída operária e socialista; um programa ecologista socialista que não acredite nos “cantos das sereias” do New Deal Verde da ala esquerda do Partido Democrata e dos programas reformistas que pensam, ingenuamente, de que o desastre climático poderia ser interrompido pelas multinacionais.

Portanto, a primeira tarefa é promover a mobilização de baixo diante de todos os desastres que estamos sofrendo. Hoje, antes de tudo, contra os governos climáticos genocidas de Trump, Bolsonaro e outros governos capitalistas em geral e em defesa da floresta amazônica, a biodiversidade, limitação drástica de gases de efeito estufa, conversão industrial sem perda de empregos trabalho das indústrias mais poluentes, a crescente limitação no uso de substâncias agrotóxicas, etc.

Um programa que, em resumo, reúne e não se oponha aos interesses dos trabalhadores e à defesa do meio ambiente (e que deve ser formulado na experiência concreta do movimento).

Insistimos que um critério fundamental não é opor os interesses dos trabalhadores aos cuidados com o meio ambiente, uma oposição muito comum entre as forças burguesas e a burocracia sindical, que enfrentam preocupações com o meio ambiente a argumentos demagógicos e produtivistas.

Desde logo, tampouco se pode cair em um programa burguês e / ou pequeno-burguês, que sacrifica a classe trabalhadora e seus empregos e o desenvolvimento necessário das forças produtivas, no altar de uma preocupação hipócrita pela natureza pela parte de um “capitalismo ecológico” ou um critério romântico, “naturalista reacionário”, que evita a classe trabalhadora como sujeito central da transformação social.

Com base nesses parâmetros gerais, “desenhamos” aqui alguns pontos muito iniciais a serem desenvolvidos tanto na experiência militante quanto na pesquisa teórica e programática:

1. Redução drástica na emissão de gases de efeito estufa, convertendo as indústrias de energia sob controle dos trabalhadores e comissões de consumidores que afetam os lucros das empresas e cuidando dos empregos.

2. Defesa de espécies animais, controlando toda atividade predatória do reino animal e outras indústrias de pilhagem.

3. Acabar com o corte indiscriminado da Amazônia e outras florestas nativas. Desapropriação sob controle dos trabalhadores das grandes propriedades e / ou reforma agrária, onde existem populações camponesas sem terra para colocar essas terras em funcionamento sob critérios de desenvolvimento sustentável e socialização das forças produtivas e cuidado ambiental.

4. Proibição de glifosato, eliminação progressiva de agrotóxicos e investimento em pesquisa de métodos alternativos, como agricultura sustentável, entre outros.

5. Estabeleça o uso alternativo de recipientes menos poluentes que os plásticos, sejam de vidro ou outros, sem aumentar o preço dos produtos, sendo a despesa absorvida pelos lucros capitalistas.

6. Avanço da monocultura da soja para a diversidade de agro produtores e auto suprimento de alimentos. Monopólio estatal do comércio exterior e cobrança de retenções para grandes multinacionais para exportação agrícola.

7. Estatização sob controle e conversão de trabalhadores, com base em certos padrões da indústria automotiva, por meio de um programa de transição sem destruição de empregos, que promove a expansão do transporte público em todos os níveis.

8. Colocar urgentemente sob rigoroso controle dos trabalhadores a produção de energia atômica, avaliando em cada caso quais são as opções mais racionais para a conversão de energia.

9. Incentivar a transição do uso de energia fóssil para energia não poluente do meio ambiente através de um programa de transição energética às custas de grandes multinacionais do setor.

O exposto acima são apenas alguns pontos gerais de um programa de transição e anticapitalista, que só pode ser totalmente desenvolvido em uma perspectiva socialista revolucionária do poder dos trabalhadores e do planejamento socialista da economia.

Bibliografia

Francois Chesnais, Capitalismo y cambio climático, Revista Herramienta.

Federico Engels, Dialéctica de la naturaleza, Editorial Cartago México, México D.F., 1983.

Bernardo Estevez, A guerra contra o termómetro, Revista Piauí, Brasil, septiembre 2019.

John Bellamy Foster, A ecología de Marx. Materialismo y naturaleza, Civilizacao Brasileira, Rio de Janeiro, 2005.

Marx and Alienated Speciesism, monthlyreview.org, 12/01/18.

La crisis del Antropoceno, Monthly Review.

Michel Husson, ¿Inventó Marx el eco-socialismo?, Viento Sur 156, febrero 2018.

De la economía del socialismo a la planificación ecológica, Viento Sur, 17/07/19.

Daniel Tanuro, La pesada herencia de León Trotsky, Viento Sur, 21/07/18.

