Michel Husson faleceu em 19 de julho. Nascido em 1949, foi professor proeminente nas universidades francesas e membro do conselho científico da ATTAC. Reproduzimos um de seus últimos artigos em homenagem à sua carreira como um sério economista marxista. Este artigo foi publicado em Viento Sur em 25 de junho.

MICHEL HUSSON

A “fenomenal recuperação keynesiana “1/ dos Estados Unidos é impressionante. Na verdade, existem três planos Biden, representando uma soma total de 6 trilhões de dólares, ou seja, mais de um quarto do PIB atual. Mas colocado dessa forma, pode ser enganoso, então precisamos dar uma olhada mais de perto. O primeiro plano (Plano Americano de Resgate) é um plano de emergência, ou seja, uma resposta imediata à crise pandêmica. O valor é de 1,9 trilhões de dólares e já está sendo implementado. Sua medida mais significativa é a distribuição de cheques de 1.400 dólares, uma espécie de dinheiro de helicóptero NT1. Na realidade, é uma grande quantidade; muito mais do que esquemas similares na Europa.

Além da magnitude da crise, dois fatores explicam este plano massivo. Primeiro, há a memória da crise anterior. Como explica Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado: “Em 2009 e 2010, tentamos trabalhar com os republicanos, o programa final ficou aquém do esperado e a recessão durou cinco anos: as pessoas ficaram amarguradas e perdemos as eleições “2/. Em segundo lugar, Donald Trump, com seus cortes de impostos, já desafiou o dogma orçamentário, e agora o plano de apoio faz exatamente o oposto da política de Trump. Na verdade, os gastos são claramente direcionados aos menos afortunados. O dinheiro distribuído na forma de vales, benefícios de desemprego e abonos de família deve aumentar a renda dos 60% mais pobres dos americanos em 11% em média, e em 33% para os 20% mais pobres3/. Obviamente, o objetivo é reconquistar uma parte do eleitorado do Trump.

A questão é se esta mudança será prolongada. A resposta é aparentemente positiva, pois Biden, em seu primeiro discurso ao Congresso, apresentou dois planos ambiciosos a médio prazo4/. Primeiro, há o “Plano Americano de Emprego” de 2,3 trilhões de dólares, focado em infra-estrutura. Há também o Plano Familiar Americano, que visa melhorar a situação dos mais desfavorecidos, especialmente na área da educação, num total de US$ 1,9 trilhão. Um exame mais atento desses planos5/ fornece uma visão de sua lógica, embora, como veremos, eles estejam longe de ser namoviveis.

Plano de Emprego Americano

O Plano de Emprego6/ visa acima de tudo restaurar a infra-estrutura: estradas, pontes, transporte público, água e eletricidade; inclui também um componente social com mais de 300 bilhões de dólares destinados a moradias populares e escolas públicas. O objetivo implícito é restabelecer ou consolidar a supremacia tecnológica dos EUA (especialmente em relação à China), apoiando a indústria e a pesquisa nacionais. Isto está muito claro no discurso de Biden: trata-se de criar “milhões de bons empregos“, “reconstruir a infra-estrutura de nossa nação“, mas também “permitir que os Estados Unidos sejam mais competitivos do que a China (out-compet) “7/. É claro que o nome do plano (Plano de empregos) é um pouco enganoso: ele não contém quase nenhuma medida destinada a criar diretamente empregos em uma lógica de empregador estatal de última instância, como proposto pela esquerda do Partido Democrata. Portanto, a criação esperada de empregos será apenas o subproduto do renascimento da atividade econômica.

Um New Deal verde e barato

Sem ser central, a luta contra o aquecimento global está presente. É dada prioridade aos veículos elétricos (174 bilhões), mas apenas 46 bilhões são dedicados à energia limpa: isto está muito longe do Green New Deal apoiado pela ala esquerda do Partido Democrata. Muitos críticos denunciam o plano de Biden como “lamentavelmente inadequado” na luta contra a mudança climática. Os gastos com a mudança climática ficam muito aquém dos 10 trilhões de dólares em projetos do Green New Deal. Para Brett Hartl do Centro de Diversidade Biológica, o plano de infra-estrutura favorece a indústria e “desperdiça uma de nossas últimas chances de enfrentar a emergência climática… Em vez de uma abordagem semelhante à do Plano Marshall para a transição para as energias renováveis, ele apenas fornece subsídios eficazes para a captura de carbono, e não toma nenhuma ação significativa para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis” 8/.  “Não é sequer suficiente“, diz Alexandria Ocasio-Cortez9/, que aponta que o plano de infra-estrutura de 2,3 trilhões de dólares se distribuíra ao longo de quase dez anos.

