80 ANOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Com a invasão nazista da Polônia em 1º de setembro de 1939, exatamente oitenta
anos atrás, começou a Segunda Guerra Mundial: a guerra imperialista que se tornou
o maior massacre da história da humanidade.


Roberto Saenz,

Caracterizar a Segunda Guerra Mundial exige um esforço de aplicação dialética das ferramentas do materialismo histórico. É evidente que ela teve uma série de determinações muito complexas que complicaram as coisas com relação à primeira guerra (Bensaïd fala de “um labirinto onde as linhas de frente se recortam e se encavalam”).


A guerra expressou um conflito social básico: o conflito interimperialista. A luta pela repartição do mundo entre as potências imperialistas não havia sido resolvida ao final da Primeira Guerra. Vários elementos se conjugaram aqui. O principal foi que a Alemanha saiu humilhada da disputa, e o Tratado de Versalhes rapidamente deu lugar ao desenvolvimento de tensões nacionalistas.

Mas a característica aqui é que a Alemanha sofreu uma derrota que não significou um revés histórico em seu desenvolvimento; portanto, após as convulsões revolucionárias da década de 1920, levantou novamente suas ambições imperialistas sob o regime nazista.


Mandel, seguindo Trotsky, salienta que, além disso, entre a França e a Inglaterra, havia nuances no tratamento da Alemanha. Porque se o primeiro queria ir até o fim na cobrança das reparações de guerra, a Inglaterra receava a hegemonia continental que a França poderia obter e, acima de tudo, do perigo comunista que vinha da Rússia.


Em suma, a luta hegemônica não terminou com a primeira guerra. Inclusive a substituição da Inglaterra pelos EUA ainda não estava decidido, e a França, apesar de estar economicamente atrás na competição com os EUA e da própria Alemanha, saira como um das grandes vencedoras da contenda, o que complicava as coisas.


Trotsky insistiria desde o início da década de 1930 nessa caracterização, antecipando que, na medida em que a luta de classes não pudesse mudar as coisas – e não pode, entre outras razões pelo papel contra-revolucionário do stalinismo na Espanha – a dinâmica até a guerra seria inexorável. [1] Além desse elemento básico comum entre as duas guerras, a segunda, por um lado, adquiriu uma característica de guerra contra-revolucionária do nazismo contra a ex-URSS, pátria da revolução socialista de 1917.


Na ofensiva de Hitler contra a União Soviética (algo que Trotsky advertiu mil vezes), dois objetivos se combinaram. Primeiro, o nazismo concebeu a antiga URSS como um enorme reservatório de matérias-primas; o ataque era um movimento colonizador clássico para obter um “espaço vital” (Lebensraum) que daria à Alemanha as colônias que não havia obtido na distribuição do mundo ocorrida no final do século XIX, nem conseguira resolver com a primeira guerra (o líder nazista falava da URSS como a “África” da Alemanha). [2] Segundo, havia
um evidente conteúdo social e político contra-revolucionário no sentido da vocação para liquidar o exemplo e a própria existência da maior revolução socialista que a humanidade havia vivido.


Mas o hitlerismo e o fascismo colocavam outro problema: eram regimes capitalistas, como as democracias imperialistas burguesas que dominavam a Inglaterra ou os EUA, mas politicamente totalitários, de supressão as liberdades democráticas e até, no caso do primeiro, de extermínio de minorias sociais e da esquerda.


Para definir o caráter da segunda guerra, é necessário contemplar essas especificidades em relação à primeira. Mas o fato social básico permaneceu sendo uma guerra interimperialista; subordinado a isso, acrescentou-se que o hitlerismo incorporava um regime sociopolítico mais reacionário do que a democracia imperialista tradicional e que desencadeou uma guerra contra-revolucionária contra a URSS e o extermínio social na Europa Oriental. [3]


Ligado a isso estava o fenômeno da ocupação de países inteiros, que não havia ocorrido na primeira guerra, que havia se estancado rapidamente em uma guerra de trincheiras bem perto das antigas fronteiras. Esse novo fenômeno veio a ser colocado por alguns quadros trotskistas como Jean Van Heijenoort em tempo real.

De fato, a ocupação de países coloniais ou semicoloniais (como as regiões que mais tarde integraram a ex- Iugoslávia, Grécia ou China) não deveria oferecer muitas dificuldades de interpretação: era preciso estar do lado da nação oprimida em sua luta emancipatória contra o poder opressor, mantendo uma perspectiva política independente e socialista. Surge assim um novo fator: o caráter das guerras de libertação ou emancipação nacional como parte do desenrolar da contenda. No debate dos núcleos trotskistas, houve quem entendesse corretamente as guerras de libertação nacional nos países não imperialistas como progressistas, para além de suas direções stalinistas.


