Rita Von Hunty sofre ataques após defender tática eleitoral independente no primeiro turno

Frente à profunda crise de alternativa e de direção, e prevendo as futuras, e perigosas, consequências deste vácuo político deixado pela esquerda, Rita Von Hunty incomoda os burocratas acomodados em seus aparatos privilegiados ao engrossar o coro junto aos setores da esquerda que defendem candidaturas próprias, com programas radicais anticapitalistas e pautados na mobilização permanente para derrotar Bolsonaro.

Deborah Lorenzo

Após o discurso do ex-presidente Lula no lançamento de sua chapa com Alckmin, que ocorreu no último sábado (7), a influenciadora drag queen Rita Von Hunty, personagem de Guilherme Terreri, postou uma sequência de stories manifestando sua profunda preocupação e descontentamento. Segue trecho transcrito:

Ontem, com o lançamento oficial da candidatura da chapa Lula-Alckmin para a presidência, um episódio se encerra na jornada de pré-campanha. Eu fico profundamente triste com como o cenário vai se construindo para a política institucional no Brasil, mais uma vez, mesmo havendo pouquíssima expectativa, esperava ao menos a dignidade de Lula assumir compromisso com uma agenda que revogasse (no mínimo) as reformas neoliberais de 6 anos de Temer-Bolsonaro. Nem isso tivemos.

Esta conjuntura, essas contradições vão exigir de nós MUITA postura crítica e muita capacidade de organização. O cenário do ‘é que tem para hoje’ não pode se normalizar, porque – além de reacionário – ele faz morrer qualquer desejo radical de transformação. Acredito que, mais do que nunca, este momento nos compele a um voto radical no primeiro turno, que cumpre também uma função de mostrar nossa recusa e insatisfação a esta chapa.” 

Em continuação, convoca, também, os seguidores a acompanharem candidaturas construídas a partir de uma matriz mais radical.  O que ocorreu nos dias seguintes foi uma avalanche de hostilidades e ataques pessoais contra Rita, sobretudo daqueles que se dizem preocupados em “derrotar o fascismo…”. 

Deseducar para não resistir 

Não é novidade que o PT e seu aparato burocrático lançam mão de táticas de desmobilização das lutas diretas das massas há décadas. Seja com represálias, seja com barganhas reformistas. E é justamente por ser um dos maiores partidos ditos de esquerda, cujo alcance e influência sobre a mentalidade da população são expressivos, que o que presenciamos neste episódio com a YouTuber Rita é, nada mais, do que um produto político destes longos anos de deseducação da consciência de classe que operou Lula, PT e toda burocracia que dirige o movimento de massas. 

Em uma análise dessa subjetividade, a hostilização que sofreu a influencer são carregadas de crenças, construídas por décadas, após inúmeras traições das lutas e dos governos de conciliação de classes de Lula, de que “não há outra maneira de vencer senão nos aliando à classe dominante”, “não há porque resistir, não adianta em nada”, “ somos fracos demais para enfrentá-los”, e por aí vai. Uma cartografia pedagógica que evidencia o papel que a herança histórica do possibilismo e das conciliações tem sobre a sociedade brasileira. Há, portanto, uma combinação de um baixo nível na luta de classes (por motivos que já citamos) com uma movimentação de cúpula e arranjo com setores reacionários – Alckmin – para levar adiante, mais uma vez e sob uma roupagem “progressiva”, um projeto de conciliação de classes que impeça toda e qualquer mobilização independente dos de baixo – uma peça de caráter preventivo para a classe dominante nacional.  

Além das inúmeras contrarreformas que arquitetaram em nome da governabilidade, dos cargos e do aparato, o maior dano que o PT e o lulismo, dentro dos sindicatos, dos movimentos que dirige e de seus governos, infligiram à classe trabalhadora foi o da desmoralização e liquidação de princípios, estratégias e táticas classistas para o enfrentamento a este modelo de sociedade. Isto é, o lulismo acabou por ser a principal ferramenta que enraizou a miséria do possível nas ultimas décadas – agora ganha o PSOL como partido sustentador desta política -, que contribuiu para o baixo nível da luta de classes no Brasil, elemento que serviu para abrir caminho para a ofensiva reacionária, e, que agora, por trás do mantra de derrotar Bolsonaro logra inverter a própria lógica da esquerda, passaram a criticar os críticos de figuras como Alckmin e de um programa burguês que sustenta esta chapa para o grande capital e aos burgueses. 