Plano de Família americano

O segundo plano, destinado às famílias, é em certo sentido o substituto para um estado de bem-estar social subdesenvolvido nos EUA. Dos 1,9 trilhões, 800 bilhões estão sob a forma de cortes fiscais ou distribuição de cupons para famílias de baixa renda ou com dificuldades. 500 bilhões estão destinados à educação sob a forma de bolsas de estudo e financiamento escolar. Mas novamente, os gastos são distribuídos por 10 anos, de 2022 a 2031, como mostram os dados a seguir da Oxford Economics.

Este plano se baseia nas medidas de emergência tomadas durante a pandemia. É uma atualização sobre proteção social a partir de um ponto de partida “desesperadamente baixo pelos padrões da OCDE“, como aponta Susan Watkins: “como parte do PIB, os gastos sociais na França e na Itália são cerca de 50% maiores do que nos Estados Unidos. O gasto público com famílias americanas é apenas um quarto dos níveis na Alemanha, França e Reino Unido “10/.

Mas não aponta para um verdadeiro estado social: “ao invés de expandir o Medicare ou implementar uma opção de seguro de saúde público, dezenas de bilhões de dólares serão entregues a seguradoras de saúde, reforçando um sistema de saúde com fins lucrativos que continua a causar tanta dor e sofrimento”11/.

O clamor dos ricos

Estes três planos se encontram imediatamente com uma oposição tripla: naturalmente, os republicanos (especialmente no Senado, onde a maioria democrata é mantida pelo voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris); os economistas ortodoxos; e os bilionários. Em resumo, os planos de Biden seriam como jogar dinheiro pelo cano abaixo, levariam diretamente à inflação e seriam financiados em parte por aumentos de impostos, tanto sobre os mais ricos quanto sobre os lucros corporativos.

Os republicanos do Senado estão travando uma guerra de trincheiras com vários giros descrita em detalhes por Romaric Godin12/ . Mas eles não estão sozinhos: os democratas da ala direita do partido estão tentando suavizar o que vêem como uma mudança muito radical e estão buscando acordos com os republicanos no Senado. Quanto à classe dirigente (que em parte financiou a campanha de Biden), veem com maus olhos sua política fiscal. Esqueceram as palavras tranquilizadoras de Biden para seus doadores durante sua campanha: “Não queremos demonizar aqueles que ganharam dinheiro (…) Ninguém vai ver seu padrão de vida mudar. Nada mudaria fundamentalmente “13/.

O programa inicial de Biden visava claramente os 1,5% mais ricos da população com renda acima de US$400.000, cuja renda seria reduzida em 17,7% de acordo com um estudo da Universidade da Pensilvânia14/. Quase 80% da receita tributária adicional viria dos 1% mais ricos. A fim de reduzir as enormes desigualdades fiscais, o plano Biden também previa 80 bilhões para fortalecer a administração tributária ((IRS, Internal Revenue Service)15/. A Agência Tributária tem sido progressivamente privada dos meios para agir contra a evasão fiscal. De acordo com um relatório oficial16/, a agência havia perdido 20% de seu orçamento e de seu pessoal. As auditorias fiscais diminuíram em 46% para pessoas físicas e 37% para empresas.

O resultado é uma perda considerável de recursos: segundo Gabriel Zucman e seus co-autores17 , a subdeclaração dos 1% mais ricos ultrapassa 20% de sua renda. Outro estudo18/ estimou a perda de recursos devido à evasão fiscal em US$630 bilhões, ou 15% do total. Se a legislação permanecer inalterada, a perda seria de US$ 7,5 trilhões entre 2020 e 2029. Um dos autores deste estudo é nada menos que Lawrence Summers, ex-presidente do Conselho Econômico Nacional de Obama. Embora seja crítico quanto ao tamanho do pacote de estímulo, ele pelo menos apóia esta parte do plano de Biden, que, segundo ele, poderia trazer um adicional de US$ 1 trilhão em impostos durante os próximos 10 anos.

É verdade que a alíquota do imposto de renda iria aumentar de 21% para 28%, mas ainda estaria abaixo dos 35% em vigor antes de Trump. Ainda assim, isso foi suficiente para financiar mais da metade do plano (US$1.400 bilhões dos US$2.300 bilhões). Biden também planejou aumentar a taxa mínima de imposto para as multinacionais de 10,5% para 21%, o que teria permitido arrecadar 800 bilhões de dólares19/.