Já mais complexo é abordar a ocupação de nações imperialistas como a França, que ainda que invadida não perdeu seu velho império, além de que durante um primeiro período uma parte do país estava nas mãos das autoridades francesas (a França de Vichy liderada pelo marechal Petain). Robert Paxton diz que, no início do regime de Vichy, Petain gozava de grande popularidade, com base em uma certa convicção de que a nova ordem
nazista teria perspectivas históricas, e De Gaulle era mal considerado.


Com a deterioração da economia francesa e o próprio curso da guerra, bem como a ocupação de toda a França pela Wehrmacht, isso mudou completamente. O quadro se agravou ainda mais quando começou o recrutamento forçado de mão-de-obra para ir trabalhar na Alemanha em 1943, razão material que levou dezenas de milhares de franceses à Resistência para escapar deste destino.


Na França, então, os requisitos da luta contra a ocupação deveriam combinar-se com a manutenção da luta política contra a burguesia imperialista francesa, em oposição aberta aos critérios da “União Sagrada” que o PCF estabelecera oportunisticamente com De Gaulle, participando, inclusive, com representantes no governo burguês da chamada “França Livre”, estabelecido em Londres.


De qualquer forma, tanto no leste quanto no oeste, o trotskismo teve que sustentar uma luta pelo internacionalismo. Porque, da URSS à França, o stalinismo (e sem mencionar as demais direções burguesas ou pequeno-burguesas) imprimiu à luta um caráter estreitamente nacionalista. Já apontamos o caso das violações sistemáticas das mulheres em Berlim como um reflexo desse problema muito sério e o critério nefasto e criminal da “culpabilidade coletiva” do povo alemão.

Parte deste último é o slogan do Partido Comunista Francês durante a ocupação: “A chacun son boche” (a cada qual seu alemão), que convocou todos os franceses a matar um soldado alemão, ou as propostas do autor russo Ilya Ehrenburg de que “o único alemão bom, era o alemão morto”. Todo alemão era nazista; fim da discussão. [4]


Se Mandel, em sua definição enriquecedora da Segunda Guerra, pode ser criticado por não estabelecer uma hierarquia clara em seu caráter social básico, Moreno foi qualitativamente mais além em suas unilateralidades. Sua preocupação com as especificidades da Segunda Guerra Mundial foi baseada em um elemento real. Expressava as imensas dificuldades que a guerra havia colocado para um movimento trotskista jovem e inicial, sem Trotsky e no meio de uma disputa com todas as complexidades apontadas, como desdobramento da guerra
interimperialista em outras disputas de ordem diversa.


No entanto, como parte de uma elaboração teórica unilateral e objetivista desenvolvida no início dos anos 80, Moreno acabou se questionando, erroneamente, se a segunda guerra não fora, mais do que uma guerra imperialista, uma “guerra entre regimes políticos” e se esse segundo fator não dominou o primeiro: “A guerra civil espanhola demonstrou até que ponto o regime democrático burguês era antagônico ao fascismo, não apenas à classe trabalhadora e suas organizações. A Segunda Guerra Mundial apresenta pelo menos elementos
semelhantes.

Sem desenvolver a questão, acreditamos que devemos estudar seriamente se não foi a tentativa de estender a contra-revolução fascista imperialista a todo o mundo, derrotando principalmente a União Soviética, mas também os regimes democrático-burgueses europeu-americanos. Isso não significa que a Segunda Guerra Mundial também não tenha tido um conteúdo profundo da luta interimperialista. O que dizemos é que é necessário especificar bem, como na guerra civil espanhola, qual foi o fator determinante.

A luta do regime fascista foi essencialmente contra a URSS, mas também contra a democracia burguesa? Ou foi o fator econômico, a luta entre imperialismos pelo controle do mercado mundial? ”(As revoluções do século XX: 51). Em outros textos, Moreno dava um passo mais: se o caráter essencial era a luta entre regimes, a luta pela democracia (burguesa) era considerada uma etapa em si mesma, o que implicava orientações de frente única
com setores burgueses.

Pela democracia, e que era possível que o trotskismo “tenha sido uma seita durante o período pós-guerra por não ter feito isso durante a guerra”, isto é, por ser sectário em relação a essa luta pela “democracia”. Aqui, então, apareceram dois problemas essenciais a serem esclarecidos: o caráter da guerra e a política dos
revolucionários, que veremos mais adiante.


Sobre a natureza da guerra, Moreno levanta uma questão legítima, que resolve erroneamente colocando o político (“guerra de regime”) como uma ação básica do conflito em detrimento do social (“caráter interimperialista do conflito”). Confunde o fato de que, quando se trata do interior de um país ou estado (como na guerra civil espanhola), o problema dos regimes políticos ocupa um lugar central.

