Pesquisas de intenção de voto colocam cenário de ligeiro favoritismo de Lula, mas a abstenção imposta pela força golpista pode virar o jogo na reta final, esse é um cenário de perigos históricos que precisa ser enfrentado com ampla mobilização.

ANTONIO SOLER

Vamos partir da sondagem para o segundo turno das eleições presidenciais divulgadas pelo Instituto Quaest e pelo Instituto Ipespe essa semana. No total de votos válidos – sem brancos e nulos – o cenário é da mais absoluta estabilidade, segundo o Quaest. Lula tem 54% e Bolsonaro 46%, o que representa exatamente a mesma porcentagem do levantamento realizado no dia 6. No levantamento do Ipespe divulgado em 11 de outubro, Lula também tem 54% dos votos válidos e Bolsonaro 46%, ou seja, 8 pontos de diferença.

Com a grande diferença apresentada nas pesquisas e o resultado das urnas na eleição do primeiro turno, dia 2 de outubro, os institutos introduziram nos levantamentos metodologias para calibrar as sondagens; agora também levam em consideração a expectativa de abstenção, a preocupação central deste segundo turno.

Para a Quaest, dos 45% dos eleitores que deixaram de votar, quase 21% do eleitorado pretendia votar em Lula e 25% em Bolsonaro. O instituto introduziu um novo modelo de pesquisa, o chamado “likely voter” (eleitor provável), que identifica os eleitores com maior probabilidade de votar em 30 de outubro, a partir do levantamento do comportamento dos eleitores no primeiro turno. Sob tal critério, a diferença entre Lula e Bolsonaro vai para 53% e 47%, respectivamente, ficando em 6 pontos percentuais.

O Ipespe também se debruçou sobre a expectativa de abstenção para tentar calibrar com mais precisão o que seria de fato a votação no segundo turno. Para isso, isolou os 81% dos entrevistados que disseram ter “muito interesse” nas eleições e, nesse público, segundo o instituto, Lula teria 51% e Bolsonaro 47% das intenções de voto, ou seja, a diferença cairia para 4 pontos percentuais.

Os dados levantados pelos dois institutos colocam uma situação de ligeiro favoritismo de Lula para hoje. A situação é de aparente estabilidade, segundo pesquisas 94% dos eleitores já definiram o seu voto no segundo turno, porém a depender das próximas semanas, do comportamento dos eleitores às vésperas do segundo turno e da postura política dos contendentes, o cenário pode mudar dando vitória a Bolsonaro, mesmo que essa não seja a vontade da maior parte da população. Essa tem sido uma preocupação das duas campanhas, muito mais a de Lula, pois os seus eleitores estão concentrados entre a população mais carente, ou seja, aquela que tem mais dificuldade de se deslocar para os colégios eleitorais, tema que vamos procurar tratar mais à frente.

O desafio histórico de repelir o bonapartismo

Como todos os bonapartistas ou autocratas, para usar uma palavra que está na moda, Bolsonaro se reeleito atacará ainda mais os direitos democráticos em um segundo mandato – e aqui não se trata de uma defesa do regime democrático burguês, o qual queremos superar, mas da defesa dos elementos fundamentais de democracia que restam nele e que foram conquistas da classe trabalhadora, como o direito de organização e luta.

A despeito do que pensam certas seitas políticas, que não captam o que representa Bolsonaro (tema que iremos tratar em outra nota do Esquerda Web – EW), a exemplo do processo de autocratização que vemos em várias partes do mundo, a reeleição do presidente neofascista abrirá uma situação ainda mais perigosa para os direitos da classe trabalhadora e dos oprimidos.

Os ataques de Bolsonaro aos direitos democráticos, econômicos e sociais no primeiro mandato são tão amplos e não cabem no espaço deste texto, mas certamente serão intensificados em um segundo mandato, levando a um fechamento efetivo do regime se não realizarmos uma contraofensiva à altura agora e depois das eleições.

Além da contrarreforma da Previdência, das privatizações, da necropolítica, do ecocídio e do genocídio, Bolsonaro no primeiro mandato atacou a educação escolar, submeteu a Direção Geral da Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República e fez um acordo com o Centrão, entregando parte significativa do orçamento da união, para não sofrer processo de impeachment e aprovar suas políticas – o velho presidencialismo de (super) coalizão brasileiro foi tomado pela ultradireita e colocado a serviço da autocratização. 

