As prévias poderiam ser importante instrumento para aprofundar a discussão programática, de táticas e estratégias para avançar na construção de um partido independente dos patrões e da burocracia, do Fora Bolsonaro e Mourão e da luta pelo socialismo

GABRIEL MENDES

Insistimos em publicar textos que apontam para a necessidade de discutir amplamente os rumos da esquerda socialista, com atenção voltada ao PSOL, partido que construímos, intervimos e defendemos. E que deve se formar como um instrumento político das e dos trabalhadores, organizado pela base, através dos seus núcleos, diretórios e setoriais, e voltado para a luta de classes através de ações parlamentares, sindicais, movimento social; lutas diretas – principalmente – e indiretas.

As movimentações da corrente majoritária, acompanhadas por outros setores que a apoiam, coloca no horizonte uma perspectiva de “refundação do partido” para suprimir dele qualquer perspectiva revolucionária, internacionalista e democrática. Uma caracterização que não é de hoje que fazemos e que vem sendo reforçada durante as articulações para as eleições municipais de 2020, essas que irão ocorrer sob o marco de quase dois anos completos do governo ultraliberal e genocida – sob a liderança do neofascista Bolsonaro – que se mantém de pé, mesmo já tendo sido escancarados muitos dos mecanismos fraudulentos que possibilitaram sua ascensão ao poder. 

Escrevemos nesse mesmo portal de notícias uma série de notas sobre essas movimentações operadas por uma figuras do PSOL e de outros partidos que buscam insistentemente formar uma “Frente Ampla” em 2020 que amplie o leque de alianças e atue nas eleições municipais como um projeto prévio para derrotar Bolsonaro somente nas eleições de 2022.[1]

Desde que começamos a polemizar com as análises de outras organizações e militantes, ou conforme a imprensa burguesa noticiava as ações das principais figuras públicas, era evidenciada uma linha de atuação que leva inevitavelmente à perda de estratégia de construir o PSOL de forma independente do lulopetismo e de outras composições social-democratas/reformistas, partindo de avaliações errôneas sobre o governo, sobre a conjuntura, sobre a composição sociopolítica de partidos como PT, PCdoB e outros do chamado “campo progressista”.

O bloco majoritário do PSOL – formado por um conjunto de organizações com diferentes origens e concepções políticas – abandonou sistematicamente a necessária diferenciação entre frentes de luta defensivas e unidade pela ação nas lutas com (o que é totalmente diferente) a de alianças político-eleitorais – uma coisa é a unidade de ação para lutar de forma direta contra um inimigo mais forte, que se faz com deus e o diabo -, outra totalmente distinta é construir um chapa eleitoral com setores que traem sistematicamente a luta e que abandonaram há anos a luta por uma perspectiva de independência de classe das e dos trabalhadores, como é o caso dos partidos que estão sendo chamados para compor com o PSOL as eleições municipais de 2020.

Conforme se aproxima do pleito, uma série de investidas pela concretização da linha refundacional acontecem, algumas nem sempre bem sucedidas, como por exemplo a ação um tanto surpreendente de Marcelo Freixo que já havia disputado duas eleições municipais e era quase nome certo para uma terceira campanha[2]. Ao retirar sua candidatura, o gesto (aparentemente carregado de simbolismos) na prática colocou em xeque a formação da Frente Ampla no Rio de Janeiro, porque, apesar do mesmo arco de alianças ser defendido pela pré-candidatura de Renata Souza, que ocupou o espaço deixado por Freixo (apoiada pelo próprio), é menos provável que partidos da ordem como PT, PCdoB e PDT, no primeiro turno das eleições, abram mão dos próprios interesses com uma candidatura que a princípio se mostra com menores chances eleitorais, afinal não foi à toa que esses partidos estiveram por anos grudados em campanhas e secretarias dos governos de Eduardo Paes, Sergio Cabral e partidos como o PMDB.

No entanto, excluindo essa tentativa atrapalhada, em uma série de capitais e grandes cidades a linha burocrática da maioria da direção segue colocando problemas para aqueles e aquelas que procuram construir o PSOL enquanto alternativa socialista, pela base e para a luta direta.

Um escândalo acontece no Recife, onde o partido conta com a pré-candidatura do companheiro Paulo Rubem (professor, ex-dirigente sindical, ex-vereador e deputado) e, após uma sucessão de ações[3] operadas pela tendência Primavera Socialista (que atuou pela retirada da outra pré-candidatura inscrita no município), decidiu – por cima, sem reconhecer o direito dos filiados de decidir em previas livres e democráticas – num diretório com 7 membros, por 4 votos a 3 , a retirada da candidatura própria do PSOL em detrimento de uma coligação de “Frente Ampla”, abdicando da candidatura própria para apoiar a candidatura do PT – que ocupa hoje o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto.

Garantir a democracia partidária

A pressão pela realização de prévias no PSOL para cargos majoritários não é nova. Ao longo do 6º congresso do partido, em 2017, foram lançadas pré-candidaturas para a campanha presidencial de 2018 e também era debatida a tática eleitoral do partido, nesse sentido a exigência por prévias para escolha da candidatura a presidente esteve presente nas campanhas organizadas por setores da esquerda do partido.

Nessa ocasião, o PSOL postergou a definição sobre a candidatura para presidência em 2018, a razão era a definição condicionada de Guilherme Boulos em aceitar ou não o convite para ser pré-candidato, decisão que dependia da discussão tática no interior do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e dos desdobramentos entorno da impossibilidade da candidatura de Lula colocada por uma farsa jurídica-midiática orquestrada pela burguesia, o que culminou na prisão daquele que era então uma força eleitoral expressiva e capaz de fazer frente a Bolsonaro e que configurou um elemento crucial da fraude eleitoral que levou Bolsonaro à presidência.

