É preciso abrir um amplo debate na base do PSOL para discutir a tática política para a eleição da Presidência da Câmara dos Deputados sem abrir mão da construção de uma alternativa independente dos patrões e da burocracia lulista
ANTONIO SOLER
Desde o ano passado a discussão em relação à sucessão na presidência do senado e da câmara já tomava o noticiário nacional. Primeiro esse tema passou pelo julgamento no STF de uma ação ajuizada pelo PTB que pretendia que se pudesse reeleger presidente do Congresso dentro da mesma legislatura, o que está em franco desacordo com a Constituição Federal.
No dia 9/12 a suprema corte acabou por votar por maioria apertada – 6 votos a 5 – pela não reeleição para a Presidência das duas Casas do Congresso Nacional dentro da mesma legislatura. Vencida essa etapa instala-se o debate em torno de qual nome irá substituir Davi Alcolumbre (presidente do Senado) e Rodrigo Maia (presidente da Câmara). Particularmente ganha a atenção a sucessão de Maia, pois cabe à presidência da Câmara dos Deputados o papel de pautar projetos e admitir ou não pedidos de processo de impeachment – prerrogativa essa que em tempos de instabilidade política ganha ainda mais importância.
Derrotar Bolsonaro e todos os ataques
Esse processo de substituição do Presidente da Câmara ocorre após ter transcorrido dois anos de eleição de um governo autoritário com um neofascista negacionista à frente como culminação da onda reacionária responsável pelo impeachment de Dilma Rousseff.
São dois anos também da eleição de um legislativo nacional dentro da mesma onda política que elegeu Bolsonaro que tem cumprido um papel também reacionário, apesar de manter certo distanciamento em relação às ofensivas contra o regime e a postura negacionista genocida de Bolsonaro.[1]
Como a eleição da presidência do Senado e da Câmara ocorre a cada dois anos, a troca do comando das duas Casas acontece em uma situação marcada pela permanência da crise recessiva (desemprego que atinge cerca de 20% da população economicamente ativa, inflação alimentar e pobreza crescentes) e da segunda onda de contágio da covid-19 – que já matou mais de 200 mil pessoas no Brasil.[2]
Além disso, a eleição para a Presidência da Câmara ocorre depois de um processo eleitoral municipal no qual os partidos da direita – tradicionais e não tradicionais – saem vitoriosos, Bolsonaro sai derrotado na maioria de suas apostas e a esquerda com o PT notavelmente derrotado e o PSOL surgindo como alternativa política para setores mais amplos.
Desta forma, enfrentaremos uma Câmara dos Deputados que seguirá sendo peça chave na ofensiva contra reformista para enfrentar a crise global, provavelmente começando com os cortes orçamentários – já previstos pelo governo -, “reforma administrativa” e com os processos de privatização de importantes empresas públicas.
Independentemente de qual for o resultado, tendo em vista que a esquerda hoje não tem a menor condição de realizar uma disputa que lhe permita sair vitoriosa, a tarefa central será mobilizar nas ruas para que possamos enfrentar os ataques que estão por vir e lutar por um plano de emergência que garanta vacinação já, emprego, salário e renda para todos.
O que não significa que qualquer tática em relação a esse processo eleitoral sirva para enfrentar os desafios que temos nesse primeiro semestre, muito ao contrário. Derrotar Bolsonaro nesse processo tem grande importância política, pois se conseguir eleger seu candidato à Presidência da Câmara terá mais segurança frente a eventual abertura de um processo de impeachment além de fazer avançar pautas ainda mais reacionárias em todos os sentidos.
Mais uma tática oportunista do PT
As duas candidaturas que apareceram até agora são as de Baleia Rossi (MDB) e de Arthur Lira (PP), o primeiro ligado ao grupo do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e o segundo apoiado pelo “centrão” (grupo de partidos que se alinhou a Bolsonaro) e pelo próprio presidente.
