ANTONIO SOLER
Com a greve dos caminhoneiros – seguida da curta greve dos petroleiros – o governo foi colocado contra a parede. Mas, como a greve dos petroleiros foi duramente reprimida, e não surgiram outros movimentos que pudessem ser nacionalizados e dar continuidade a uma ofensiva dos trabalhadores, a situação política voltou à “normalidade”.
Essa normalidade é marcada pela ofensiva reacionária em várias frentes, pela resistência dos trabalhadores, pelas rusgas palacianas em torno dos esquemas de corrupção e pela instabilidade política crônica. Uma situação na qual, apesar dos conflitos entre setores da classe dominante e da resistência dos de baixo, seguem os ataques contra a classe trabalhadora e os oprimidos, o que se dá devido à política da burocracia que, invariavelmente, sabota os processos de luta e de resistência. Por outro lado, a campanha eleitoral tomou o centro do cenário e prefigura – evidentemente que é a luta de classes que dá a última palavra – o que será o próximo período no Brasil.
Desta forma, as eleições nacionais estão marcadas pela polarização político-eleitoral entre a burocracia lulista e a candidatura protofascista de Bolsonaro, o que tem emparedado a esquerda socialista, colocando a necessidade de realizar uma campanha radical no programa, nas denúncias em várias frentes e nas táticas de organização.
Burocracia desperdiça outra chance de reverter a situação
A greve dos caminhoneiros colocou o governo contra a parede e foi sem dúvida uma greve vitoriosa para caminhoneiros autônomos. Obrigou o governo a reduzir o preço do diesel e, também, impôs um tabelamento nacional do frete. Mas, essa vitória não foi imposta a partir de um programa operário da queda geral dos preços dos combustíveis, do questionamento da política de preços da Petrobras, da luta contra a privatização e da exigência da queda do presidente da Petrobrás – Pedro Parente.
Esse programa apontado acima coube à greve de 72h dos trabalhadores da Petrobrás iniciada no dia 30 de maio. Greve que foi duramente reprimida com multas diárias de 2 milhões e com o uso das forças armadas, mas que conseguiu pautar o tema dos combustíveis a partir de uma perspectiva mais global. Além do mais, essa greve também contribuiu para a queda de Pedro Parente, testa de ferro da política de preços que leva ao ajuste diário dos preços dos combustíveis. Mas em todo esse processo – greve dos caminhoneiros e petroleiros – temos que apontar criticamente a política da burocracia petista e cutista.
Na greve dos caminhoneiros tiveram uma política sectária, não disputaram com a patronal os trabalhadores autônomos, qualificaram a greve como locaute sem fazer a distinção dos setores. Consequência: deixaram que a greve fosse capitaneada pela estrema direita, setor que atua politicamente entre os caminhoneiros há anos, que aparece com força nos bloqueios com faixas de defesa da intervenção militar, ligando de forma distorcida a massa dos caminhoneiros com essa política contrarrevolucionária.
Como parte da mesma política, a burocracia atrasou a greve dos petroleiros, que só começou com o fim da greve dos caminhoneiros, o que fez com que os petroleiros perdessem força política e pudessem ser atacados de forma violenta pelo governo, pelas justiça e forças armadas. Mas, apesar de extremamente reprimida os petroleiros em meio a sua greve obtiveram uma vitória que foi a renúncia de Pedro Parente.
Devido à parcialidade – programática e política – da greve dos caminhoneiros e da insuficiente força da greve dos petroleiros, o governo concedeu a redução do diesel e a cabeça de Parente, mas através da redução dos impostos sobre o combustível que alimentam programas de saúde, educação e segurança. Em relação ao frete, a patronal do setor entrou com mandado de segurança no STF alegando que a medida provisória do governo é inconstitucional, o que judicializou a questão e tirou o problema das costas do governo.
Assim, essas duas greves, somadas a outras lutas com menos impacto nacional, poderiam ter criado uma conjuntura mais favorável para os trabalhadores e colocado definitivamente o governo e a onda reacionária em crise. Mas, devido aos limites sócio-políticos da greve dos caminhoneiros e da política da burocracia de não disputar esse processo e de adiar a greve dos petroleiros, a situação voltou a se “normalizar”, ou seja, refluiu permitindo que o governo, a patronal e as forças reacionárias continuassem a dar a tônica.
Polarização eleitoral entre extrema direita e burocracia
No que pese a importância de expressões diretas da luta de classes, as eleições de outubro tomaram o cenário nacional e acabam atuando como mediação para o conjunto do processo político, por isso seria um crime não intervir sobre ela. Também é um crime político não atuar nos processos mais importantes da luta de classes, como fez a burocracia durante a greve dos caminhoneiros. Por outro lado, nossa classe, nossas organizações independentes e nosso partido não pode deixar de atuar objetivamente, como presença física, como vimos nesses mesmos processos da luta de classes, do contrário jamais poderemos nos conformar como uma alternativa de massas ao lulismo.
