ELEIÇÕES, AVANÇO DO REACIONARISMO E RESISTÊNCIA

Construir ações de massa de norte ao sul do país para derrotar o neofascismo nas ruas

ANTONIO SOLER

Na última pesquisa de intenção de votos do instituto IBOPE, Bolsonaro aparece com 57% e Haddad com 43% dos votos válidos, o que revela uma variação negativa de 2 pontos percentuais para o primeiro colocado e positiva de 2 pontos para o segundo. Em relação à rejeição, Haddad aparece com 41% e Bolsonaro com 40%, demonstrando que o candidato do PT reduziu em 6 pontos sua rejeição e o do PSL ampliou a sua em 5 pontos. Além disso, existe 13% dos eleitores que declarão anular seu voto ou estão indecisos.1 Essa oscilação positiva de Haddad está ligada a uma “onda democrática” que começa a se instalar no país, mas para que suplante a “onda reacionária”, a burocracia lulista tem que jogar todo o peso na mobilização dos trabalhadores, das mulheres e da juventude.

Crise, reacionarismo e traições

Não resta sombra de dúvidas de que Jair Bolsonaro é um candidato neofascista pela formação, programa político, base social e direção. Mas o fato de ser neofascista não significa que se eleito irá automaticamente instaurar um governo bonapartista ou neofascista tal qual. Para tanto, um cenário mais avançado de ruptura com a democracia formal precisa ocorrer através de um processo mais avançado de lutas políticas que extrapole o processo eleitoral. Ou seja, é um quadro que não pode se resolver apenas dentro dos marcos eleitorais.

Pelo seu histórico de militar ligado à ala mais reacionário do exército, que no final da carreira foi acusado de tramar atentado a bomba para inflamar o regime contra o movimento Diretas Já, de parlamentar medíocre, que se dedicou a se posicionar contra os interesses dos trabalhadores, e de apologista da repressão, da tortura, da violência contra mulheres, negros e homossexuais, constitui um perfil pessoal típico dos personagens que assumem o comando de regimes autoritários. No entanto, um perfil pessoal só ganha vulto em um determinado ambiente político, se for “promovido” à representante de um determinado projeto, se tiver apoio de dirigentes, intelectuais, partidos, sindicatos e setores sociais.

A candidatura de Bolsonaro só pôde se constituir a partir de uma longa crise econômica, na manobra reacionária do impeachment de 2016, nos ataques aos trabalhadores, no desemprego em massa, no arrocho salarial, na violência urbana crescente, na piora geral das condições de vida das massas. A crise econômica, a ruptura da burguesia com o pacto social e a manobra reacionária do impeachment, as contrarreformas de Temer e o conjunto das traições do PT possibilitaram, portanto, que uma onda reacionária avançasse sem que a classe trabalhadora e os oprimidos pudessem resistir à altura.

A combinação desses fatores possibilitou o desenvolvimento de uma situação reacionária, uma onda eleitoral galvanizada pela extrema direita que pode acabar instalando no país de um governo com características bonapartistas que se apoie em um movimento protofascista que passe a fazer ataques a manifestantes, mulheres, negros, homossexuais e faça pesadas chantagens sobre o Estado para que esse feche todas as liberdades democráticas.

Além de toda a movimentação que fez a classe dominante e seus representantes políticos, possibilitando o giro reacionário em que vivemos, não podemos desconsiderar em nosso “esquema” explicativo o papel do lulismo para o surgimento, fortalecimento e possível vitória eleitoral dessa onda reacionária. Essa tomada analítica do processo, a partir unicamente dos movimentos da burguesia e suas frações, seria de uma tremenda unilateralidade que em nada ajudaria a entender o fenômeno, pois sem as traições da burocracia lulista, a onda reacionária, os ataques aos direitos e o esgarçamento das garantias democráticas teriam enfrentado uma resistência muito maior e o vetor dos acontecimentos não seria o mesmo.

Não podemos desconsiderar que o lulismo pactuou com a classe dominante, não fez nenhuma reforma de fato em 14 anos de gooverno fedeeral e teve a política sistemática de tirar a política das ruas ao usar o governo federal para cooptar as mais importantes organizações de massas. Posteriormente, ao não conseguir cooptar a onda juvenil de 2013, construiu uma frente com o judiciário, com a burguesia e os meios de comunicação para reprimir as lutas salariais e contra a Copa em 2014.

Após a vitória em outubro de 2014, cometeu um estelionato eleitoral ao governar com o programa neoliberal do derrotado PSDB. Durante o processo de impeachment em 2016, em vez de mudar o rumo do governo, apostou ainda em uma tentativa de reatar o pacto social com a classe dominante através da Lei Antiterrorismo e do congelamento dos salários dos servidores federais. Mas era irreversível o processo, a ruptura de importantes frações da burguesia já tinha se dado e o PT e o governo não mudaram a politica governamental, não apostaram na mobilização de massas para reverter o impeachment e foram expulsos dos governo federal.