Essas são candidaturas que se apresentam como antagônicas, mas que representam diretamente a classe dominante, que participaram da manobra reacionária do impeachment e que votam com o governo em todas as contrarreformas neoliberais.[3]
Diante desse quadro, na segunda-feira (04/01) em reunião de sua bancada de deputados federais do PT (tem 52 deputados, é a maior bancada da Câmara), em uma votação de 27 a favor e 23 contra foi aprovado o ingresso oficial do partido no bloco de apoio à candidatura de Baleia Rossi.[4]
Em uma nota pública, o PT sintetiza bem qual é a sua tática diante do cenário.[5] Afirma que irá compor o bloco para eleger Rossi como parte da defesa da democracia, da independência do legislativo e de uma agenda que atenda aos interesses da população, que essa aliança visa enfrentar os retrocessos pautados pelo governo, defender o estado de direito e a soberania, que é necessária para derrotar a tentativa de Bolsonaro de controlar a Câmara e que continuará lutando dentro e fora do parlamento pela soberania, contra as privatizações, ataques neoliberais, defesa dos direitos, pelo impeachment e pelos direitos de Lula.
Bom, independente de questões pontuais quanto à concepção programática petista, cabe aqui primeiro pontuar que os pressupostos políticos pelos quais o PT decide pela tática de apoiar o bloco de Rossi não são nada convincentes.
Em primeiro lugar porque nenhum bloco/aliança/frente burguesa, muito menos esse com Rossi à cabeça, tem qualquer compromisso com soberania nacional, democracia ou direitos. Ao contrário, são esses os atores políticos que foram fundamentais para impor o impeachment, a prisão de Lula, as contrarreformas e as privatizações dos últimos anos, e continuarão na mesma toada se não forem detidos pela luta direta das massas.
Em segundo lugar, não apresentar no primeiro turno uma candidatura de oposição de esquerda ao governo e à oposição de direita não se justifica enquanto uma tática política para derrotar as intenções de controle da Câmara por Bolsonaro através da eleição de Lira.
Uma vez que as eleições ocorrem em dois turnos, se realmente a intenção fosse derrotar Bolsonaro, o dever da esquerda para ter uma posição independente é jamais entrar em qualquer bloco burguês, mas sim apresentar uma alternativa política e programática tanto do governo quanto da oposição de direita. No segundo turno da eleição, para que Bolsonaro não amplie seu poder reacionário, deve se fazer um voto ultra crítico contra ele a partir de uma batalha política previamente dada e que sirva para indicar claramente para o conjunto das massas que não tem saída contra esse governo e seus ataques se não for pela mobilização direta.
Em terceiro lugar, claramente, mais essa capitulação do PT ao bloco burguês corresponde à sua estratégia de priorizar o jogo institucional em detrimento da aposta na mobilização direta dos explorados e oprimidos. Os dirigentes desse partido, que conhecem como ninguém o funcionamento das instituições, optam pelo apoio a Rossi no primeiro turno da votação não para derrotar Bolsonaro, como se justificam. Há fontes que indicam que há negociações acerca da primeira Secretaria da Mesa Diretora.
De qualquer forma, essa não é uma estratégia nova, o PT há tempo deixou de ser um partido pelo qual passa a luta social, ao contrário, tem sido dificultador dessa, basta ver sua postura covarde diante do impeachment, das contra reformas, da prisão de Lula, das ameaças de Bolsonaro aos direitos democráticos e um longo etc. – política essa de capitulação que, diga-se de passagem, contribui de forma significativa para o avanço das forças reacionárias.
Lutemos para que o PSOL assuma uma tática independente e combativa
Diante desse tema, as considerações feitas na discussão com a posição do PT obviamente que cabem totalmente ao PSOL. Ainda nosso partido não sentou posição sobre o assunto, por enquanto estamos assistindo declarações avulsas de seus parlamentares, mas sem que o partido tenha decidido apresentar uma candidatura própria ou ingressar – como erroneamente defendem alguns – no famigerado bloco de apoio à candidatura de Rossi.
Marcelo Freixo, em uma carta com o título “Em defesa do ingresso do PSOL no Bloco Democrático na Câmara”, de 21/12, defende que o PSOL ingresse no bloco organizado por Maia – o nome de Rossi ainda não havia sido definido – basicamente com o mesmo argumento petista. Ou seja, unir todos que defendem o “estado democrático de direito” para conter o avanço do bolsonarismo na Câmara.
