Federalização sim, mas com os partidos socialistas independentes!

Martin Camacho

Para entender a situação em que estamos vivendo, temos que voltar aos anos anteriores quando a cláusula de barreira, ou cláusula de exclusão, foi aprovada pelo Senado. Uma reforma constitucional que vai na contramão da Constituição de 1988, mais especificamente do seu artigo 17 que trata do pluripartidarismo – critério que se materializa em condições totalmente desiguais na democracia burguesa. A autoria desta proposta, que vem dos partidos burgueses majoritários, foi encaminhada por Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES). A PEC 33/2017 foi aprovada em 2017 com 62 votos a favor no primeiro turno e 58 no segundo turno, e entrou em vigência nas eleições de 2018. 

Vejamos do que se trata realmente esta reforma eleitoral, que vai mudar não só a estrutura do PSOL senão dos partidos políticos do Brasil.

Uma das grandes reformas reacionárias em ascensão é a reforma político-eleitoral. A mudança para o pleito eleitoral nacional, que contava com uma ampla representação partidária, passa agora por uma nova relação de forças partidárias com a cláusula de barreira. Essa medida excludente exige que um partido político atinja um percentual mínimo de votos, o que tem se refletido na articulação partidária nacional com fusões ou na nova federação partidária. Essa última é fruto de uma reforma de 2021 que supera qualitativamente as, agora antigas, coligações partidárias, para poder atingir o patamar pré-estabelecido de votos para que se possa passar pela cláusula de barreira. 

A cláusula de barreira prevê a quem não superar o índice mínimo de votos, o não acesso ao dinheiro do Fundo Partidário nem tempo de propaganda em rádio e TV. Ou seja, um projeto constituído pelos grandes partidos políticos para que os mesmos recebam mais recursos e mais tempo de TV, monopolizando o poder político e excluindo os menores partidos do processo eleitoral. O Fundo Partidário em 2019 era de 888,7 milhões, hoje esta cifra poderá chegar aos 5,7 bilhões de reais e, assim, fica evidente que quanto menor o número de partidos com acesso aos recursos públicos para campanha maior o valor aos que abocanham – uma medida totalmente antidemocrática e que deixará de fora os partidos revolucionários de esquerda.

Vejamos em mais detalhes como se apresenta o novo regulamento: em 2018 foi necessário 1,5% dos votos, neste ano (2022), os partidos que não atingirem 2% dos votos nacionais ou eleger 11 deputados federais em pelo menos pelo menos 9 estados ficarão sem fundo partidário e sem tempo de propaganda. E não para por aí, o aumento é proporcional, para 2027 o piso será de 2,5 % e 13 deputados federais, a partir de 2031 serão 3% dos votos válidos ou a soma de 15 deputados federais também em 9 estados. 

Estes percentuais crescentes são estabelecidos nos anos de eleição nacional, como, por exemplo, agora em 2022. As consequências são dramáticas e indicam que o Congresso Nacional será cada vez mais constituído pelos partidos da ordem, implicando uma feroz pressão política para a adaptação institucional completa da esquerda (tanto da ordem como independente) na tentativa de entrar no sistema perverso das novas federações partidárias com partidos de centro e de direita para não perder os privilégios da democracia burguesa. Uma adaptação que já acontece dentro do PSOL e que se intensifica com setores da oposição de esquerda do partido defendendo uma federação partidária com a REDE, nos referimos aos companheiros do MES, problema do qual trataremos a seguir. 

A cláusula de barreiras não é algo novo, já em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso havia sido aprovada uma reforma similar, mas não entraria em vigor até 2006, ano em que foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal pelas consequências que apontamos acima, além de ferir a Constituição. A proposta para este projeto era assustadora e estabelecia um critério de 5% de votos, uma manobra político-eleitoral para impor o bipartidarismo clássico da democracia burguesa.

Assim como no Brasil, o mundo capitalista tem exemplos de barreiras eleitorais parecidas. Na Europa o percentual varia entre 5% e 3 % dos votos. O extremo seria a Turquia que tem um patamar de 10% com a desculpa de retirar os “extremistas” do Congresso. Outro exemplo mais próximo é o caso da Argentina com as PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) que são uma espécie de eleições antecipadas, onde o partido ou frente que não superar 1,5% não pode ir às eleições gerais. Coisa que nosso partido na Argentina, Nuevo Mas, e nossa corrente sempre repudiou e enfrentou por ser uma manobra burguesa totalmente antidemocrática.

Perdendo a independência de classe

Desde que a última reforma eleitoral – conformação de federações partidárias – foi aprovada, as manobras entre os partidos começaram, os acordos dos partidos ocorrem pela superestrutura. O PSOL não fica atrás dessa dinâmica, pois tem encaminhado esse importantíssimo debate sobre a federação com a REDE e outros partidos apenas pela sua Executiva Nacional, sem a menor consulta à sua base. 