Em 2017, a burocracia lulista traiu processos decisivos de luta contra o governo Temer, como foi o caso do movimento contra a “reforma” da Previdência e, também, não mobilizaram contra a “reforma” trabalhista. contra a intervenção militar no Rio de Janeiro e por justiça para Marielle Franco. Depois de tudo isso, mesmo depois de várias mostras de que a burguesia havia rompido com o pacto social e se inclinava pela via do reacionarismo aberto, fato manifestado em processos arbitrários que levaram ao impeachment de Dilma e à condenação de Lula pela Lava Jato, Lula se entrega à Lava Jato com o argumento de que “confiava na justiça”.

Para finalizar a série desastrosa de traições, não impulsionaram a mobilização independente das mulheres contra Bolsonaro no primeiro turno e não o combateram nos programas eleitorais por considerarem que seria o candidato mais fácil de ser derrotado no segundo turno.

Essa breve pincelada sobre o lulismo nos últimos anos tem o objetivo de demonstrar que sua política foi crucial para a conformação da atual correlação de forças políticas e, portanto, para o surgimento de um fenômeno de direita (Bolsonaro) dessa magnitude e gravidade.

O unilateralismo analítico que extrai o papel dessa burocracia traz problemas políticos sérios para a esquerda socialista. Em primeiro lugar, ao não captar o peso que teve a política da burocracia quando nesses anos conteve, desviou ou traiu a luta dos trabalhadores, não capta que, mesmo sendo gravíssimo o avanço do reacionarismo, existem reservas de combatividade desde baixo que não estão esgotadas. O que, longe de diluir a tendência reacionária, identifica no interior da realidade contratendências políticas que não podem ser esquecidas e que podem no próximo período, mediante a dureza dos ataques de um possível governo Bolsonaro, serem acionadas de forma mais ou menos espontânea.

Por outro lado, desconsiderar o papel dessa burocracia para a composição da atual situação leva ao desarme total em relação à necessidade de se construir uma alternativa estratégica de superação da burocracia lulista no interior do movimento de massas – o que será cada vez mais decisivo para que possamos avançar na resistência, retomada da ofensiva e da luta anticapitalista. Ou seja, pode estar denotando um abandono do projeto de construção de fortes correntes/partidos revolucionários de vanguarda que possam em momentos de ascenso disputar a direção do movimento de massas.

Um governo semibonapartista

Diante do fracasso do reacionário governo Temer em impor as contrarreformas até o final (contrarreforma da previdência, privatização generalizada das estatais, fim generalizado dos direitos e profundos retrocessos éticos), a classe dominante aposta em um governo com características bonapartistas que seja preventivo à possibilidade de um processo de resistência generalizada aos ataques que estão se armando contra a maioria do povo.

O conjunto das medidas regressivas que a classe dominante pretende aplicar depende da possibilidade de se estabelecer um governo burguês “anormal”. Um governo ainda mais tutelado pelas forças armadas do que é Temer, que imponha ao Congresso “reformas” e que não ceda diante das pressões de baixo. Ou seja, um governo muito perigoso porque pode abrir as portas para um fechamento total do regime, para medidas abertas de exceção, para a dura repressão de movimentos sociais e prisão generalizada de lideranças.

No início de seu governo poderá dispor de instrumentos legais, tais como medidas provisórias, decretos de garantia da lei e da ordem e de uma legislação repressiva – desenvolvida inclusive pelos governos petistas – tal como a “legislação antiterrorismo”. Mas para impor as contrarreformas que pretende, a classe dominante e seu governo de turno precisará esgarçar ainda mais os direitos democráticos, terá que avançar contra os direitos de organização, terá que fazer recuar os movimentos sociais, as mulheres e a juventude.

Para avançar em relação à restrição ainda maior dos direitos democráticos, na superestrutura, um governo Bolsonaro precisará ter o apoio de um movimento de massas que o dê suporte político nas ruas. Para tanto, irá se apoiar em um movimento de massas protofascista que tem sido fomentado desde 2015 e que teve papel decisivo no processo de impeachment de Dilma e na onda reacionária que vivemos desde então.

Não podemos prever os desdobramentos políticos de um governo Bolsonaro, apenas indicar algumas tendências. E a nosso ver, esse tende a não se constituir como um governo burguês “normal”, mas também não será de imediato um governo bonapartista. Pois, para isso, precisará estabelecer uma ruptura institucional significativa com os mecanismos da democracia burguesa, tais como a divisão de poderes, controles e contrapesos do ente com os demais poderes. O que exige não apenas uma vitória eleitoral. mas o estabelecimento de uma correlação de forças política que vá para além das eleições e que só pode ser estabelecida através de processos políticos e de enfrentamentos de forças que não se restringe aos limites das instituições da democracia formal. Ou seja, serão resolvidos nas ruas.