Durante la catástrofe, continúa la comedia, Viento Sur, 18/12/18.

Roberto Sáenz, Dialéctica de la transición. Plan, mercado y democracia obrera, izquierdaweb.

Marx, Trotsky y Mandel. Fuerzas productivas y época de decadencia capitalista, izquierdaweb.com, 20/08/19.

[1]. O conceito de ecologia se refere, precisamente, às relações entre a humanidade e a natureza circundante.

[2]. A mídia brasileira informou que o desmatamento na Amazônia cresceu 34% em maio, 88% em junho e 278% em julho em comparação com o ano anterior. Mesmo em segredo aberto, os proprietários de terras da região marcaram um “dia do fogo” início de agosto passado, tudo sob a impunidade concedida pelo extremo discurso antiecológico de Bolsonaro.

[3]. Existem antecedentes variados de movimentos sociais em defesa do meio ambiente e contra a destruição do planeta, como os movimentos das décadas de 70 e 80 contra o armamento e as usinas nucleares nos países centrais.

[4]. Atenção que a limpeza da Amazônia leva décadas. Afeta não apenas o Brasil, mas também a Bolívia e o Paraguai. E, sob o governo de Lula e do PT, ele registrou registros históricos em certos anos: em 2004, o desmatamento da Amazônia brasileira atingiu 28.000 quilômetros quadrados, superado apenas pelos 29.000 quilômetros quadrados sob Itamar Franco em 1995! (Fonte: Bernardo Estévez, Revista Piauí).

[5]. Para o conceito de relação metabólica e vários aspectos deste texto, consulte o texto muito valioso de John Bellamy Foster La ecologia de Marx. Materialismo e natureza, texto que pensamos ter um tratamento sério e equilibrado das questões teóricas envolvidas na abordagem da natureza pelos nossos clássicos.

[6]. Estudando o químico do solo alemão Justus von Liebig, Marx deu uma base material à sua crescente consciência ecológica, bem como fundamentos científicos à sua teoria da renda da terra; ao problema da melhoria e / ou tratamento da fertilidade dos solos, bem como à maneira de conseguir que os fertilizantes químicos – que foram transportados juntamente com as matérias-primas a milhares de quilômetros de sua origem pelo estabelecimento do mercado mundial – Eles poderiam ser reintegrados à terra.

[7]. Atenção: isso não significa condenar a Revolução Industrial como tal, a base para o desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, mas seu espartilho capitalista, algo muito diferente. Ou seja: não pensamos que exista uma solução romântica para os problemas da humanidade; sua emancipação da terra da necessidade continua a exigir o desenvolvimento de forças produtivas. Outra coisa é que é possível desenvolvê-los, ao não estar sendo fundamentado no lucro do capitalismo, permita uma justa relação metabólica entre humanidade e natureza através de uma economia socialista planejada.

[8]. Quando nos referimos ao conceito de “produtivismo”, não significa cair em uma posição romântica contra a produção industrial e material como tal, mas sim uma produção que não presta atenção às justas relações metabólicas com a natureza de forma de pilhagem que a considere como infinitamente explorável, o que é algo muito diferente.

[9.] Localizado na Ásia Central, antiga URSS, já foi o quarto maior lago do mundo – uma área do tamanho da Irlanda – hoje sendo praticamente transformado em um deserto com apenas 10% de sua água inicial e que abasteceu a região de um sexta parte do peixe consumido no país (El País, 14 de março de 2019). Devido à recondução mecânica dos rios que o alimentavam para fins de irrigação de arrozais e outros cultivos. Mais um subproduto da irracionalidade do planejamento burocrático – depois continuada com a restauração capitalista – e que produziu um dos maiores desastres ecológicos do século passado.

[10]. Por oposição, não esquecemos, é claro, de desastres como Fukuyima no Japão, entre outros problemas de falha de previsão capitalista e / ou burocrático com respeito a energia nuclear

[11]. Antropoceno ou capitaloceno, na realidade, são conceitos que nos parecem intercambiáveis. O antropoceno se refere à ideia de que a humanidade tem efeitos na natureza. E, além disso, é evidente que é a atual humanidade capitalista. Isso, além de qualquer sistema social, desde o atual desenvolvimento das forças produtivas, precisa cuidar das relações com o ecossistema.

Por outro lado, o conceito de capitaloceno se refere mais claramente ao impacto do sistema capitalista no meio ambiente. Mas não devemos esquecer que o planejamento burocrático dos antigos estados não capitalistas que também tratavam o meio ambiente como um “trapo”: algo para usar e jogar fora.

