É preciso uma campanha unitária e mobilização nas ruas para exigir a extradição e a prisão de Bolsonaro
ANTONIO SOLER
No sábado (21/01), em um gesto inesperado para o grande público, Luís Inácio Lula da Silva exonerou o general Júlio Cesar Arruda do Comando do Exército e nomeou o General Tomás Miguel Ribeiro Paiva para a função.
Certamente que não se trata de um raio em céu aberto, por trás dessa troca de comando no Exército está toda a movimentação golpista de extrema direita que ganhou muita força com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e pode ter tido o seu ápice com a tentativa frustrada de golpe de estado no dia 8 de janeiro do corrente ano.
Sabedor de que se trata de um campo minado (sic) a relação com as Forças Armadas (FA), a nomeação por Lula de Arruda – e dos demais comandantes da Marinha e da Aeronáutica – ocorreu a partir do critério de antiguidade para que não houvesse questionamentos no interior das FA quanto ao perfil ideológico da escolha. Porém, o envolvimento do antigo comandante do Exército – que sabidamente era um oficial com o perfil reacionário – com o golpismo ficou patente durante os eventos que antecederam e que se seguiram ao dia 8 de janeiro.
Essa troca de comando foi causada por um conjunto de eventos que demonstraram abertamente a insubordinação de Arruda ao Presidente da República (chefe das forças armadas). Antes da tentativa fracassada de golpe no 8 de janeiro, mesmo como conhecimento de que os acampamentos eram os laboratórios do golpismo, Arruda se recusou a ordenar a retirada dos acampamentos que estavam em frente aos quartéis, particularmente ao Quartel General em Brasília, de onde partiram os ataques diretos à Praça dos Três Poderes.
Depois, imediatamente após os ataques golpistas, quando a segurança pública do Distrito Federal já estava sob intervenção federal, muitos golpistas voltaram a ocupar os acampamentos em frente ao Quartel General em Brasília. Diante da ordem de prisão destes, Arruda colocou tanques em frente ao acampamento para proibir a entrada da polícia do Distrito Federal para efetuar a prisão dos golpistas. Em conversa telefônica com Lula, Arruda justificou a ação dizendo que a razão era a preservação da integridade física das pessoas que estavam ali e que na manhã do dia seguinte prisões seriam efetuadas, fato que não ocorreu, pois muitos que participaram diretamente dos ataques à Praça dos Três Poderes foram para casa no dia seguinte.
Mas, a gota d’água que levou à exoneração de Arruda ocorreu quando o ex-comandante se negou a exonerar o Coronel Mauro Cid do comando do 1º Batalhão de Ações de Comando do Exército em Goiânia. Cid, como todos sabem, era ajudante de ordens de Bolsonaro e está sendo investigado pelo STF devido ao envolvimento em movimentações financeiras ilegais para o ex-presidente. Quando o atual governo deu conta da nomeação de Cid ao 1° Batalhão, pediu que Arruda o exonerasse da função, o que em mais um gesto de insubordinação foi negado por Arruda.
A derrota do bolsonarismo passa necessariamente pelas ruas
Na rápida coletiva que o Ministro da Defesa (José Múcio Monteiro) ao lado do atual Comandante do Exército, deu à imprensa, afirmou que “evidentemente, depois desses últimos episódios, a questão dos acampamentos, a questão do dia 8 de janeiro, às relações, principalmente do comando do Exército, sofreram uma fratura no nível de confiança” e continuo dizendo que “precisávamos estancar isso logo no início desse episódio, até para que nós pudéssemos superar esse episódio.”
As qualidades democráticas do atual Comandante do Exército estão sendo cantadas em verso e prosa pela mídia de massas. Tomás – que comandou batalhões na intervenção do Haiti durante os governos Lula – seria um “oficial legalista”, que “respeita às instituições democráticas e a sucessão de poderes” e que tem relações com famosos tucanos (denominação dos psdbistas), particularmente com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual vice-presidente Geraldo Alckmin (atualmente filiado ao PSB).
Certamente que a troca do comando do Exército foi uma medida mais do que necessária dentro da grande perspectiva de impor uma disciplina mínima às FA. Após o fracassado “Capitólio à brasileira”, Lula conseguiu uma unificação das principais forças políticas, da institucionalidade e da opinião pública no sentido de normalizar a relação entre as instituições da democracia burguesa no Brasil. Aliás, esse é um governo burguês de conciliação de classes com um forte perfil normalizador, ou seja, pensado para, após quatro anos de um governo abertamente autocrático, normalizar as relações econômicas, sociais e políticas dentro do marco da institucionalidade dominante.
Partimos dessa caracterização para afirmar que, em que pese o fortalecimento conjuntural de Lula e seu governo em torno da salvação/normalização nacional pós-Bolsonaro, tarefas democráticas estruturais seguiram pendentes. A história demonstra que governo burguês algum pode dar conta das necessidades estruturais da classe trabalhadora que estão postas. Aliás, esse é um governo que nem as contrarreformas dos governos anteriores – trabalhista, previdenciária e privatizações – irá revogar; além disso, ainda não garantiu o reajuste prometido do salário-mínimo e está propondo uma reforma tributária que não taxará as grandes fortunas e o capital financeiro.
Voltando ao ponto, a derrota episódica do bolsonarismo no dia 8 de janeiro só irá se consolidar com a extradição e a prisão de Bolsonaro e com a punição do seu clã e de todos os envolvidos no genocídio durante a pandemia, nos ataques ecocidas e nos ataques aos direitos democráticos prévios, durante e após o 8 de janeiro.
Para isso, para efetivar a agitação “sem anistia”, não podemos depositar nenhum apoio político a esse governo. Esse pretende “afrontar” – ou conter – o bolsonarismo com medidas por “cima”, nos limites da institucionalidade burguesa e com arranjos com as forças burguesas (partidos, mídia e empresários). As mesmas que, justamente, impulsionaram o impeachment em 2013, ajudaram ao fortalecimento da ultradireita no país e elegeram Bolsonaro em 2018.
Pelo contrário, é preciso uma campanha desde a base para que a luta nas ruas crie a força política necessária para que essa tarefa – extradição e prisão de Bolsonaro – fundamental hoje seja realizada através da construção da luta unitária e independente.