É por isso que Bolsonaro demonstra flexibilidade em suas propostas em vários terrenos, menos sobre a relação que quer impor com o movimento social e com a esquerda. No dia seguinte a confirmação de que disputaria o segundo turno, com uma margem importante de votos em relação ao segundo colocado (Haddad), Bolsonaro declara que não iria “tolerar ativismo”. E não parou por ai, no último domingo, mesmo correndo o risco de perder votos, em uma demonstração aberta de reacionarismo, fez um discurso por telefone à apoiadores que se concentravam na avenida Paulista dizendo que “vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil”, “esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria” e que irá “tipificar as ações do MST e MTST como terrorismo”. 2

Claro que são declarações que não podem ser tomadas por políticas concretas e muito menos por fatos, mas apontam um sentido claro de qual será a estratégia de um possível governo Bolsonaro. Ou seja, um governo semibonapartista preventivo que pretende se apoiar em um movimento de massas protofascista com o objetivo de impor um processo de contrarreformas neoliberais em todos os campos, privatizar o conjunto da economia e em poucos anos estabelecer um patamar de exploração da classe trabalhadora qualitativamente superior.

Em contrapartida a essa tendência à direita, no que pese as traições lulistas, não temos até então nenhuma derrota estrutural do movimento operário, do movimento de mulheres ou da juventude. Assim, convivem na realidade uma tendência predominante, mas também uma contratendência à onda ultrarreacionária que precisam ser observadas com atenção, avaliadas suas possibilidades e permanentemente estimulada pela esquerda socialista.O instinto de sobrevivência de classe e dos oprimidos tende a ser acionado diante dos profundos ataques que estão por vir. Além disso, cabe aqui retomar o fato de que também atuam na realidade as contratendências que apontamos acima. Se a classe trabalhadora e os oprimidos sofreram ataques nos últimos anos, não foram derrotados na luta direta, nas greves e nas ruas, e isso tem importância para os póximos lances políticos depois das eleições.

Vivemos uma dinâmica na qual as traições da burocracia lulista vetou, desviou e enfraqueceu a resistência dos trabalhadores, permitindo assim que a classe dominante avançasse em seus ataques e estabelecesse uma correlação de forças muito adversa, uma situação política com rasgos reacionários e a perspectiva da ascensão de um governo semibonapartista.

No entanto, Bolsonaro precisará enfrentar a resistência de fato dos setores que serão diretamente afetados por suas políticas. Nesse sentido, cabe dizer que o resultado eleitoral não coloca de antemão um resultado direto da luta de classes e nem a inevitabilidade da imposição dos projetos que foram legitimados nas urnas. Pois, o mesmo trabalhador que foi convencido a votar em Bolsonaro, diante de ataques as suas condições de trabalho, de vida e de organização será impelido a resistir. Além disso, como não houve batalhas diretas com a classe dominante e o seu Estado, contraditoriamente, existem reservas de combatividade que poderão ser postas em ação diante dos ataques de Bolsonaro.

Além do movimento de mulheres que hoje é o mais dinâmico hoje, batalhões importantes da classe trabalhadora e da juventude – setor esse demonstrou enorme dinamismo nos últimos anos protagonizando uma onda de ocupações nas escolas e universidades de todo o país contra os ataques à educação – não sofreram derrotas na luta direta e irão diante dos inevitáveis ataques do próximo governo reagir, articular a resistência e voltar a se mobilizar massivamente. Essa contratendencia da resistência dos explorados e oprimidos não pode ser esquecida em nenhum esquema, pois irá se chocar com a forte tendência ao avanço do reacionarismo, das contrarreformas e da repressão ao movimento social e à esquerda.

Frente única para derrotar o neofascismo nas eleições e nas ruas

A ampla unidade de ação para derrotar Bolsonaro não pode passar apenas pela “disputa dos votos”, estamos diante de uma eleição em que só podemos derrotar Bolsonaro a partir da combinação entre disputa eleitoral e mobilização direta.

A partir do resultado das pesquisas de intenção de voto publicadas ontem, um novo ânimo toma conta da campanha de Haddad, assim reverter a situação e derrotar Bolsonaro no dia 28 é difícil, mas não é impossível.

O fundamental agora é continuar apostando no processo de mobilização, em uma campanha de rua e também na ação direta. Por isso, cabe à esquerda socialista realizar uma ampla exigência de que a burocracia sindical e política jogue todo o peso na construção de grandes mobilizações em todo o país, com dias de paralisação e atos massivos…uma verdadeira rebelião político-eleitoral antifascista precisa ser construída.

A frente única contra o fascismo não pode se confundir com ausência de diferenciação. Não fazer parte da construção de frentes antifascistas antes e depois das eleições é de um sectarismo atroz, porém, fazê-lo sem se diferenciar da burocracia para construir alternativas de direção independentes, não passa de oportunismo. Essa diferenciação passa pela exigência sistemática – sem deixar de se fazer as devidas denúncias – de que a burocracia lulista e não lulista mobilize para derrotar Bolsonaro. 

É preciso, nesse cenário de possível virada do jogo, que a esquerda socialista organize diretamente a luta e, também, exija do PT e da CUT que joguem todo peso na construção de ações multitudinárias apoiando-se no movimento de mulheres, vanguarda nesse momento, e na construção de Comitês Antifascistas para organizar a luta de forma democrática e independente antes e depois das eleições.

 

1 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/ibope-mostra-bolsonaro-com-57-dos-votos-validos-e-haddad-43-no-2o-turno.shtml

2 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/folha-e-a-maior-fake-news-do-brasil-diz-bolsonaro-a-manifestantes.shtml