Na mesma toada de Freixo, recentemente Sâmia Bonfim, líder do partido na Câmara, defende a entrada no bloco de Rossi a partir de exigências de aprovação de pautas como renda básica, não pautar privatizações ou autonomia do Banco Central, pois diante do perigo que significa Lira, para a deputada, o PSOL não pode ser identificado “como a sigla que não atuou ativamente para derrotá-lo”.[6]
Outra posição bem distinta assumiram os parlamentares Ivan Valente e Glauber Braga com os quais no geral concordamos. Para Valente, além de o PSOL ter tradição de lançar candidatura própria, não tem convergência política com o bloco de Rossi e não quer “barganhar cargos na Mesa”. A partir daí, no segundo turno para derrotar Bolsonaro se pode votar no “menos pior”.[7]
Braga em um vídeo postado no facebook ontem que lista “sete argumentos” bastante convincentes para não apoiar Rossi para Presidente da Câmara no primeiro turno da votação e lançar candidatura própria.
A lista pode ser resumida da seguinte forma: não há prejuízo algum para a luta contra Bolsonaro apresentando candidatura própria no primeiro turno, podemos apresentar uma alternativa política no primeiro turno e derrotar Bolsonaro no segundo turno, manter uma alternativa eleitoral com visibilidade e discutir amplamente a pauta nacional para mobilizar a população – única forma de lutar efetivamente contra os ataques e por conquistas, que se diga – e ter a vice-presidência da Mesa Diretora não altera em nada a dinâmica da votação na Câmara.[8]
Chama a atenção a posição da companheira Sâmia – a mesma da tendência interna do PSOL que faz parte, o MES – que não não guarda nenhuma fronteira de independência de classe, propõe ingressar no bloco de Rossi e aposta única e exclusivamente nas manobras parlamentares para derrotar Bolsonaro na disputa pela Presidência da Câmara. Ou seja, da mesma forma que o PT, essa é uma posição totalmente descolada do princípio básico da independência de classe.[9]
Para os companheiros a linha é entrar no bloco burguês, votar em Rossi no primeiro turno para impor uma votação inconteste contra Lira, disputar a política no interior do bloco de Rossi e posições na Mesa Diretora. Tudo isso em vez de apresentar uma política independente das duas frações burguesas no primeiro turno com candidatura e programa próprios e chamar o voto ultra crítico contra Bolsonaro no segundo, e em todo o processo impulsionar a mobilização – principalmente fora do Câmara – para derrotar o presidente neofacista nesta disputa.
Temos condições regimentais, espaço tático e desgaste crescente do governo para levar uma política independente com candidatura própria e apresentar um programa alternativo que aposte na mobilização, enquanto isso os companheiros, iguaizinhos ao PT, abrem mão da independência política propondo o ingresso no bloco de Rossi. Como parte disso, fazem todos os cálculos políticos apenas dentro do jogo estreito do parlamentarismo meramente institucional, burguês, portanto. Assim, essa posição de estrita adaptação política ao jogo institucional burguês, de renunciar a uma alternativa independente dos trabalhadores e oprimidos no primeiro turno, serve apenas aos interesses da classe dominante e de seus partidos – direita ou extrema direita – que irão aparecer como a única polarização política, anulando a apresentação de uma alternativa socialista dos trabalhadores.
Porém, as razões da adaptação do MES, companheiros que vem do marxismo revolucionário, ao parlamentarismo burguês quando adquire alguns postos no parlamento merece atenção e deve ser discutida pelo conjunto da esquerda revolucionária dentro e fora do PSOL, mas interessa mais agora discutirmos qual posição o PSOL adotará como um todo. Nesse sentido, é fundamental que esse debate não seja realizado apenas na direção nacional do partido, pois esse é um tema muito importante que não pode ficar nessa instância de direção. É preciso que todos os diretórios municipais convoquem reuniões urgentes com a base do partido para discutir qual tática devemos adotar, discussão essa que deve repercutir nas instâncias estaduais e na direção nacional como um exercício político de participação real da base nos processos decisórios.
Nesse debate, sintetizando, a nossa posição é a de que o PSOL deve apresentar candidatura e programa independente das duas frações burguesas no primeiro turno da eleição e, no segundo, para derrotar o neofascismo e evitar que tenha controle da Câmara chamar o voto ultra crítico contra Lira. E em todo esse processo, devemos apelar para a mobilização e pressão popular para derrotar Bolsonaro. Com essa tática, podemos derrotar Bolsonaro, apostar na mobilização e preservar a independência política, estratégia e princípio que não se negocia, pois são fundamentais para criar uma resistência e contra ofensiva que abram conjunturas mais favoráveis para a nossa classe e os oprimidos.