Nas últimas cinco semanas, professores do Chile iniciaram uma greve contra a reforma do programa de estudos proposto pela ministra da Educação Marcela Cubillos (que torna eletivas disciplinas de história, arte e educação física), para a melhoria das condições de edificações e sanitárias e da Dívida Histórica que o Estado chileno tem com os professores.
Nano Menyón – 7 julho de 2019 – izquierdaweb.com
No dia 3 de junho, a Associação dos Professores do Chile (sindicato de professores do ensino primário e secundário) iniciou uma greve por tempo indeterminado, reivindicando uma lista de demandas, como a revisão da reforma do currículo da Escola Secundária, que tornas opcionais as disciplinas de História, Arte e Educação Física (num país com maior índice de obesidade infantil na América Latina e quinto no mundo) [1], reconhecimento profissional de professores diferenciados, melhorias nas condições arquitetônicas e sanitárias (pragas de ratos foram relatados em várias escolas) e o reconhecimento da Dívida Histórica com os professores como funcionários públicos [2]. Ontem, 3 de julho, milhares de pessoas se mobilizaram nas ruas de Santiago, no início da quinta semana da greve.
O debate sobre a educação no Chile vem de muito tempo atrás, desde a ditadura de Augusto Pinochet. Naqueles anos, a transferência da educação pública para a esfera municipal foi estabelecida. O controle do Estado sobre a criação de instituições privadas (especialmente nas universidades) foi relaxado e a universidade pública foi totalmente sucateada. Todas, medidas em favor de um objetivo único: a privatização do sistema educacional chileno para colocá-lo a serviço dos mercados e não dos trabalhadores. Em 1990, antes de sair, ele emitiu o decreto-lei da LOCE (NT.: Lei Orgânica Constitucional de Ensino, que dentre outros artigos contem um que proíbe a existência de uma educação militante, no sentido de que a educação não pode propagar orientação político partidária – ou seja, o famigerado Escola Sem Partido), que deu status legal a essas reformas privatizadoras.
De fato, o processo de privatização foi muito duro: apenas 30% frequenta os institutos municipais, instituições privadas foram criadas em todos os lados sem qualquer controle do Estado (ver o caso da Universidad del Mar, uma “universidade” cujo objetivo na realidade era lavar dinheiro para as empresas imobiliárias, e que acabou fechada em 2012) e um sistema de crédito sinistro foi estabelecido, onde o estudante fica devendo a vida toda para cobrir suas despesas universitárias [3].
O modelo neoliberal que Pinochet impôs não foi alterado em sua essência, mas nos últimos anos o setor da educação saiu para enfrentá-lo. Em 2006, assim que Michelle Bachelet assumiu, o pontapé inicial ocorreu com a chamada “Revolução dos Pinguins”. Milhares de alunos do ensino médio (coloquialmente chamados de pinguins por seu uniforme característico) tomaram as ruas para exigir a revogação da LOCE, que eles conseguiram após a promulgação da nova lei de educação em 2007. No entanto, o movimento estudantil (apagado até então) permaneceu como um dos movimentos mais dinâmicos, mobilizando-se e organizando-se. Não é de surpreender que em 2011 os estudantes, desta vez os universitários, tenham voltado às ruas. Nesse ano houve um atraso no depósito das bolsas, e com a experiência de anos anteriores partiram para marchar por Santiago contra todo o sistema educativo, exigindo que o Estado tenha maior interferência na educação.
A atual luta começou em 2018. Em abril, o Colégio de Professores (NT: associação gremial nacional do magistério chileno, criada em 1974 pela ditadura, mas, desde 1986, nas mãos dos professores) apresentou uma queixa em relação à situação educacional: as escolas sofrem de pragas de roedores, falta de elementos básicos de higiene e material pedagógico. Além disso, exigem demandas históricas como as que os docentes que trabalham em escolas especiais sejam considerados por seu trabalho e da famosa Dívida Histórica, pelo que o aumento salarial geral para os funcionários nacionais não é reconhecido desde 1981. A isso foi adicionada a reforma curricular. naquele ano, onde os temas de História, Arte e Educação Física se tornam opcionais no 3º e 4º ano do ciclo médio.
O governo de Sebastián Piñera, com sua ministra da Educação, Marcela Cubillos (defensora fiel da ditadura de Pinochet), fez ouvidos moucos a essas reivindicações e progrediu no esvaziamento do sistema educacional: em novembro o Ministério fica sem Diretor Nacional de Educação, e ninguém é nomeado para substituí-lo.
Assim, em 26 de maio de 2019, um ultimato é emitido: se o governo não oferece respostas, no dia 3 de junho começará uma greve “por um período indefinido”, anunciou o chefe do sindicato Mario Aguilar.
Ao longo deste mês, os professores receberam numerosos apoios: primeiro juntaram-se os alunos do ensino médio e do Confech (estudantes universitários) e depois se acrescentaram apoios de numerosos setores de trabalhadores, como a ANEF (funcionários públicos), os estivadores, os mineiros. e os trabalhadores da saúde, que chamaram uma greve na quinta-feira, 4 de julho, em solidariedade aos professores e contra o ajuste de Piñera na saúde pública.
Durante estes dias, houve numerosos exemplos de unidade entre os trabalhadores: em Antofagasta, três mil pessoas se reuniram nas ruas, recebendo o apoio dos mineiros da cidade. Além disso, soma-se o setor portuário em Valparaíso e os acima mencionados trabalhadores públicos e de saúde.
Marchas maciças, cacerolazos ocorrem em várias cidades. Em Santiago eles são as mais convocadas, mas também em lugares como Valparaíso e Antofagasta milhares de pessoas se reúnem nas diferentes atividades. A greve tem altos níveis de apoio entre a população, e o governo está sofrendo uma severa rejeição por ter dado as costas à reivindicação dos professores, especialmente a ministra Cubillos.
É hora da central dos trabalhadores do país, a CUT, convocar assembleias para organizar uma grande greve nacional em apoio à greve dos professores e contra o governo neoliberal de Piñera. Assim, a greve dos professores pode ser uma ponta de lança contra as políticas de privatização e ajuste que o Chile está passando, e mais profundamente terminar com o modelo estabelecido pelo ditador Pinochet, que está profundamente enraizado e é fortemente contrário aos interesses dos trabalhadores, dos estudantes, dos jovens e das mulheres do país.
Viva a luta docente do Chile!
[1] Ver “Aumento de la obesidad en chile y en el mundo”, 2018, Dr. Fernando Vío del Río.
[2] Acontece que, durante a ditadura de Pinochet, em 1981, foi acordado um aumento salarial para funcionários públicos que nunca foi concedido aos professores.
[3] A tarifa média de qualquer universidade é geralmente 130% do salário mínimo anual. Os créditos estaduais geralmente têm prazos de 15 anos e os créditos privados podem chegar a 30 anos.
Tradução: José Roberto Silva