As pesquisas eleitorais publicadas nos últimos meses não têm apresentado grande variação em relação aos seus resultados. De acordo com a mais recente pesquisa CNI/IBOPE, mesmo na prisão, Lula mantém-se na dianteira, seguido por Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Os demais candidatos aparecem com menos de 2% das intenções de voto e a soma entre votos brancos/nulo (22%) com os sabe/não respondeu (6%) atinge 28% do eleitorado.[1]
Em cenários em que Lula não aparece como candidato, Bolsonaro assume a dianteira, seguido por Marina, Ciro, Alckmin, Álvaro Dias, Collor e Haddad. Os demais candidatos Flávio Rocha, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, Levy Fidelix, Manuela D' Ávila aparecem com 1% das intenções de voto. Com Lula fora do páreo, a quantidade de votos branco/nulo (33%) e de não sabe/não respondeu (8%) sobem de maneira significativa, totalizando 41% do eleitorado, 13% a mais do que no cenário em que Lula aparece como candidato. [2]
Temos nessas eleições algumas contradições e problemas agudos. Em primeiro lugar, o candidato com maior chance de ser eleito, encontra-se preso após um processo judicial politizado em que não há provas cabais de que Lula tenha recebido propina na forma do tal apartamento no Guarujá. Como os tribunais de justiça, capitaneada pela Operação Lava Jato, pela ofensiva reacionária e pela crescente intervenção política dos comandantes militares, tem assumido um papel de claro protagonismo político à direita, são poucas as chances de que Lula consiga alguma brecha para sua soltura, e mesmo se conseguir, provavelmente não conseguirá o registro eleitoral junto ao TSE.
A estratégia do PT é manter Lula como “candidato” até o prazo limite, pois a avaliação da direção do partido parece ser que se declarado for outro candidato/a, a situação político-jurídica de Lula ficará ainda mais fragilizada. Na prisão esse perde a capacidade de transferência de votos e o partido diante de um cenário de inviabilidade de Haddad (provável plano b), que aparece com 2% das intenções de voto no cenário sem Lula na disputa, pode causar a divisão do partido em várias partes.
A aposta estratégica do PT e de Lula na justiça burguesa – mesmo dentro de um cenário de ofensiva reacionária – poderá custar-lhes caro. Ao se entregar sem resistência a uma prisão política, capitulando totalmente às instituições sob o controle das forças reacionárias, acabaram por evitar um possível levantamento popular que poderia criar as condições para reverter a correlação de forças. Mas a capitulação não para aí. Agora, com a possível confirmação de que Lula não saia da cadeia e não possa se candidatar, não é ventilada sequer a ideia de chamar um boicote a esse processo eleitoral que tem um forte elemento de fraude.
Mantendo-se o enredo, no qual Lula de fato seja impedido de disputar as eleições, a estratégia de respeito absoluto aos limites da institucionalidade burguesa levará o PT a um colapso político-eleitoral grave, pois parece difícil que nas condições da prisão Lula possa transferir a contento votos ao tecnocrata Haddad. A questão que se coloca é até que ponto a esquerda socialista pode se apropriar desse espólio. Que política abre espaço entre os eleitores de Lula? Qual equação montar entre a intervenção na luta de classes, as candidaturas do partido e de Boulos e a intervenção partidária? Esse é um tema que vamos nos deter um pouco mais à frente.
Para o governo, sua base de sustentação política e para a direita mais tradicional, a corrida eleitoral também não é confortável. O candidato que o “mercado” apostava como prioritário (Alckmin) aparece na última pesquisa com 4% no cenário em que Lula é candidato e 6% no cenário sem Lula. Já o que seria o candidato do governo, Meirelles não chega a pontuar no primeiro cenário e aparece com apenas 1% no segundo. Fenômeno similar acontece com todos os demais candidatos do governo, de sua base de sustentação e de confiança da grande burguesia. É a primeira vez, desde o processo da nossa problemática redemocratização, que a classe dominante não tem uma candidatura que possa chamar de sua. A crise política crônica em que vivemos provou uma crise no conjunto do sistema político e não poupa partidos ou as principais figuras públicas da classe dominante.