E ainda não falamos dos ataques sistemáticos ao STF, que após o acordo de Bolsonaro com o Centrão, junto com os ataques à organização dos explorados e oprimidos, passou a ser o centro dos ataques ao regime com o objetivo de submeter também a Suprema Corte aos objetivos bonapartistas de Bolsonaro e seu movimento. E aqui dizemos mais uma vez que esse não é o nosso regime e estado, queremos uma revolução que destrua o estado burguês e inaugure um regime político em que a classe trabalhadora e os oprimidos, através de seus organismos, tomam e exerçam de fato o poder.

Bolsonaro ataca o STF e quer submetê-lo aumentando o número de ministros de 11 para 16, como fez a ditadura militar nos anos 60, após as eleições para que possa indicar mais ministros e se tornar maioria como o objetivo precípuo de atacar os direitos dos trabalhadores e de todos os oprimidos. Além disso, como todo autocrata não se quer apenas atacar direitos econômicos, mas também o sufrágio universal e os direitos de organização e luta, a verdadeira jóia das massas dentro da democracia burguesa, que quando se perde, os retrocessos se fazem históricos.

O principal desafio da nossa geração é, em primeiro lugar, lutar para defender os direitos democráticos de luta e organização seriamente ameaçados hoje pelo neofascismo bolsonarista. Nesta esteira, combinar essa luta com a da superação pela esquerda da estratégia de conciliação de classes lulista, é condição fundamental para a defesa de todos os direitos que vêm sendo perdidos. Luta que só pode ser eficiente levantando um programa anticapitalista e organizando de forma independente os trabalhadores, ou seja, tarefas opostas à estratégia lulista.

Campismo e sectarismo desarmam em momento decisivo

Os dados de todas as pesquisas, principalmente quando são calibradas com a expectativa de abstenção no segundo turno, colocam um cenário em que Lula está à frente de Bolsonaro, mas com uma margem de votos que pode ser tirada antes e durante a eleição do segundo turno – 30 de outubro.

Como afirmamos, não podemos nos deixar impressionar com o favoritismo de Lula, pois Bolsonaro sai fortalecido do primeiro turno e com a maior bancada de deputados e senadores, e com o apoio dos vencedores nos estados que concentram a maior parte do eleitorado. Mas não é só isso, a burguesia agrária, parte importante da burguesia nacional e da classe média estão com Bolsonaro. Lula sai com uma votação importante no eleitorado nordestino, entre as mulheres e os de menor renda, tem o apoio envergonhado de Ciro, com o apoio de Tebet e de parte importante da inteligência neoliberal brasileira. 

Até agora, parece que essas forças estão se anulando pela estabilidade que tem demonstrado os números das sondagens eleitorais, mas não podemos esquecer os fenômenos do primeiro turno, o voto envergonhado que foi favorável a Bolsonaro contrariando a expectativa da ampla maioria dos analistas, a abstenção que foi e será contra o voto em Lula, o peso da máquina pública e privada – uma campanha monstruosa de assédio eleitoral está ocorrendo no interior das empresas privadas e nas igrejas neopentecostais que nunca antes tinha se visto com tamanha brutalidade e amplitude – que opera favoravelmente a favor de Bolsonaro e a capacidade de mobilização e radicalização do bolsonarismo.

É importante comentar brevemente o último aspecto apontado no parágrafo anterior para que se tenha uma dimensão clara do forte componente de imprevisibilidade que é carregado do primeiro para o segundo turno e que marca essa conjuntura político-eleitoral.

Bolsonaro, já antevendo a dificuldade de superar a intenção de votos de Lula durante um discurso em Pelotas (RS) no dia 11, voltou a colocar suspeitas sobre as urnas – esse discurso vai e volta a depender das circunstâncias. Mas, agora convocou apoiadores para no dia 30 de outubro não apenas votar, também quer que a turba protofascista além de votar permaneça nas proximidades das seções eleitorais. Segundo ele, “no próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E, mais do que isso, vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado. Tenho certeza de que o resultado será aquele que todos nós esperamos, até porque o outro lado não consegue reunir ninguém”.

