Censura de questões é apenas mais um perigoso sintoma das políticas de um governo autoritário que vem intensificando o seu avanço e aparelhamento sobre as instituições não eleitorais. Uma tática perigosa e menos “barulhenta”.
Vitória Antunes
Um caso de censura nas questões do Enem foi exposto após uma série de demissões e denúncias no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP). O próprio presidente Jair Bolsonaro veio a público falar sobre a prova, onde afirmou que agora o exame passaria a ter ‘a cara do governo’. Os impedimentos realizados pelo governo federal escancaram mais uma vez a sanha autoritária deste governo que através da censura e manipulação comprometem o Exame Nacional do Ensino Médio e o INEP, prova e órgão internacionalmente reconhecidos por seu sigilo, eficiência e ferramenta alternativa para a ingressão de jovens trabalhadores nas universidades.
Antes da repercussão da edição de 2021, no primeiro exame aplicado sob o mandato de Jair Bolsonaro, em 2019, órgãos federais impediram mais de 60 questões de serem publicadas na prova, como revelado em reportagem da revista Piauí. Entre os assuntos, eram abordados temas como o golpe militar de 1964, feminismo, crise sanitária nas penitenciárias brasileiras e aborto. Na ótica da base bolsonarista, a chamada ‘cara do governo’ é uma iniciativa inofensiva, com um vestibular de questões neutras. Todavia, a intervenção na prova ressalta o caráter neofascista do governo, onde se busca controlar as evidências da história, censurar os debates promovidos pela opinião pública e atropelar a autoridade dos formuladores das questões.
Além de tentar um revisionismo histórico a partir da censura – algo que nos faz lembrar a década de 30 na Alemanha – e apagar temas sobre crises sociais que, tradicionalmente, costumavam ser abordados no ENEM, o cenário mostra que o Ministério da Educação construiu um exame elitista e embranquecido. A aplicação deste ano registrou o menor número de inscritos da história, com a menor taxa de negros e vindos de escola pública. Algo que explicita a ofensiva ultracapitalista que busca afastar a juventude trabalhadora dos projetos de pesquisa e extensão e da formação política e contestadora presente em universidades do país para atuar lado a lado de um ensino mercadológico e sucateado promovido pelas grandes corporações educacionais.
Mais do que tudo, as transformações na educação sob as mãos do governo Bolsonaro fazem parte de um projeto que busca por um lado censurar e deturpar a realidade pretérita e por outro tentar colocar toda uma geração de jovens como reféns da uberização e das longas jornadas de trabalho, com baixo salário e baixa mão de obra qualificada, impossibilitados do acesso e do tempo para o debate para a formação crítica. Uma condição fundamental para a formação de uma consciência classista que possa permitir, ao longo das experiências coletivas, uma inserção cada vez mais profunda na luta por transformar a sociedade.
Aos jovens que irão prestar a prova nestes próximos dois finais de semana, desejamos muita sorte e força para que possam ingressar e ocupar as universidades para a luta em defesa da educação pública de qualidade junto ao fim do vestibular e na batalha para derrotar este governo, com a perspectiva de superarmos esta ofensiva ultracapitalista e edificarmos uma contraofensiva anticapitalista e independente dos trabalhadores, mulheres, negros, jovens e povos originários.
Fora Bolsonaro e Mourão!
Por uma educação pública, laica e de qualidade!