Veremos, no entanto, que estas medidas já foram postas em dúvida. Mas seu escopo era, de qualquer forma, bastante limitado, o que implicitamente ilustra a extensão das desigualdades fiscais. Isto é demonstrado pelo New York Times20/, que utilizou os dados de Gabriel Zucman para avaliar o que aconteceria se as medidas fiscais de Biden fossem implementadas. O resultado é que a taxa geral de imposto para os mais ricos mal voltaria ao nível dos anos 90 e permaneceria bem abaixo dos anos anteriores ao Reagan. Isto não impede que vários representantes empresariais denunciem esta reforma como “escandalosa“, “arcaica” ou “injusta“. Mas ao fazer isso, “eles estão apenas expressando um gosto por taxas de impostos baixas“, conclui o artigo do New York Times.

O retrocesso do salário mínimo

Biden tinha se comprometido a aumentar o salário mínimo federal de US$ 7,25 por hora para US$ 15, mas já se afastou dessa medida, que foi adiada até 2025, na melhor das hipóteses. Entretanto, elevar o salário mínimo para US$ 15 beneficiaria um terço dos trabalhadores, já que essa é a proporção daqueles pagos abaixo desse limite: 48 milhões dos 144 milhões empregados. Estes trabalhadores se enquadram em grande parte na categoria dos chamados trabalhadores essenciais, para os quais dois pesquisadores propuseram uma tipologia21/. Observam que desses 144 milhões de empregos, 90 milhões pertencem a setores definidos como essenciais e, desses, 50 milhões podem ser descritos como trabalhadores de primeira linha. Um estudo complementar22/ estabelece que quase metade deles são empregados em setores onde o salário médio é inferior a 15 dólares por hora. Os autores concluem que eles “merecem chegar a 15 dólares“, mas terão que esperar por dias melhores.

O espectro da inflação

Os ortodoxos apontam a ameaça de inflação. Eles utilizam um fenômeno conjuntural, a saber, o aumento de certos preços (matérias-primas, bens intermediários, custos de transporte, etc.), que reflete principalmente a escassez transitória associada a uma recuperação desordenada. Joseph Stiglitz deixa isto bem claro: “A pressão inflacionária atual é em grande parte o resultado de estrangulamentos de fornecimento a curto prazo, que são inevitáveis quando uma economia temporariamente paralisada recomeça. Não há falta de capacidade global para a fabricação de automóveis ou semicondutores; é que quando todos os automóveis novos usam semicondutores, e a demanda por automóveis mergulha na incerteza (como fez durante a pandemia), então a produção de semicondutores é necessariamente limitada“23/. De fato, observa-se que “as empresas estão utilizando a escassez de oferta como desculpa para aumentar os preços e testar os mercados, a fim de compensar as perdas de 2020 e a queda dos preços durante a pandemia “24/.

Salários e benefícios

Em qualquer caso, a ofensiva é mais ampla. Quando os economistas ortodoxos anunciam que Biden, ao fazer a economia superaquecer, desencadeará um processo inflacionário duradouro, seu argumento deve ser traduzido da seguinte forma: é a inflação salarial que representa o perigo real.

No momento, o assunto só é abordado de passagem, com o argumento clássico de que os benefícios de desemprego encorajariam aqueles que os recebem a não retornar ao mercado de trabalho. Que neste clima de incerteza alguns desempregados escolherão esperar para ver é, afinal de contas, possível. Mas as reclamações clássicas de empregadores com dificuldades para contratar precisam ser contextualizadas. O Washington Post encontrou uma forma inteligente de contornar a escassez de mão-de-obra: aumentar os salários para US$ 15 por hora ou mais25/. Vários empregadores que enfrentam uma crise de contratação tentaram esta experiência natural (como dizem os economistas) e, milagrosamente, os candidatos entraram em cena. Gina Schaefer, que dirige uma rede de lojas de ferragens, está indignada: “Ninguém diz que a economia vai entrar em colapso quando os advogados ganham 300.000 dólares. Somente se ouve falar dos salários baixos. Creio  que, de uma perspectiva social, isso é realmente insultante“.

