A medida emergencial foi atacada pelo governo negacionista-genocida desde o início. Após burocratização do acesso ao auxílio, falhas no sistema do governo e muita pressão popular, o pagamento começou a ser feito pela Caixa Econômica Federal. Enquanto isso, Bolsonaro ainda tenta usar o auxílio emergencial a seu favor.
GABRIEL MENDES
No final do mês de março, o Congresso nacional aprovou um projeto de lei que estabeleceu o auxílio emergencial no valor de R$ 600 por um período de três meses. A proposta aprovada foi abaixo do que propuseram partidos de oposição, como o PSOL, mas o triplo do valor colocado por Bolsonaro e Guedes. A medida valeria para todos os trabalhadores sem emprego formal e MEIs com renda familiar mensal de até três salários mínimos.
Entretanto, mesmo depois de aprovada ainda se passaram semanas até que a primeira parcela do auxílio fosse paga. Nesse período, o governo tratou de colocar uma série de empecilhos que resultaram em atrasos, problemas técnicos e impedimento de acesso ao benefício a milhões de pessoas com direito. Enfim, ocorreu uma série de fatos que evidenciam o descaso deste governo por qualquer medida emergencial que auxilie os trabalhadores.
Os problemas não se restringiram ao campo virtual, pela dificuldade em acesso à internet pelos trabalhadores mais pobres. Foram noticiadas longas filas e aglomerações na frente de agências da Caixa Econômica Federal (CEF) com pessoas tentando sacar o dinheiro referente à primeira parcela do benefício, disponível entre 27 de abril e 5 de maio. Muitos também procuraram as agências simplesmente para regularizar o CPF, pois sem isso, a princípio, não era possível receber o auxílio.
Essas longas filas na frente das agências ampliaram riscos de contaminação da Covid-19 de milhares que esperam a liberação de um benefício que, além de temporário, vem para cobrir as necessidades básicas e deveria atuar como complemento de renda, mas na prática acaba sendo a única fonte de cerca da metade da população.
Segundo a Caixa, 118,2 milhões de pedidos foram apresentados até a quinta-feira (14/5), sendo que 59,2 milhões foram aprovados e pagos, 36,8 milhões foram considerados “inelegíveis”, ou seja, rejeitados, e 1,53 milhão de pedidos seguem “em análise”.
Para chegar nesses números foram usados critérios para conferir uma quantidade gigantesca de cadastros que são conferidos por uma série de bases de dados do governo para saber se o pedido se enquadra nos critérios definidos em lei.
Entretanto, as escolhas feitas pelo governo levaram a “enganos” criminosos que privaram pessoas que teriam direito ao auxílio. Entre os excluídos estão pessoas que ficaram desempregadas durante a pandemia (depois de 16/3) e pessoas com algum familiar preso, sem falar na exclusão daqueles que estão com CPF irregular, restrição que foi retirada após muita pressão.
Ao mesmo tempo que exclui muitos que necessitam, o critério de Bolsonaro/Mourão incluiu mais de 73 mil militares da ativa e da reserva que receberam o benefício ilegalmente. Fato que escancarou como esse governo – que atua diariamente por uma política genocida diante da pandemia do coronavírus – busca fortalecer sua base social constantemente, chegando ao ponto de transformar uma medida emergencial em instrumento para fortalecer e manter fiel um setor importante de sua base de apoio.
Mas, sem dúvida, os movimentos do presidente neofascista estão relacionados com o desgaste que vem se ampliando conforme avança a pandemia. O Brasil se torna epicentro do avanço do Covid-19 (se tornou o terceiro país em número de casos confirmados e são mais de 17mil mortos) e piora de forma generalizada as condições de vida do conjunto dos explorados e oprimidos, situação que é gritante.
A agitação e mobilização da sua base de apoio ultra-reacionária é uma constante do governo Bolsonaro. Esse bloco de poder é formado por uma burguesia que não disfarça seu desprezo pela vida dos trabalhadores e pelas milícias armadas. Bloco que sustenta abertamente suas intenções de fechamento do regime, o que, obviamente, faz crescer o tensionamento político nacional. Nesse sentido, mesmo com todo o desgaste, Bolsonaro se mantém no poder ainda porque é útil ao grande capital ao manter uma ofensiva autoritária que auxilia a aplicação do projeto de superexploração e tem, até agora, prevenido a formação de contra-ofensivas massivas da nossa classe, mesmo diante de um cenário de uma crescente insatisfação popular que não irá poupar seu governo.
Os impactos do auxílio emergencial – temporário e limitado – são discutidos entre especialistas em políticas públicas que procuram extrair através da análise de pesquisas de opinião elementos que reforçam a ideia de que o auxílio será um “respiro” para o governo Bolsonaro, chegando inclusive a traçar comparações com programas de transferência de renda dos governos petistas, como o Bolsa Família. Segundo pesquisas e levantamentos, como os feitos pelo Datafolha ou Ideia Big Data, a avaliação negativa do governo Bolsonaro cresce em todos os estratos de renda, mas é menor entres os/as trabalhadores/as que estão recebendo o auxílio¹.
Essas análises passam a ideia de que a base de apoio a Bolsonaro se mantém estável, ou ao menos não mudou muito, mesmo tendo atuado sistematicamente contra a ampliação do auxílio pode receber reconhecimento e manter certa popularidade temporária.
São leituras que desconsideram o potencial explosivo da crise do Covid-19 e os impactos de crise econômica que estão por vir, o que pode tornar o auxílio uma medida totalmente insuficiente. Além disso, não questionam qual é o tipo de “apoio” de que se trata, ou seja, qual o real significado da avaliação positiva em pesquisas de opinião e sua relação com uma medida que ajuda a garantir necessidades básicas momentaneamente.
Estamos num momento no qual escândalos diários vêm à tona envolvendo membros do núcleo duro bolsonarista. A demissão de Sérgio Moro – que provocou abalo importante em setores da burguesia que se afastaram do “mito” taticamente – e o escândalo envolvendo a interferência no comando da Polícia Federal, colocado inicialmente por Moro e aprofundado recentemente pela entrevista de Paulo Marinho (suplente de Flávio Bolsonaro no Senado), deixa escancarado o interesse de Bolsonaro em interferir na Polícia Federal. Conjunto de fatos que revelam os mecanismos utilizados pela família Bolsonaro em blindar seus membros e garantir sua manutenção nas instituições.
Ao mesmo tempo, temos uma série de pedidos de impeachment que estão colocados e contam, agora, com partidos que até poucas semanas atrás se diziam contrários em tirar Bolsonaro do poder, além de rupturas pela direita que também defendem o impeachment. Para algum desses pedidos avançarem, não resta dúvida, é necessário uma mobilização que vá muito além da pressão parlamentar entorno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, construindo uma luta unitária com todos os setores que se colocaram contra o avanço do autoritarismo.