O web-exército em prontidão para reprimir qualquer crítica à chapa Lula-Alckmin, bem como qualquer análise mais profunda e programática, sintetizam perfeitamente a forma como (co)agiram por todos estes anos as burocracias petistas toda vez que qualquer crítica, auto-oganização e processo independente desse o mínimo sinal de existência. Qualquer fagulha deve ser controlada antes que se torne um incêndio.

Neste sentido, contribuir para que as massas construam uma consciência revolucionária – a consciência predominantemente reformista está atrelada, sobretudo, a estabilidade da democracia burguesa – será um enorme desafio e responsabilidade para o futuro próximo, uma necessidade histórica como dizia Rosa Luxemburgo. Sobretudo em uma conjuntura na qual o odor pútrido do fascismo se avizinha e o papel da luta de massas pelas ruas será decisivo. 

A política do “é o que tem pra hoje” e o avanço neofascista 

É justamente pela necessidade urgente de educar e resistir que temos acordo com Rita. A política do “é o que tem” deixa um enorme vazio tático e estratégico que permite, contrariamente ao que acreditam os fiéis apoiadores de Lula, o avanço das forças reacionárias e neofascistas. Aqui vale ressaltar que é interessante ao próprio lulismo, uma vez que o baixo nível da luta de classes é inversamente proporcional a Lula e ao PT, isto é, o lulismo só pode carregar esse verniz  de “salvador”, ser a última e única esperança, pois a classe trabalhadora todavia não ganha terreno na política como sujeito ativo. 

Temos ciência de que Lula é o único capaz de derrotar Bolsonaro nas urnas e chamaremos voto ultra crítico quando for o momento. Contudo, a única força capaz de derrubar ao chão os pilares extraparlamentares que sustentam o bolsonarismo – e o neoliberalismo representado por Alckmin na chapa de Lula –  é a organização e mobilização independente das massas. Do contrário, assumimos o risco de entregar nossos direitos democráticos e sofrer outros ataques sem a menor resistência. O 7 de setembro é um exemplo importante que demonstra que as ruas todavia seguem tencionadas pela direita e pela extrema-direita. Neste dia a esquerda fracassou em colocar um limite ao ensaio golpista de Bolsonaro, tendo figuras importantes dizendo para não saírem às ruas pois seria perigoso – um escândalo. 

Outro ponto, mais profundo, é que há uma necessidade histórica de superar a crise de alternativa e de direção que possa aparecer como horizonte estratégico aos explorados e oprimidos – que os convençam na necessidade de arrancar coletivamente alegria ao futuro. Para tanto, construir uma nova consciência, uma consciência revolucionária entre setores de massas, com princípios, estratégia e táticas socialistas passa por uma combinação de tarefas: a mobilização pela base para derrotar Bolsonaro e a apresentação pedagógica de um programa que sintetize, a partir de uma realidade concreta, uma política também concreta a serviço dos interesses imediatos e históricos de nossa classe. 

É justamente por entendermos a importância conjuntural e histórica de derrotar Bolsonaro que não abrimos mão dos axiomas revolucionários forjados ao curso da história pela experiência do movimento operário, se quer dizer, dos princípios do marxismo revolucionário. Quando estes, os princípios, foram deixados de lado (quando se abre mão dos princípios se abre mão inevitavelmente da estratégia socialista) o preço pago pela classe trabalhadora foi imenso, com consequências objetivas e subjetivas todavia muito presentes nos dias de hoje.

Diante deste cenário e fincados sob um inegociável compromisso com a classe trabalhadora e o seus interesses, tendo como balanço as experiências do século XX, é que entendemos a vitalidade de que não podemos não dizer as coisas como elas são e permanentemente contribuir para a educação política e a politização da militância e da base operária. Apontamos aqui um dos princípios fundamentais para esta discussão: o de sempre dizer a verdade, por mais amarga que esta seja. Mentir para o conjunto da militância e dos trabalhadores é uma característica típica da burocracia, como fez e segue fazendo o lulismo. Por isso, aos socialistas revolucionários cabe, insistentemente, o ato de desmascarar a ficção da burguesia, mas também da burocracia e dos reformistas. 

Assim, solidarizamo-nos com Rita Von Hunty, com todas lutadoras e lutadores que cumprem hoje a dura, porém necessária, tarefa de resistir e apresentar um novo curso à classe trabalhadora. Colocamo-nos, também, Socialismo ou Barbárie, como um ponto de aglutinação para todos aqueles que queiram construir conosco uma corrente política militante, socialista e revolucionária.