O fato de a ofensiva reacionária ter avançado pela contrarreforma política, dentre outras, cria ainda melhores condições para o fortalecimento da representação das fracções burguesas no parlamento. Mas isso evidentemente não se traduz em maior apoio das massas às candidaturas tradicionais da burguesia. Ao contrário, a disputa eleitoral atual reflete de maneira gritante a crise política dos partidos tradicionais da classe dominante. A polarização entre as candidaturas do PT versus PSDB, como tem sido constante desde a segunda metade da década de 1990, agora foi substituída por uma polarização totalmente incerta para os dois campos, uma vez que se dá entre o candidato do PT até então impedido de participar das eleições versus a candidatura de extrema direita de Bolsonaro.
Uma vez que os demais candidatos (Marina e Ciro) que aparecem com viabilidade eleitoral, apesar de estarem cada um a seu modo no horizonte do liberalismo, estão longe de serem figuras de confiança do “mercado”. Dessa forma, os cenários que se prefiguram para 2019 não são de estabilização ou repactuação por via das eleições, ao contrário, desenham-se cenários de aprofundamento da crise política. Cenários de aumento da conflitualidade política que terão como base o desemprego massivo, a piora geral das condições de vida, o sub financiamento dos serviços públicos e uma luta de classes longe da estabilização.
Por candidaturas anticapitalistas, antiburocráticas e feita nas ruas
O campo dos trabalhadores também enfrenta grandes desafios no atual momento. Na pesquisa que estamos usando como base, Boulos, por exemplo, apenas atinge 1% das intenções de voto no cenário em que Lula não figura entre os candidatos, as demais representações da esquerda socialista sequer aparecem na pesquisa. Números esses que corroboram a percepção de que a superação ou ainda uma disputa mais equânime com o lulismo está aberta, mas será lenta, contraditória e demandará determinadas estratégias políticas do nosso setor.
As dificuldades políticas de superação do lulismo que que se apresentam para a esquerda socialista são de ordem objetiva e subjetiva. A experiência interrompida com o governo de colaboração de classes em 2015, o impeachment de Dilma, a onda reacionária, as medidas regressivas que foram sendo impostas a partir daí e a fragilidade política e organizativa da esquerda socialista, não permitiram que as condições objetivas – lutas massivas e radicalizadas – dessem vez à construção de uma direção que superasse o método, organização e programa da burocracia.
Processo de experiência das massas que a prisão com forte viés político de Lula interrompe novamente. Pois, em última instância, e dentro da dinâmica atual da luta de classes, mantida a prisão e a ilegibilidade de Lula, ficará a expectativa de que um possível governo Lula pudesse resolver as profundas questões nacionais postas, isso em meio a um cenário econômico e político totalmente distinto do que foram os anos áureos do lulismo. Ou seja, a experiência a fundo com essa corrente burocrática novamente nesse cenário seria novamente atrasada pela mediação da ofensiva reacionária em curso, o que objetivamente cria um campo objetivo de disputa mais histórico menos favorável para a esquerda socialista.
No entanto, como todo processo, existem profundas contradições na realidade que podem colocar cenários de maior radicalização e condições mais favoráveis no próximo período para que políticas radicais sejam testadas entre setores de massa. Uma vez eleita qualquer uma das opções burguesas postas, de Bolsonaro – candidatura que tende a desidratar no caminho pela falta de apoio da classe dominante e pela rejeição de amplos setores de massas – à Alckmin, o próximo período indica aprofundamento dos conflitos sociais, pois segue a recessão, o desemprego, a piora dos serviços públicos e etc. em uma situação política em que a classe não foi derrotada e irá se enfrentar com as medidas do próximo governo.
Indo para um aspecto mais subjetivo, mas relacionado com a objetividade mais crua e imediata da vida, o cenário político-eleitoral que temos que enfrentar é de o Lula à frente das pesquisas polarizando com Bolsonaro. Ou seja, a polarização que tem de um lado uma candidatura operário-burguesa – corresponsável pela situação de ofensiva reacionária em que vivemos – que catalisa a ampla maioria dos setores de massas dos trabalhadores e de outro uma candidatura protofascista que ainda não constituiu um partido fascista de massas do tipo clássico, mas que atua de forma muito agressiva nos meios eletrônicos, começa a despertar a violência armada e que influencia parte de importantes setores sociais, como os caminhoneiros, por exemplo.
Como organização socialista, o PSOL e a aliança eleitoral que constituiu com o MTST, o PCB e outros setores, apesar do limite político de ainda não ter assumido uma plataforma claramente anticapitalista – o que tem grande importância, uma vez que temas como o não pagamento da dívida pública, tão fundamental para financiar as reformas necessárias, é inexistente na campanha de Boulos – tem feito uma campanha eleitoral pautada na denúncias de importantes aspectos da realidade nacional, tem se enfrentado com as contrarreformas do governo Temer e polarizado com Bolsonaro e as extrema direita.