Quando as pressões políticas aumentam é que os problemas e contradições políticas e organizativos ficam mais evidentes. Na passada eleição o PSOL ficou com um 2,18% dos votos e isso fez soar o alerta da nova cláusula de barreira. Como “solução” para isso, a direção do partido encontra uma aliança político-programática com a Rede Sustentabilidade (a REDE e muitos partidos tiveram insuficientes votos para a nova regra eleitoral). A partir daí, a Executiva Nacional do PSOL, sem a menor discussão com a base, tem realizado uma série de reuniões com a REDE com fins de constituir uma federação partidária com este partido burguês/neoliberal. Esse é o caminho direto para terminar, ou antecipar, o fim do PSOL como partido de esquerda independente da burguesia e da burocracia. “Você cria essas frentes políticas, de caráter mais estável, com programa que preserve a fidelidade para os próximos quatro anos. Eu acho que isso vai mobilizar a política. Diferente do que é essa troca-troca de partidos a todo momento, infidelidade de voto”, falou o presidente do PCdoB em um claro exemplo de como vai ser a perda de toda a independência política. 

A REDE já votou na Câmara dos Deputados projetos que vão de sentido contrário aos interesses dos trabalhadores, aprovou uma série das recentes contrarreformas que vêm implementando os governos reacionários, tanto federal como estadual. A REDE apoiou a operação Lava Jato, reformas trabalhistas e a reforma da previdência em São Paulo, ou como em 2014, deu apoio a Aécio Neves, ou seja, um partido nitidamente contrário à classe trabalhadora. Ou seja é um partido burguês com todas as letras. isto se soma a política nefasta do PSOL de ingresso na chapa de Lula e Alckmin (ex-governador do estado de São Paulo que é a figura da burguesia paulistana representante do capital financeiro).

Para enfrentar esse ataque ao direito de representação política que é a cláusula de barreira, a alternativa do conjunto da esquerda – e do PSOL também – não foi uma saída independente que movimentasse as bases para derrotar esta reforma excludente e antidemocrática. O caminho tem sido justamente o contrário, ou é do isolamento total, como é o caso do PSTU, PCB e UP, ou da adaptação ao jogo político burguês através de federações com partidos  da ordem, como tem feito o PSOL.  A maioria da direção do PSOL (Primavera Socialista, Revolução Solidária, Resistência e etc.) e MES – corrente que tem origem no trotskismo mas que se demonstra centrista orgânica e vai da esquerda para a direita sistematicamente – é resolver o problema pela direita. Fazem uma sobreposição de políticas eleitoreiras em detrimento das reais necessidades políticas da esquerda socialista. 

A ruptura com os princípios políticos extraídos das experiências históricas do movimento operário, como a independência de classes – não são elásticos, adaptáveis ou taticamente manipuláveis – tem sempre um alto custo. Essas rupturas, como o possível ingresso do PSOL na frente ampla de Lula, invariavelmente levam a desastres políticos de longo prazo, profundos e de difícil superação. A perda da independência de classe levou a grandes traições históricas, como foi a política de frente popular com a burguesia na revolução chinesa do final da década de 20, a frente popular na França na década de 30 ou o ingresso do POUM na frente popular durante a guerra civil espanhola. Mais recentemente, o ingresso da esquerda no governo de Syriza  na Grécia, que pouco tempo depois de ganhar as eleições já estava traindo as expectativas das massas, o caso do Podemos na Espanha entrando em um governo nitidamente burguês como é o PSOE  ou a participação de grupos que se dizem revolucionários em governos petistas. Apesar das grandes diferenças de contexto destes exemplos, a política da participar de frentes populares invariavelmente leva ao atraso, desvio ou derrota das lutas fundamentais da classe trabalhadora – para além da sua desmoralização. 

Nós, do Socialismo ou Barbárie, em total oposição ao que tem proposto a maioria da direção do PSOL, defendemos a construção de uma federação partidária com partidos de esquerda independentes, como PSTU, PCB e UP. Essa é a única tática possível dentro da independência de classes e da estratégia de superar o PT pela esquerda. A federação com a REDE – que defende o MES – irá desequilibrar totalmente a correlação de forças em benefício da maioria da direção que quer não apenas chamar o voto a chapa Lula/Alckmin já, mas ser parte desse governo burguês de salvação nacional que será agente duro da exploração, opressão e repressão dos trabalhadores e dos oprimidos – uma ferramenta de legitimação das contrarreformas. Essa combinação política, federação com a REDE e ingresso na frente Lula/Alckmin, se for efetivada será a pá de cal na independência política do PSOL. Rechaçamos e denunciamos a perda total da independência política de classe que está sendo aprovada a portas fechadas, às costas da maioria dos militantes e filiados. Chamamos a um levante de toda a base contra essa política de liquidação do PSOL e exigimos a antecipação da Conferência Eleitoral para o mês de março e que seja feita de forma democrática – com representação direta dos militantes e filiados – para resolver tanto o tema da política de alianças quanto da federação partidária.