Se cavarmos um pouco mais fundo, podemos ver que a pandemia teve o efeito paradoxal de mudar o equilíbrio de poder entre capital e trabalho. Assim, o New York Times pode anunciar que “os trabalhadores estão ganhando terreno sobre os empregadores diante de nossos olhos “26/. Baseia-se em dados de pesquisa que tentam medir o salário mínimo exigido pelos trabalhadores para aceitar um emprego. Os dados seguintes27/ mostram a evolução do que os economistas chamam salário de reserva. Pode-se ver que, após um pequeno mergulho em março de 2020, a curva está tendendo para cima. Para os trabalhadores sem um diploma universitário, o aumento é de 19% entre novembro de 2019 e março de 2021. Outra pesquisa28/ também mostra que os empregadores encontram dificuldades para manter seus empregados: este é o caso em abril de 2021 para 49% das empresas que empregam principalmente trabalhadores de colarinho branco e azul, em comparação com 30% antes da pandemia.

É claro que pode tratar-se de desajustes transitórios que desaparecerão quando a economia voltar ao normal. Mas do ponto de vista dos capitalistas, a medida da normalidade é a rentabilidade de seu capital. E as coisas não estão com bom aspecto. Se observarmos a evolução da participação dos lucros no valor agregado, vemos que ela se recuperou bastante bem após a crise aberta em 2008, e depois se estabilizou. Mas a partir de 2014, o declínio é notável, até o colapso em 2020. Os resgates e lay-offs causaram o ziguezague do último período. Mas está claro que qualquer revalorização dos salários, começando pelo salário mínimo, comprometeria o desenvolvimento da lucratividade das empresas.

Keynesianismo imperialista?

A retomada da atividade nos EUA beneficiará o resto do mundo, abrindo oportunidades. Mas, ao mesmo tempo, o crescimento das importações ampliará o déficit comercial dos EUA. Isto já se ampliou, como ilustra o seguinte dado: no primeiro trimestre de 2021, a conta corrente registrou um déficit de US$844 bilhões (3,8% do PIB), enquanto a média da década anterior à pandemia era de cerca de US$400 bilhões (2,2% do PIB).

Esta é uma característica típica da economia dos EUA: o déficit comercial estrutural. Este déficit é financiado pela entrada de capitais do resto do mundo, principalmente da zona do euro e dos países emergentes, com exceção da China. Patrick Artus tem razão, portanto, em falar de uma “estratégia egoísta “29/ e em apontar uma questão que raramente é levantada. Seu esquema é o seguinte: “apoio contra-cíclico e estrutural à economia dos EUA financiado por entradas de capital facilitadas pelo (modesto) aumento das taxas de juros de longo prazo“. Assim, são as economias do resto do mundo que irão financiar o apoio ao crescimento dos EUA. E o processo já começou, como ilustrado pelos dados, que mostram que as compras de ações aumentaram, até 4% do PIB. O aviso de Artus é claro: “é importante, portanto, entender que a recuperação a curto e longo prazo do crescimento nos EUA vem em detrimento do crescimento no resto do mundo“.

Pode-se falar, como faz Ashley Smith, de um “keynesianismo imperialista “30 , que inclui outro aspecto: o das cadeias de valor globais. A pandemia destacou a dependência dos Estados Unidos de fontes externas de abastecimento, pondo em risco sua segurança definida no sentido mais amplo. O governo encomendou um relatório sobre esta questão que acabou de ser tornado público. Seu próprio título é uma agenda de trabalho: “construir cadeias de fornecimento resilientes, revitalizando a fabricação dos EUA e promovendo um crescimento de base ampla “31/.

Basta olhar para o roteiro32/ deste relatório para ver que o principal alvo é a China, que “através de intervenções fora do mercado dirigidas pelo estado [e portanto ilegítimas] tem captado grandes segmentos das cadeias de valor de vários minerais e materiais críticos necessários para a segurança nacional e econômica“. O objetivo é, portanto, reduzir esta dependência, por exemplo, investindo em extração e processamento de terras raras “fora da China”. Ou: “os Estados Unidos deveriam trabalhar com seus aliados e parceiros para diversificar as cadeias de abastecimento afastando-as das nações hostis (adversárias) e fontes com padrões ambientais e trabalhistas inaceitáveis“. Em resumo, trata-se de desenvolver ou fortalecer os laços com parceiros aceitáveis, tais como a Coréia do Sul e o Japão.

O relatório também propõe a formação de uma força-tarefa para “identificar locais onde minerais críticos podem ser produzidos e processados nos Estados Unidos“, mas, é claro, “com os mais altos padrões ambientais, trabalhistas e de sustentabilidade”. Se colaborará com as “nações tribais” e as “comunidades afetadas” serão consultadas, mas estas cláusulas tranquilizadoras não evitam tremores na perspectiva de futuros desastres ecológicos e sociais.

