Por Martin Camacho
No dia 7 de fevereiro, foram realizadas eleições no país andino. Elas evidenciaram uma fragmentação política na votação e um deslocamento para a centro-esquerda, tendência já vista em vários países latino-americanos.
Para entrar no debate eleitoral, faremos primeiro um breve resumo dos acontecimentos que deram origem ao que está se representado nas eleições de hoje.
Desde a rebelião popular de 2019 contra o aumento dos combustíveis e os acordos com o FMI, que fizeram estremecer o governo Lênin Moreno, a fratura da sociedade está em evidência.
As rebeliões às vezes terminam abruptamente, devido algum fato que dá oxigênio ao governante atual, mas deixa toda uma estrutura frágil, instável e sem solução. O legado das rebeliões se estende ao longo dos anos que se seguem. E as eleições são um termômetro para entender como essas revoltas se expressam ideologicamente.
Derrota da linha dura do neoliberalismo
Não está sendo fácil fazer o trabalho sujo do FMI. Tanto Macri, na Argentina, como Lenin Moreno, no Equador, não conseguiram levar a cabo as medidas de ajuste impostas pelos abutres do imperialismo. Como resultado, nas últimas eleições, a candidata apoiada por Moreno, Ximena Peña, do partido Alianza País, obteve apenas 1,5% no primeiro turno.
Moreno foi o grande traidor, algo parecido com Temer no Brasil. Tendo sido vice-presidente de Correa, não demorou muito depois de vencer as eleições de 2017 para correr para o FMI.
Essa política foi o oposto do que se viu no governo anterior de Correa, com reformas mornas que implicaram em melhores condições de vida para os mais explorados. O índice de pobreza caiu de 37% para 25%, houve um aumento do salário-mínimo um pouco acima da média da região etc. Hoje, o salário básico é de cerca de US$ 400.
Em vez disso, o sucessor de Correa, Moreno, impôs um aumento de 123% nos preços dos combustíveis, cortes de salários e flexibilidade trabalhista neoliberal completa. Suas medidas derrubaram todas as conquistas de uma década de “estabilidade” política. Mas não contou com a reação popular massiva a essa política…
A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) consegue frear a tentativa de colocar o país à beira do colapso. Ela lidera um levante popular indígena em 2019 que freia repetidamente as tentativas neoliberais. Moreno, forçado a recuar, é hoje amplamente derrotado nas eleições também após a catástrofe de sua gestão da pandemia.
O primeiro turno das eleições
Esse quadro apontado acima se reflete no processo eleitoral. Em primeiro lugar, o candidato do Correismo, Andrés Arauz, obteve a maioria dos votos com 32,70%. Para vencer as eleições do primeiro turno, ele precisava ter 40% dos votos e uma diferença de 10% com o segundo. Haverá um segundo turno em 11 de abril.
Arauz tem o apoio do ex-presidente Rafael Correa e, muito provavelmente, será o futuro presidente do Equador. Isso mostraria que há uma mudança geral para a centro-esquerda dos governos na América Latina. Isso após breves experiências neoliberais em alguns países, como Macri na Argentina e os golpistas na Bolívia, ajudados por uma situação reacionária marcada pelo governo Trump nos Estados Unidos.
Depois do pleito, houve uma crise de quem ficaria em segundo lugar e passaria a disputar a presidência com Arauz no segundo turno. Aparentemente houve algum tipo de fraude eleitoral com as listas. A denúncia foi feita pelo candidato à presidência Yaku Pérez de Pachakutik – o braço político do movimento indígena.
Entre o segundo e o terceiro colocado houve apenas uma diferença de 0,3%. Por outro lado, Guillermo Lasso, o candidato liberal clássico da direita, obteve 1.830.045 dois votos, 19,74%. Um pouco mais abaixo, Pérez obteve 1.797.445 votos, 19,38%, o que o levou a pedir a recontagem dos votos. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em reunião com os candidatos concordou em contabilizar 100% da província de Guayas e 50% das atas em outras 16 das 24 províncias do país.
Apenas alguns dos 20 mil autos com suspeitas foram analisados, uma série de irregularidades conturbaram o país com mobilizações e denúncias de fraude eleitoral. A CNE reduziu para apenas 31 minutos os que deviam ser revistos e, assim, gerou divergências a favor de Pérez, que ficou de fora da segunda volta mesmo assim.
A partir desse momento, as mobilizações começaram a pressionar o governo para que recontasse todas as atas, foi convocada uma greve nacional com bloqueios de estradas e mobilizações em várias partes do país andino. A Confederação dos Povos da Nacionalidade Kichwa do Equador (Ecuarunari) declarou a mobilização permanente. A coisa foi finalmente resolvida a favor de Lasso. O segundo turno a ser disputado entre ele e a Arauz começou no último dia 16 de março.
Dois polos em disputa
Superficialmente, os dois candidatos seriam polos opostos. Apesar de o antecedente de Moreno servir de lição, em princípio o projeto de cada um é diferente. Vamos ver do que se trata.
Andrés Arauz é candidato do partido Unión por la Esperanza (UNES), foi ministro de Correa e obteve a tranquila primeira colocação com pouco mais de 3 milhões de votos. Ele é um jovem de 36 anos, economista formado nos Estados Unidos e pode ser o presidente mais jovem do Equador. Aliado ao progressismo, é colocado como a continuação de Correa. Se ele ganhar as eleições, supostamente enfrentará o FMI, mas veremos se ele realmente cumprirá o que promete.
Guillermo Lasso é um liberal clássico, banqueiro e empresário, que concorreu nas últimas três eleições. É candidato do Movimento Político Criando Oportunidades (CREO) e do Partido Social Cristão. Quanto às propostas de campanha, são de uma tendência clara da direita liberal populista, “não vamos ignorar o acordo com o Fundo Monetário Internacional. O que não vamos fazer é aumentar o IVA”. Ligado ao Opus Dei, é um adversário incansável da legalização do aborto em qualquer um dos casos. Sua bandeira é não voltar ao correismo usando o já típico espantalho de que o Equador pode “converter-se em uma Venezuela”. Em suma, ele é um reacionário de pleno direito.
Resta saber que posição Pachakutik e Yaku Pérez assuma para a segunda fase. Eles já cruzaram a fronteira de classe nas últimas eleições, quando apoiaram Lassaro nas eleições que deram a vitória a Lenin Moreno. Porém, com seu passado de luta, que se reforçou nos confrontos com o atual governo, alcançaram grandes sucessos entre os territórios da Serra e da Amazônia, mas também entre os jovens das cidades, com um discurso ambientalista e de defesa da Pachamama.
O conflito entre o movimento indígena e o Correísmo já se arrasta há muito tempo. Em toda a década de Correa, o governo se dedicou a perseguir lideranças que não se alinhavam com a política do governo. Por outro lado, o Congresso está dividido entre essas três forças políticas. Dos 137 deputados, Correísmo obteve 76 deputados, o centro-direita cerca de 49 e Pachakutik, 27.
É evidente que o movimento indígena tem força e agenda própria, muito além das idas e vindas da CONAIE. Ainda assim, a reivindicação por reforma agrária é uma bandeira histórica dos camponeses e indígenas. Foi uma promessa que Correa fez e não cumpriu, e favoreceu os negócios de grandes produtores agrícolas.
No dia 11 de abril, a população voltará às urnas. Não temos confiança em nenhum dos candidatos. O que é necessário é uma posição independente que não seja vendida na esquina do estado burguês e que, sim, levante as bandeiras contra a exploração capitalista e o confronto direto com os abutres do FMI.