O texto abaixo é o último tópico de um artigo com o nome e intenção acima publicado na Revista Internacional Socialismo o Barbárie nº 33/34. Reafirmando a tese central de Marx de que “a história do mundo é a história da luta de classes”, aponta para a construção de um futuro que, mesmo e principalmente sob a égide dos tempos da informatização e inteligência artificial, é tarefa libertadora dos explorados e oprimidos.

Seu autor Marcelo Giecco, camarada militante de Nuevo MAS e da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, a quem aqui homenageamos, faleceu recentemente em 06/03/2022

O horizonte socialista

MACELO GIECCO, 29 de outubro de 2018

Keynes previu em 1930 um rápido progresso tecnológico nos próximos 90 anos e uma nova doença, o “desemprego tecnológico”, onde os homens seriam substituídos por máquinas; mas, em vez de uma ameaça, ele viu nisso uma grande oportunidade. Ele previu que até 2030, a semana média de trabalho seria reduzida para 15 horas, dando origem a uma nova “classe ociosa”. Os ludditas, que no início do século XIX protestaram contra as novas máquinas que estavam eliminando empregos na Inglaterra, destruindo máquinas e fábricas e até mesmo confrontando o exército britânico, conheceram de perto esta “novidade” e “lazer”. Eric Howsbawm diz que eles se envolveram em “negociações coletivas por motim“, pois os sindicatos foram proibidos, e o Estado respondeu de forma exemplar: seus líderes foram enforcados ou deportados.

Robôs, inteligência artificial ou a internet, o desenvolvimento tecnológico em geral, não são inimigos da classe trabalhadora; eles podem ajudar a criar uma sociedade de superabundância, reduzir o trabalho ao mínimo, proteger o meio ambiente e não continuar a destruir o planeta. Mas o principal obstáculo para isso é o capital. Enquanto os meios de produção estiverem nas mãos de poucos, o resultado será o oposto. O colunista Martin Wolf, do Financial Times, colocou dessa forma: “A ascensão das máquinas inteligentes é um momento na história. Isso vai mudar muitas coisas, inclusive nossa economia. Mas seu potencial é claro: tornarão possível para os seres humanos viverem vidas muito melhores. Se eles acabam fazendo isso, depende de como os ganhos são produzidos e distribuídos. É possível que o resultado final seja uma pequena minoria de grandes vencedores e um grande número de perdedores. Mas um tal resultado seria uma escolha, não um destino”. Na verdade, é uma “escolha” social ou, mais precisamente, será o resultado da luta de classes sob o capitalismo.

O próprio Marx viu dessa maneira: “Na medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza efetiva torna-se menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregado do que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que por sua vez não tem relação com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas depende antes do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção. O trabalho não aparece mais como um recluso no processo de produção, mas o homem se comporta como supervisor e regulador em relação ao próprio processo de produção. Ele aparece ao lado do processo de produção, e não como seu agente principal.

Nesta transformação, o que aparece como o pilar fundamental da produção e da riqueza não é nem o trabalho imediato realizado pelo homem nem o tempo que ele trabalha, mas a apropriação de seu próprio poder produtivo geral, sua compreensão da natureza e seu domínio dela através de sua existência como corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do indivíduo social.

O roubo do tempo de trabalho alheio, no qual se baseia a riqueza atual, aparece como uma base miserável em comparação com este fundamento recém-desenvolvido, criado pela própria grande indústria. Tão rápido como o trabalho em sua forma imediata deixou de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem que deixar, de ser sua medida, e assim o valor de troca [deixa de ser a medida] do valor de uso.

O próprio capital é a contradição em processo, [pelo fato de] que tende a reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto por outro lado, faz do tempo de trabalho a única medida e fonte da riqueza. Assim, ele diminui o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, a fim de aumentá-lo sob a forma de trabalho excedente; assim, em medida crescente, o trabalho excedente como condição – question de vie et de mort – do trabalho necessário. Por um lado, desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, bem como da cooperação e do intercâmbio social, a fim de tornar a criação de riqueza (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado na mesma. Por outro lado, propõe medir essas gigantescas forças sociais criadas desta forma e reduzi-las aos limites necessários para que o valor já criado se conserve como valor.

As forças produtivas e as relações sociais – umas e outras, diferentes aspectos do desenvolvimento do indivíduo social – reaparecem ao capital apenas como meios, e nada mais são para ele do que meios para produzir fundamentado em sua base mesquinha. Na verdade, porém, elas constituem as condições materiais para lançar a essa base pelos ares“.

Mas o futuro está aberto. A curva do desenvolvimento capitalista não pode ser traçada a priori, “porque os elementos políticos e de luta de classes, cujos desenvolvimentos são sempre e por definição abertos, são impossíveis de predeterminar” (R. Sáenz, 2009). Como Michael Roberts adverte: “Não está escrito que a estagnação atual não pode ser superada e que o capitalismo não pode ter um novo período de desenvolvimento, se o fim desta longa depressão não levar à substituição do modo de produção capitalista pela ação política dos movimentos da classe trabalhadora. Além disso, não é de forma alguma certo que o capitalismo maduro ainda não possa desenvolver e explorar novas tecnologias, mesmo que tenha falhado até agora”.

De nossa parte, gostaríamos de salientar que a crise econômica mundial mais grave desde os anos 30 passou a fase mais aguda, mas nem os robôs nem os algoritmos tem permitido relançar a acumulação, passando para uma fase ascendente. Se o capitalismo conseguir destruir o capital excedente, despedir trabalhadores suficientes, ampliar a desigualdade social, aumentar a extração de mais-valia e recuperar a taxa de lucro, então poderá ter um novo sopro de vida.

Serão as novas gerações de trabalhadores, a juventude e o movimento de mulheres, com sua luta, que poderão determinar o curso dos acontecimentos, e não o farão em condições adversas, mas em uma nova época de crises, guerras e revoluções, a época das revoluções socialistas.

Tradução: José Roberto Silva

Republicado em 02/04/2022 em https://izquierdaweb.com/el-horizonte-socialista/