Ilusionismo e milagre

Sem dívida, o exame que acabamos de fazer da lógica dos planos de Biden é útil, mas o exercício é, também, enganoso. Jack Rasmus tem razão ao salientar que o dinheiro anunciado “não terá efeito sobre a economia até 2022 ou mais tarde, se é que terá algum efeito“. Estas reservas sobre o plano são plenamente confirmadas pela recente proposta de Biden aos Republicanos33/. Abandonaria os planos de aumentar a taxa do imposto corporativo para 28% e, em vez disso, estabeleceria uma taxa mínima de 15% para garantir que todas as empresas paguem impostos. Esta é a mesma taxa de 15% que Biden propôs na cúpula do G7, uma coincidência que não tem sido suficientemente destacada. Em troca, os republicanos teriam que concordar em alocar pelo menos $1 trilhão para novos gastos com infraestruturas, ou talvez $1,7 trilhão, quando, lembremos, o Plano de Empregos era de $2,3 trilhões de dólares.

Assim, David Sirota e seus co-autores tinham razão em escarnecer dos ricos, que podem estar dispostos a aceitar dinheiro para os pobres, desde quenão paguem mais impostos, não tenham que pagar salários mais justos a seus trabalhadores, e não sejam forçados a pagar mais por entregas no DoorDash” (uma plataforma).

Assim, a lacuna entre os anúncios bombásticos de Biden e sua implementação já começou a se alargar. Neste momento, é provavelmente muito cedo para concluir que é tudo conversa. Uma bifurcação ideológica teve lugar cuja marca no contexto social e político não será apagada da noite para o dia.

A partir desta rápida revisão, talvez devêssemos ficar com a idéia de que o projeto de Biden é, acima de tudo, reafirmar a supremacia dos EUA em relação à China. Isto significa reequipar a indústria nacional e apertar o controle sobre os fornecedores, tudo financiado pelo privilégio exorbitante do dólar. O que significa que a mesma política não é possível para uma União Européia profundamente dividida. A propósito, isto toca num ponto cego da famosa teoria monetária moderna que promulga que não há limite para o déficit, uma vez que basta emitir dinheiro. Só que, aparentemente, também é necessário atrair capital.

No momento, “nada mudou fundamentalmente na dinâmica de poder entre trabalhadores e empresários“, como apontam David Sirota e seus co-autores. Desse ponto de vista, o critério é sem dúvida o destino do Plano Familiar, que poderia modificar a distribuição de renda e estabelecer um equilíbrio de poder diferente. Em qualquer caso, a implementação efetiva da política anunciada por Biden exigirá um confronto com as classes dirigentes, e é duvidoso que ele seja capaz ou esteja disposto a impor compromissos que lhes sejam muito desfavoráveis. Mas ele também levantou aspirações que podem ser mais duradouras do que suas promessas.

16/06/2021

Notas

1/ Olivier Passet, «La relance keynésienne phénoménale des Etats-Unis», Xerfi, 8/02/2021.

2/ Citado por Jeff Stein, «Biden’s $1.9 trillion relief plan reflects seismic shifts in U.S. politics», The Washington Post, 7/03/2021.

3/ Steve Wamhoff, «Estimates of Cash Payment and Tax Credit Provisions in American Rescue Plan», Institute on Taxation and Economic Policy, 7/03/2021s.

4/ Joe Biden, «First Address to Congress», CNN, 28/04/2021. Véase también, «Biden’s big 3: What the president said about his American Rescue, Jobs and Families Plans», Spectrum News, 28/04/2021 .

5/ Ver: «Biden’s $4 Trillion Economic Plan», The New York Times, 25/05/2021.

6/ Casa Branca, «The American Jobs Plan», hoja informativa, 31/03/2021.

7/ Joe Biden, «First Address to Congress», citado anteriormente.

8/ Citado em Jake Johnson, «Critics Warn Biden Infrastructure Plan ‘Falls Woefully Short’ on Climate Crisis», Common dreams, 31/03/2021.

9/ Kenny Stancil, «Ocasio-Cortez Says Biden Infrastructure Plan ‘Needs To Be Way Bigger’», Common dreams, 31/03/2021.

10/ Susan Watkins, «Paradigm shifts. Programas de recuperación de Estados Unidos y la UE», New Left Review nº 128, marzo-abril de 2021.