A luta por prévias que colocasse na ordem do dia o voto direto do conjunto dos e das filiadas esteve, nesse contexto, aliada à luta por independência política do PSOL em relação ao lulopetismo e pela afirmação de um programa próprio e anticapitalista, postulado então pelas pré-candidaturas lançadas durante o 6º Congresso.

Certamente há uma relação direta entre a restrição da democracia partidária imposta pela direção majoritária do partido e as políticas eleitorais oportunistas que não apostam na construção de linhas e de um partido independente da burocracia. Há um crescente sentimento na base do PSOL e na vanguarda em geral de que é necessário lutar definitivamente para superar a velha direção reformista no Brasil, e que para isso é necessário se construir de forma totalmente independente, o que significa não fazer alianças eleitorais com o PT e combater a esquerda liberal.

A defesa de que a base do partido decida vem sendo uma exigência democrática que coloca em questão a composição política das instâncias partidárias resultantes de uma frágil democracia interna, da ausência de nucleação de base e de uma discussão programática feita quase exclusivamente nos congressos que acontecem de dois em dois anos ou diante da proximidade de eleições, o que reforça a sujeição da formulação programática entorno das figuras públicas ligadas às tendências psolistas. Estrutura interna que faz com que as composições das chapas para as eleições a cargos do executivo sejam formadas por acordos entre as tendências que compõem as instâncias partidárias nas cidades, estados e nacionalmente.

Nesse sentido, mantém-se atual e necessária a defesa pela realização de prévias democráticas, de modo que o conjunto dos filiados sejam chamados a votar,  considerando o atual contexto de pandemia onde devem ser garantidas pelo partido as medidas sanitárias necessárias. Essa deveria ser uma campanha afirmada por todos os setores do PSOL comprometidos no combate por um partido de luta, socialista, pela base e com programa anticapitalista. 

Por isso, nos chama atenção o fato do Diretório Nacional (DN) ter publicado uma resolução que define regras para a realização de prévias. Nessa resolução é afirmado que “as prévias para o pleito municipal, onde há mais de uma pré-candidatura inscrita, ocorrerão de forma presencial, por meio de votação individual em urna…”[4].

Na mesma resolução o DN coloca que o processo está condicionado às condições sanitárias “Uma semana antes das prévias os Diretórios Municipais devem definir se há condições sanitárias garantidas para a realização de prévias. Por condições sanitárias, entende-se condições de participação da totalidade dos filiados, incluindo grupos de risco, aptos a votar”.

Faltou explicitar quais critérios objetivos serão usados para definir se há ou não condições,ou seja, quais critérios nesse caso decidiram pela realização de prévias em São Paulo – município onde os casos de Covid-19 passam de 180mil, mortes confirmadas passaram de 8,8mil e a taxa de contágio não teve diminuição expressiva, configurando hoje a cidade mais devastada pela pandemia – e em outros lugares os diretórios decidiram indicar a pré-candidatura majoritária, como aconteceu no Rio de Janeiro. 

Essa resolução do Diretório Nacional em muitos municípios tem sido encarada de maneira meramente formal, não apenas pela direção majoritária, mas também por setores que se colocam na condição de “esquerda” do partido, ou minimamente como oposição ao bloco majoritário, como é o caso do MES, organização que vem atuando com enorme “flexibilidade”. Em São Paulo, onde contam com a pré-candidatura de Sâmia Bomfim, fazem defesa contundente da escolha através de prévias, entretanto no Rio de Janeiro, por exemplo, não se opuseram a definição da candidatura via diretório e, para completar, votaram a favor da coligação com o PT, PCdoB e depois, de forma isolada, tentaram ampliar o arco de alianças do PSOL carioca, votando favoravelmente a uma resolução que definia que o partido buscará formar alianças com PV, PDT e PSB, também.  

Assim, essa resolução de prévias tem sido meramente formal, pois na prática em muitas cidades têm se tomado decisões à revelia do que pensa o conjunto da base do partido, o que não tem ocorrido por uma questão sanitária, mas porque as movimentações acontecem numa tentativa de impor decisões tiradas por um punhado de dirigentes pela formação de “Frente Ampla” acima da ampla consulta junto à base. Para nós não é novidade que o bloco encabeçado por Primavera Socialista não seja afeito a decisões tiradas democraticamente, o que podemos dizer que nos causa profunda preocupação é perceber que setores que outrora combateram esses métodos se coloquem como coautores dessa movimentação oportunista.

É preciso reverter essa situação colocando essa diretriz nacional em prática para que de fato seja a base a definir a orientação programática e as candidaturas. A esquerda do partido precisa fazer uma luta sem tréguas para que a base do partido – que tende a candidaturas próprias para superar politicamente o lulopetismo e construir um partido socialista independente, construído pela base e para a luta direta dos explorados e oprimidos –, independente do resultado das votações, decida democraticamente. Só temos futuro enquanto partido socialista, democrático e de luta garantindo a vontade política do conjunto dxs filiadxs.

1 https://esquerdaweb.com/oportunismo-pode-destruir-o-psol/ 

2https://esquerdaweb.com/sobre-a-desistencia-de-marcelo-freixo-de-sua-pre-candidatura-pelo-psol/

3 https://www.facebook.com/paulorubemsantiago/posts/3351067188257866

4https://psol50.org.br/psol-define-regras-para-realizacao-de-previas-eleitorais-nos-municipios/