[12]. Atenção que isso não significa que concordemos com as posições dos “colapsologistas”, que basicamente afirmam que nada pode mais ser feito; uma posição catastrofista e derrotista inaceitável.

[13]. Ver, a este respeito, o crescimento de gases de efeito estufa que parece imparável com os principais países que o geram jogando a bola um no outro, sem prejudicar o crescimento da extração de combustíveis fósseis e o aumento descontrolado da produção automotiva global. Indústria automotiva que deve ser convertida sem destruição de empregos. Algo complexo porque, além disso, é um dos ramos industriais mais importantes, com a maior proporção de proletariado industrial. Portanto, não há respostas fáceis para a questão, nem os interesses da classe trabalhadora como tais podem ser perdidos de vista.

[14]. Deve-se apreciar que Nicolai Bukharin, chefe da asa direita partidária, expressaria preocupações semelhantes à sua maneira: “Seria absurdo dizer que o ser humano é o mestre da criação e que tudo nele é para atender às suas necessidades (… ) O homem nunca pode escapar da natureza e, mesmo quando a controla, ele está apenas fazendo uso das leis da natureza para seus próprios propósitos. É, portanto, compreensível a importância que a natureza tem no desenvolvimento total da sociedade humana”. (A teoria do materialismo histórico, citada por Husson em “¿Inventó Marx el ecosocialismo?”)

[15]. Este não foi o caso do poder bolchevique, do governo de Lenin e Trotsky, sob o qual houve um importante desenvolvimento do atual ” ecologista socialista ” (com representantes notáveis ​​como Oparin e Verdansky, entre outros).

[16]. “(…) é uma máxima dessa economia escrava que a economia mais eficaz seja arrancar desse gado humano o máximo desempenho possível no menor tempo possível […], além dos alimentos mais grosseiros da classe escrava e a humilhação mais exaustiva e constante, vemos destruindo todos os anos diretamente uma grande parte [dela] pela tortura lenta do excesso de trabalho excessivo e falta de sono e descanso ”. (Marx citado por Françoise Chesnais, ” Capitalismo y cambio climático “)

[17]. É nisso que Tanuro parece acreditar, que transmite unilateralmente um conceito de técnica puramente tendenciosa do ponto de vista da classe.

[18]. Por romantismo, entendemos tanto a exaltação do trabalho em pequena escala quanto a renúncia a certas técnicas produtivas que não são as mesmas se estiverem nas mãos de uma sociedade de produtores associados, se estiverem nas mãos do capitalismo. A escala alcançada pela humanidade impõe limites muito estreitos a essas visões, se elas desejam atender as crescentes necessidades humanas. Embora, é claro, seja possível satisfazê-los de outra maneira: uma maneira que abandona a pilhagem da natureza e não requer necessariamente a destruição de empregos e / ou a retração das forças produtivas.

[19]. Husson acusa Marx e Engels, em nossa visão errada, de uma concepção “promissora” (de fato, ele diz que em Marx uma posição promissora, outra produtivista e, finalmente, metabólica) coexistem: “Esta simbioses não é desprovido de uma vontade prometeica afirmar uma forma de domínio humano exercido sobre a natureza ”(“ Inventou Marx o eco-socialismo? ”), o que nos remete ao que temos apontado: uma coisa é defender justos relacionamentos metabólica entre humanidade e natureza, sabendo que só podemos “dominá-la” com base em suas próprias leis, e outra é colocar a natureza e a humanidade em pé de igualdade, perdendo de vista qualquer prioridade, expulsando a humanidade de suas local do sujeito potencial de auto-emancipação.

[20]. Tanuro crítica a próxima citação de Trotsky: “(…) a máquina estrangula o escravo assalariado. Mas o escravo salarial só pode ser liberado pela máquina. Aí reside a raiz de toda a questão. Aqui está, pelo contrário, a raiz do erro! “ Ele afirma (A pesada herança de Leon Trotsky). Pode ser que, em seus textos, Trotsky tenha exageros controversos, dependendo do contexto; nós não negamos. Mas a afirmação de Tanuro é de completo romantismo. Não apenas Trotsky, mas Marx e Engels, sempre viram no desenvolvimento das forças produtivas, neste caso no sistema de máquinas e até em um sistema de máquinas automatizado (Grundrisse), a condição material para a emancipação da exploração do trabalho. [21]. Veja La dialéctica de la transición. Plano, mercado e democracia dos trabalhadores do mesmo autor desta nota. Acrescentemos de passagem que o estabelecimento dessas justas relações metabólicas entre sociedade e natureza só pode ser um processo progressivo a ser desenvolvido durante a transição socialista e não algo a ser conquistado da noite para o dia.