11/ David Sirota, Julia Rock y Andrew Pérez, «The American Rescue Plan’s Money Cannon Is Great, But Not Enough», dailyposter, 11/03/2021wq.

12/ Romaric Godin, «Que reste-t-il des ambitions économiques de Joe Biden?” Mediapart, 5/06/2021.

13/ Jennifer Epstein, «Biden dice a los donantes de la élite que no quiere ‘demonizar’ a los ricos», Bloomberg, 19/06/2019s.

14/ Modêlo orçamentário de Penn Wharton, «Análisis de la plataforma de Biden», 28/10/2020.

15/ «Biden Seeks $80 Billion to Beef Up I.R.S. Audits of High-Earners», The New York Times, 27/04/2021.

16/ Comissão de orçamento do Congresso, «Trends in the Internal Revenue Service’s Funding and Enforcement», julio de 2020.

17/ John Guyton, Patrick Langetieg, Daniel Reck, Max Risch, Gabriel Zucman, «Tax evasion at the top of the income distribution: theory and evidence», NBER, marzo de 2021.

18/ Natasha Sarin y Lawrence H. Summers, «Shrinking the Tax Gap: Approaches and Revenue Potential», taxnotes, 18/11/2019.

19/ «Biden’s American Jobs Plan offers lots of fuel for growth», Oxford Economics, 8/06/2021.

20/ David Leonhardt, «Biden’s Modest Tax Plan», The New York Times, 4/05/2021.

21/ Adie Tomer, Joseph W. Kane, «To protect frontline workers during and after COVID-19, we must define who they are», Brookings, 10/06/2020.

22/ Molly Kinder y Laura Stateler, » Essential workers comprise about half of all workers in low-paid occupations. They deserve a $15 minimum wage», Brookings, 5/02/2021.

23/ Joseph E. Stiglitz, «The false trail of inflation», Project Syndicate, 7/06/2021.

24/ Jack Rasmus, «Inflation Myths & the US Economic Rebound 2021», 12/05/2021.

25/ «These businesses found a way around the worker shortage», Washington Post, 10/06/2021.

26/ Neil Irwin, «Workers Are Gaining Leverage Over Employers Right Before Our Eyes», The New York Times, 5/06/2021.

27/ Em milhares de dólares por ano. Fonte: Reserva Federal de Nova York, Centro de Dados Microeconômicos.

28/ The Conference Board, «The Reimagined Workplace a Year Later», mayo de 2021.

29/ Patrick Artus, «A Completely Selfish U.S. Strategy», 26/05/2021.

30/ Ashley Smith, «Imperialist Keynesianism», Tempest, 18/05/2021.

31/ Casa Branca, «Building Resilient Supply Chains, Revitalizing American Manufacturing, and Fostering Broad-Based Growth», junio de 2021.

32/ Casa Branca, «Biden-Harris Administration Announces Supply Chain Disruptions Task Force to Address ShortTerm Supply Chain Discontinuities», 8/06/2021.

33/ Jarrett Renshaw, David Shepardson, » Biden proposes 15% corporate minimum tax to win Republican backing of infrastructure plan» Reuters, 4/06/2021.

NOTAS DO TRADUTOR

NT1 – O dinheiro de helicóptero é uma política monetária onde os bancos centrais distribuem dinheiro diretamente a toda a população, no que pode ser chamado de dividendo de cidadania ou de distribuição de futura senhoriagemNT2. A idéia foi popularizada pelo economista americano Milton Friedman em 1969; a partir de 2012, os economistas também chamaram esta idéia de “flexibilização quantitativa para o povo”. (Fonte: Wikipedia)

NT2 – O conceito de senhoriagem remonta ao lucro que a autoridade da casa da moeda recebeu pela cunhagem de uma moeda cujo valor intrínseco era inferior ao seu valor facial. Hoje o conceito é essencialmente o mesmo, mas aplicado ao papel moeda: além do baixo custo de impressão, senhoriagem significa que o direito de “produzir” dinheiro pode ser uma fonte de renda para o emissor – bancos centrais ou órgãos emissores. (Fonte: Wikipedia)

Texto original em http://alencontre.org/ameriques/americnord/usa/etats-unis-biden-miracle-ou-mirage.html

Tradução para o espanhol: viento sur

Tradução para  o português José Roberto Silva, a partir de http://izquierdaweb.com/biden-milagro-o-espejismo/ (negritos nossos)