A concentração de 25 de maio no Obelisco
O que está em perigo são os nossos direitos
ALEJANDRO ANIELEWICZ
“Amar a la patria ellos nos exigieron
Si ellos son la patria yo soy extranjero”
Sui Generis[1]
Em 25 de maio, uma grande manifestação aconteceu nas ruas próximas ao Obelisco. O Kirchnerismo e a burocracia sindical foram os convocadores do evento que teve como lema central “O país está em perigo”. Milhares de jovens e trabalhadores expressaram sua rejeição ao acordo do governo com o FMI e descobriram que, depois de cantar o hino, nenhuma medida de luta foi chamada. As organizações sindicais que estavam presentes permaneceram caladas quando os manifestantes começaram a cantar: “Greve, greve, greve, greve geral”, porque não era o objetivo dos convocadores construir um plano de luta ou o chamado à greve. O que era então? Vamos começar pelo começo:
Qual é o papel dos K e da burocracia?
Ambos fazem parte da “multisectorial 21F”. O nome do setorial reivindica a marcha de 21 de fevereiro chamada centralmente por Moyano[2], após os dias de luta de 14 e 18 de Dezembro, quando milhares de trabalhadores e jovens colocamos um freio no “reformismo permanente” de Macri e se colocou na arena a possibilidade de sua partida antecipada do governo. Na época, o discurso de Moyano no final do ato de 21 de Fevereiro foi uma grande decepção para muitos trabalhadores à espera para a chamada para a greve geral, ou pelo menos alguma outra medida de luta. O sindicalista dedicou-se a discutir a sua situação jurídica e pedir que os trabalhadores reflitam e votem bem em 2019. Montou essa pantomima em vez de falar sobre questões da mais alta ordem, como as demissões de Cambiemos no Estado[3]. O kirchnerismo nos meses seguintes começou a organizar seguidos encontros com diferentes personagens do PJ[4] para conformar uma grande frente eleitoral com vistas às eleições de 2019.
Tudo isso, enquanto os trabalhadores de Posadas, Inti e Rio Turbio, entre outros, protagonizaram contundendes medidas de luta contra as demissões. Os professores começaram a lutar contra as propostas de miséria de Vidal e o movimento das mulheres iniciou uma batalha histórica pelo direito ao aborto. Para todos que saem a lutar, o Kirchnerismo tem uma frase de encorajamento: “Há 2019”. Lamentavelmente, eles não percebem que estamos em 2018 e nossos empregos, salários e direitos estão em jogo agora. Ambos, K e burocracia, têm a sua cabeça colocada no próximo ano de eleições gerais, ou seja, em deixar passar o ajuste brutal que Macri está levando adiante somente para capitalizar o descontentamento popular eleitoralmente: são defensores fervorosos da “governabilidade”. Isto significa: nenhuma medida de luta ou demanda genuína dos setores populares pode por em questão a continuidade do governo de Macri ou seu ajuste. Tampouco às instituições do Estado, porque estas estão acima das necessidades do povo trabalhador. Isto é totalmente antidemocrático, este governo foi votado não para levar a cabo um plano neoliberal. Ele venceu a eleição mentindo descaradamente, garantindo que não voltaríamos ao FMI, que não haveria inflação e que não perderíamos nada dos direitos conquistados. Mas, foi uma farsa para todos os seus eleitores e agora o conjunto dos setores populares devem pagar as conseqüências de medidas com as quais não concordam.
Quem é o país? Quem está em perigo?