Como se vê, um desenho mais nítido de golpismo contra a vontade da maioria não se pode conceber. Bolsonaro anuncia – se a percepção é que irá perder nas urnas tende a levar a cabo tal tática – que vai colocar toda a sua máquina pública, privada e miliciana para garantir uma grande boca de urna de extrema direita não apenas para pedir votos, mas para intimidar abertamente os eleitores de Lula e levar a eleição no mais puro golpismo.

Diante desse quadro, de uma eleição indefinida em que o inimigo é um neofascista que usa de métodos golpistas em todos os níveis para fazer política, da opressão direta da burguesia, da máquina pública e dos pastores neopentecostais manipuladores e acumuladores e que não irá pestanejar para colocar em prática a violência no dia 30, a campanha de Lula continua com a mesma toada, ou seja, apresentando uma campanha demagógica que promete de forma vaga melhorar a vida das massas sem um programa efetivo dos trabalhadores – quando fala diretamente contra direitos, como no caso do aborto – e organizando caminhadas que mais parecem micaretas.

Isso porque mais uma vez a frente eleitoral de Lula, do PT e de seus satélites políticos, como o PSOL (em breve teremos nota específica no Esquerda Web sobre o papel do PSOL nessa conjuntura), com a classe dominante não permite que se apresente um programa efetivo para atender às necessidades dos trabalhadores empobrecidos, das mulheres, dos negros e de todos os explorados e oprimidos da nossa sociedade – linha política que dificulta em grande medida a ação das massas em um levante espontâneo para defenderem os seus interesses. 

Essa aposta estratégica na construção de um campo eleitoral-governamental com a burguesia, que o PT desenvolve desde os seus primeiros tempos e para o qual arrastou o PSOL, também não permite que a campanha de Lula aposte na auto-organização, em uma campanha verdadeiramente militante que se apoie nas organizações de base e nas reivindicações mais sentidas; tudo isso para criar um grande movimento político concretamente alicerçado que tenha potencial de enfrentar a violência bolsonarista no dia 30, para ganhar as eleições e para mudar de fato o país.

De outro lado, em uma escala de muito menos importância efetiva, mas que é educativo que se aponte criticamente, temos setores da esquerda socialista, como o MRT, que tem uma postura totalmente contemplativa da realidade, que diante da possibilidade da imposição do golpismo nas ruas e nas urnas e não aposta em nenhuma tática de frente anti-neofascista e pela base para derrotar Bolsonaro. Terminam, de forma irresponsável e covarde politicamente em toda a linha – como de costume -, com uma declaração de abstenção diante de um quadro político extremamente perigoso para o destino dos trabalhadores na luta de classes para o Brasil e toda a região.

É preciso uma postura militante e não contemplativa – como fazem as seitas políticas – para derrotar o neofascismo que quer impor um golpe que irá atacar em primeiro lugar à nossa classe, mas sem a menor confiança e expectativa política em Lula e sua frente ampla com a burguesia que possam alterar a realidade, o que só pode ocorrer com a organização e mobilização direta e com um programa anticapitalista contra a fome, o desemprego, a devastação ambiental, a necropolítica bolsonarista e todas as suas políticas anti-operárias.

Assim, ao contrário da capitulação vergonhosa e traidora do PSOL e o fatalismo covarde de outros, o apoio a Lula no segundo turno há que ser efetivo, mas sem renunciar à independência política. Lutando, de fato, nas ruas e nas urnas sem renunciar à mais do que necessária exigência de que Lula coloque um programa que atenda às necessidades dos trabalhadores e oprimidos, é que podemos derrotar Bolsonaro; isso se faz organizando emergencialmente uma frente anti-neofascista nacional e comitês de base para realizar ações de rua para derrotar o movimento golpista que Bolsonaro pré-anunciou para o dia 30 e que poderá ser colocado em marcha. Até – e no – 30 de outubro nunca foi tão verdadeiro o canto da nossa juventude Já Basta! nas marchas: “É pelas ruas, é pelas ruas, que o fascismo recua!”