Na última semana assistimos a uma série de eventos pela superestrutura política que tiveram impacto nacional, mas que por si só não são capazes de mudar a correlação de forças e abrir um processo de ofensiva contra o governo. Assim está reafirmada uma conjuntura de avanço das contrarreformas, de resistência atomizada da classe trabalhadora, de recuo momentâneo das ameaças golpistas e de refluxo do movimento pelo impeachment devido, em grande medida, à estratégia da burocracia de levar a disputa para 2022. Porém, as contradições, a indignação e a resistência crescem de forma molecular e precisam encontrar formas de unificação para que possamos virar o jogo.
ANTONIO SOLER
Com a ausência do movimento de massas nas ruas, os fatos desfavoráveis ao governo da última semana – relatório da CPI da Covid no Senado, a suspensão das contas de Bolsonaro nas redes sociais, o fim da Bolsa Família, a alta inflacionária e a deterioração geral das condições de vida das massas – não podem por si derrotar Bolsonaro e a ofensiva neoliberal.
São esses fatos todos os elementos que colocam mais lenha na fogueira, aumentam a pressão sociopolítica e criam um ambiente político mais favorável à rebeldia, mas sem a luta direta não alteraram a correlação de forças de forma a permitir abrir um processo de resistência massiva aos ataques dos trabalhadores que se dão em todos os níveis da federação, muito menos, a abrir um processo imediato de cassação do governo.
Em que pese todos os descalabros deste governo: negacionismo, golpismo, ecocídio, ameaças de furar o teto dos gastos – e toda a instabilidade financeira criada em torno desse tema – para criar o Auxilio Brasil e etc, a classe dominante se divide em torno de manter Bolsonaro ou não no poder, porque uma parte está tendo os seus lucros ampliados pela sua política e a outra teme que um processo de impeachment acabe por liberar energias da classe trabalhadora capazes de colocar em questão as contrarreformas que estão em curso ainda.
Desta forma, somado ao apoio que tem do fisiologismo no Congresso, mesmo com muita divisão, a balança da classe dominante ainda pende a favor de manter Bolsonaro na Presidência tentando normalizá-lo até as próximas eleições. Mais do que isso, o que vemos é um verdadeiro operativo não apenas para Bolsonaro se manter no poder até 2022, mas também para que possa se recuperar politicamente através da criação de condições legais para dividir o pagamento dos precatórios no STF e de medidas no Congresso que flexibilizam a lei de Responsabilidade Fiscal. Tudo isso pode permitir mais gastos a Bolsonaro sem que esse tenha que acabar com as isenções fiscais das grandes empresas ou alguma reforma tributária que taxe minimamente as grandes fortunas.
Um macabro pacto de governabilidade
Esse pacto de governabilidade, que tem apoio da burocracia lulista no sentido de manter Bolsonaro no poder para derrotá-lo apenas nas eleições de 2022, é o que explica as poucas chances do relatório da CPI ser transformado em denúncia por um Procurador Geral da República, sequestrado pelo governo em troca de uma vaga na STF, apesar do genocídio de Bolsonaro diante da pandemia, e que o TSE tenha absolvido a chapa de Bolsonaro-Mourão, apesar das inúmeras provas de disparos em massa de fake news por empresas privadas.
Mesmo isolado internacionalmente (um verdadeiro vexame por onde ande), com popularidade em queda, ameaçando furar o teto dos gastos e de não sair do poder independente dos resultados eleitorais, há um pacto por cima com apoio do PT para que Bolsonaro siga no poder, desde que não balance demais as cercas da democracia formal até as próximas eleições. Mas Bolsonaro não é um jogador normal, um “democrata” como Lula que respeita as regras do jogo da democracia burguesa. Se tiver as mínimas condições para recuperar sua popularidade e o apoio de setores das forças armadas, das PMs e das milícias, pode tentar uma aventura golpista com resultado de difícil previsão.
Mesmo que essa hipótese mais extremada não venha ocorrer, a permanência de Bolsonaro no poder significa uma espada de Dâmocles na cabeça da classe trabalhadora e a representação institucional de uma correlação de forças desfavorável que tem permitido dentre outros fatores avançar os ataques, a exemplo da reforma administrativa que está tramitando em todos os níveis da federação sem que uma resistência à altura seja feita.
Unificar a indignação e as lutas
Os atos Fora Bolsonaro desde maio foram uma reação de uma ampla vanguarda às ameaças golpistas do governo, que poderia ter virado o jogo a nosso favor. Porém, a estratégia petista de sangrar o governo até as eleições de 2022, não organizar desde a base a luta contra o governo, de não ligar a luta contra o governo às lutas específicas, de transformar os atos em comícios eleitorais de Lula sem sua presença. Além das antigas e novas derrotas – sofridas praticamente sem resistência pela política entreguista das direções – assim como o efeito da pandemia sobre a vida das massas, acabou fazendo com que a luta direta pelo Fora Bolsonaro não atingisse o patamar de massas, não furasse o controle da burocracia e não desequilibrasse a correlação de forças.
As contradições da realidade seguem crescendo por todos os lados, a inflação para os mais pobres começa a se tornar insuportável e se aproxima dos dois dígitos, temos 100 milhões de pessoas com insegurança alimentar, 20 milhões de desempregados e mais um tanto de desalentados pelo país. Há crescente descontentamento também na classe dominante que vê ameaçada as condições seguras de enorme lucratividade através dos teto dos gastos e outras garantias para o grande capital.
Sem desconsiderar a correlação de forças desfavorável e que houve um refluxo da luta neste final de ano, não podemos deixar de ver os elementos explosivos de uma realidade social cada vez mais difícil para os trabalhadores, negros, jovens e mulheres. Combinado a isso, temos também sinais de mobilização e resistência que estão sendo dados por categorias, como os entregadores por aplicativo que se mobilizam de forma independente em várias partes do país, e setores que resistem molecularmente as investidas dos governos e da classe dominante, mas que tendem a se ligar em um processo unificado de lutas quando encontrarem pontos de apoio.
É preciso romper com a estratégia de sangrar Bolsonaro até 2022 e acabar com ele já, apostar na totalização das lutas, em ligar toda e qualquer mobilização à luta por derrotar o neofascismo, em construir as próximas manifestações desde a base das categorias, setores e movimentos organizados. Por fim, é preciso atuar no interior da Frente Fora Bolsonaro e das demais, para que impulsionem a próxima manifestação nacional – 20 de novembro (dia da Consciência Negra) – através da instituição de Comitês de Base que assumam a organização local das ações pelo Fora Bolsonaro de forma ampla, democrática e ativa para que os atos impactem a realidade política nacional e aglutinem todas as demandas da classe trabalhadora e dos oprimidos.