A campanha dessa frente tem rodado o país, participado de muitos eventos em universidades, teatros, praças públicas, bairros periféricos, ocupações e outros espaços. Tem angariado a simpatia de muitos ativistas de vários movimentos e militantes do partido, mas por ora não tem conseguido penetrar em setores mais amplos das massas. Isso se deve ao fator objetivo, a polarização entre Lula e Bolsonaro e ao desconhecimento de Boulos e da frente, perante as amplas massas do Brasil mais profundo. Mas além do limite político que apontamos acima, do ponto de vista da campanha pensamos que temos que resolver um problema político-organizativo não menos central.
Para superar o patamar atual de 1% da campanha, é necessário que a campanha ganhe as ruas, que o conjunto da militância, com a direção do partido à frente, faça a denúncia, do governo Temer, da intervenção militar no Rio de Janeiro, da execução política de Marielle, do genocídio da juventude negra, da violência contra as mulheres e enfrente o protofascismo nas ruas. Por mais que sejamos contra a prisão política de Lula não podemos em nenhum momento nos furtar a diferenciação com o lulismo, a estratégia levada no sentido de ser a ala esquerda da burocracia, o setor que tem diferenças, mas que não as apresenta publicamente, como foi muitas vezes denunciado, não poderia funcionar. Nesse cenário em que estamos precisamos encontrar sempre a melhor forma de nos diferenciar, faze-lo de maneira que as pessoas entendam, mas nunca podemos abrir mão do conteúdo, isso não ajuda estrategicamente e muito menos na tática eleitoral. De alguma forma, os números relativos à intenção de voto da nossa candidatura estão demonstrando isso.
Para finalizar, há um tema político-organizativo fundamental para nossa campanha e para a luta de classes que em relação ao qual há um gigantesco hiato. Trata-se da presença política do PSOL e da campanha de Boulos e Sonia, dos nossos/as candidatos/as majoritários/as e proporcionais nas ruas e nos processos importantes de enfrentamento da luta de classes. Durante a greve dos caminhoneiros, apesar do posicionamento correto do partido em apoiar os caminhoneiros autônomos, não intervimos como partido nas grandes concentrações grevistas, a militância de forma individual ou em pequenos grupos tentou aproximar-se dos grevistas, mas não estivemos com nossas bandeiras e propostas nas grandes concentrações e bloqueios para disputar politicamente o movimento com a ultradireita que levanta abertamente a bandeira de intervenção militar.
Da mesma forma, não podemos repetir situações esdrúxulas do ponto de vista da presença partidária e da campanha como a do ato em defesa da greve dos petroleiros, no dia 29 de maio, em que na avenida Paulista praticamente não víamos bandeiras, faixas e colunas do partido. A disputa político-eleitoral com a extrema-direita, como a direita e com a burocracia é político-prática, demanda propaganda nas universidades e demais locais, mas também presença política nas ruas, nas greves com colunas, bandeiras, panfletos e até fisicamente, repelindo os bandos fascistas que em unidade com o conjunto da esquerda não podemos deixar crescer, é necessário destruir já o ovo da serpente. Essas são algumas tarefas que vemos que nossa campanha tem que assumir já!
[1] Na pesquisa CNI/IBOPE, que ouviu 2 mil eleitores em 128 municípios entre os dias 21 e 24 de junho e que tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, Lula (PT) parece com 33%, Jair Bolsonaro (PSL) com 15%, Marina Silva (Rede) com 7%, Ciro Gomes (PDT) com 4%, Geraldo Alckmin (PSDB) 4%, Álvaro Dias (Podemos) 2%, Manuela D'Ávila (PC do B) 1%, Fernando Collor de Mello (PTC) 1%, Flávio Rocha (PRB) 1%, Levy Fidelix (PRTB) 1%, João Goulart Filho (PPL) 1%, Outros com menos de 1%: 2%, Branco/nulo: 22%, Não sabe/não respondeu: 6%.
[2] Jair Bolsonaro (PSL): 17%, Marina Silva (Rede): 13%, Ciro Gomes (PDT): 8%, Geraldo Alckmin (PSDB) 6%, Álvaro Dias (Podemos) 3%, Fernando Collor de Mello (PTC) 2%, Fernando Haddad (PT) 2%, Flávio Rocha (PRB) 1%, Guilherme Boulos (PSOL) 1%, Henrique Meirelles (MDB) 1%, Levy Fidelix (PRTB) 1%, Manuela D' Ávila (PC do B) 1%, Rodrigo Maia (DEM) 1%, João Goulart Filho 1%, Outro com menos de 1%: 1%, Branco/nulo 33%, Não sabe/não respondeu 8%.