Começaremos analisando o conteúdo da concocatória, as verdadeiras razões pelas quais ela foi chamada. Vamos começar com o slogan “A pátria está em perigo”. Um leitor atento pode perguntar: quem é a pátria? Porque em uma mesma pátria habitam tanto os trabalhadores como os empresários. Mas os trabalhadores não são os donos da pátria: não são os proprietários de grandes extensões de terra, que é de propriedade dos latifundiários, nem os recursos naturais explorados por empresas multinacionais ou fábricas ou máquinas com que produzimos as coisas que estão na terra natal. A esmagadora maioria das casas e prédios da terra natal não lhes pertence. Podemos dizer com absoluta certeza, como Marx, que os trabalhadores só possuem sua força de trabalho, que é vendida aos proprietários da Pátria – empresários estrangeiros e locais. Os mesmos empresários que hoje estão alinhados com o governo de Macri, aquele que, para o kirchnerismo e a burocracia sindical, coloca o país em perigo. Por trás da falsa idéia de que o país somos todos igualmente tanto proprietários como funcionários, se esconde a verdadeira mensagem do kirchnerismo: uma mensagem que tem um significado para os trabalhadores e um diferente para os empresários. Par os trabalhadores, eles argumentaram que ambos os seus direitos e conquistas como a “indústria nacional” estão em perigo e devem unir-se e esperar por 2019 para votar pelo peronismo que irá “salvar” ambos da catástrofe. Nem uma palavra de nenhum pagamento da dívida externa, de como resolver o déficit ou a fuga de capitais.
Lembremos que fazem sensacionalismo de havermos “se livrado do FMI”, quando na verdade o pagaram pontualmente com suculentos bilhões, hipotecando as possibilidades de um desenvolvimento econômico independente que definitivamente eliminaria a escassez de dólares da economia argentina. Eles abriram as portas para ele assim que o ciclo infernal de endividamento externo recomeçara. Por outro lado, Kirchner tenta convencer a comunidade empresarial que ao abrir as importações e a falta de cintura de Cambiemos, que traz enorme impacto social, os seus interesses são ameaçados por isso deveriam confiar novamente em seus serviços para garantir o “bom ambiente” para os seus negócios.
Agora, é legítimo perguntar a nós mesmos: quem está realmente em perigo? São empresários que durante os doze anos K “se banquetearam”, como dizia Cristina, e agora eles vêem como se desvalorizam permanenentemente os salários dos seus trabalhadores, aos que despedem e suspendem sem problemas enquanto esperam os lucros suculentos que traz a aplicação da reforma trabalhista? Ou os trabalhadores, que enfrentam com suas lutas as demissões, os baixos salários, a repressão e o questionamento de seu direito de greve?
Muitos kirchneristas curiosos e vários ativistas nos perguntam genuinamente por que o Novo MAS não mobilizou ao Obelisco. Para começar, a convocatória não foi proposta como uma medida de luta para inverter o curso das coisas, mas sim como um espaço para demonstrar boas intenções. Foi quase um ato de campanha eleitoral, com os olhos em 2019, e não em 2018. O peronismo busca, por meio dessas medidas isoladas e conteúdo ambíguo, posar de oposição. Esse tipo de convocação é uma encenação que não ajuda os trabalhadores e os setores populares a lutar contra o ajuste do governo e do FMI, mas apenas a confundi-los para que, resignados sob a lógica do mal menor, votem novamente. Teria sido diferente se fosse uma medida de força, uma mobilização ativa com slogans claros de rejeição do ajuste macrista aqui e agora.
Devemos retornar ao caminho de 18 de dezembro, ganhar as ruas, exigir uma greve geral desse bando de traidores que ainda temos a frente das centrais. É necessário unir as lutas do Posadas[5], do INTI[6], dos professores de Neuquén e de todo o ativismo operário em um grande dia de luta contra o ajuste do governo e do FMI, para derrubar o seu acordo e que essas siglas nunca mais sejam ouvidas novamente na Argentina.
[1] (NT) Banda de rock argentino dos anos 70
[2] (NT) Hugo Moyano, Secretário Geral da CGT Argentina
[3] (NT) Cambiemos, coalisão governista, ordenou a demissão de mais de 500 mineiros da Yacimientos Carboníferos de Rio Turbio, na província de Santa Cruz, no início do ano.
[4] (NT) PJ – Partido Justicilista, mais conhecido como Partido Peronista
[5] (NT) Hospital público de Buenos Aires