Mas quando se trata de guerras entre estados, o fundamental é a natureza social dos competidores. Portanto, a analogia entre a guerra civil espanhola
e a Segunda Guerra Mundial não era válida, mesmo se o nazismo tivesse realmente levantado o problema da luta contra o totalitarismo.


Moreno tendia a perder de vista o aspecto estrutural da hierarquia de países e nações na ordem capitalista mundial, que se manifesta na competição entre países imperialistas por mercados e hegemonia internacional. Sem isso, perde-se a base material da análise: a motivação econômica e social concreta por trás da contenda entre nações imperialistas, relacionada à dominação mundial e à repartição de áreas de exploração.


O nazismo era a forma política que, nas condições da década de 1930 (Grande Depressão e ascensão da URSS), a burguesia alemã encontrou para resolver o problema da Alemanha como uma potência imperialista emergente: a falta de um “espaço vital” colonial para o seu desenvolvimento. . Moreno perde de vista isso, o que torna sua análise idealista, uma vez que as motivações políticas acabam independentes das circunstâncias
materiais.

É verdade que as coisas se tornaram mais complexas na Segunda Guerra, mas isso exigiu uma análise que não rompesse com o solo granítico do materialismo ou que abstraísse o confronto entre revolução e contra-revolução, e que tampouco conceba a disputa como mera luta de regimes políticos. O grão de verdade da análise de Moreno é que, à frente das potências imperialistas, havia diversos regimes políticos, expressando certas relações de forças entre as classes em cada um desses países.

A esse respeito, houve também uma diferença com a primeira guerra, porque as principais potências enfrentadas, impérios ou não – Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, EUA e, em menor grau, Rússia – tinham governos sob formas parlamentares com maiores ou menores graus de liberdades democráticas.

É desse ponto de vista que a questão dos regimes políticos deve entrar, sem confundir fatos sociais básicos. É que a “nova ordem” da repartição mundial do hitlerismo [5] – e esse era um fato social básico do caráter interimperialista da guerra – implicava não apenas a restauração capitalista na União Soviética, mas um “invólucro político” (uma forma dominação), em cada um dos países ocupados e na própria Alemanha, certamente contra-revolucionário sobre os explorados e oprimidos.

Deste fato real, emergiu que os EUA pudesse explorar a seu favor uma imagem legitimadora como poder “benigno” ou imperialismo “democrático” na luta contra o nazismo. E essa imagem só poderia ser combatida se os pontos de referência elementares da análise de classe dos fenômenos não fossem perdidos, como foi o caso das sugestões de Moreno.


A orientação política capitulatória e não independente que o stalinismo deu à luta nas condições da Segunda Guerra tomou a forma de apresentá-la como um confronto entre “fascismo e democracia”, que Eric Hobsbawm endossou em sua história do século XX.
Aqui já, todas as hierarquias e relações entre os fenômenos acabaram invertidas: o fato essencial tornou-se o confronto estreitamente político entre “ditadura e democracia”, e não as motivações sociais e o conteúdo de classe das lutas, que estavam convenientemente escondidos ao serviço. de uma política de conciliação de classes e do “socialismo em um só país”.


Daí também os graves perigos políticos de visões unilaterais como as de Moreno, porque desarmaram e abriram a porta para orientações que, em suma, perdiam o caráter independente e de classe da política revolucionária. [6] Ás até certo ponto inevitáveis características sectárias dos pequenos núcleos trotskistas na guerra se contrapôs uma reinterpretação que recaia em um curso oportunista. De fato, durante a segunda guerra, houve desvios para ambos os lados, oportunistas, mas também sectários, e, acima de tudo, quase impossível (dadas as correlações existentes de força) emergir de uma situação dramática de marginalidade. Detenhamonos agora na ação e na política dos socialistas revolucionários durante o combate.


As dificuldades colocadas para a política revolucionária pela Segunda Guerra Mundial e a luta por uma orientação independente. A partir dessa complexidade no caráter da guerra, eclodiram as dificuldades extremas dos marxistas revolucionários em apresentar uma política independente e internacionalista durante a guerra. Houve várias pressões, tanto oportunistas quanto sectárias. Tudo no contexto de uma conflagração cataclísmica, onde as forças do trotskismo se contavam com os dedos de uma mão em uma disputa que envolvia multidões milionárias.


Daí, um manuseio firme e sutil das ferramentas do materialismo histórico e da política revolucionária era tão importante e difícil de levar adiante para um jovem movimento na ausência de Trotsky. Esse manejo da política revolucionária teve que se mover entre dois limites: a partir da natureza da guerra de classe inter-imperialista, mas sem cair no sectarismo e no abstencionismo, como recusar-se a lutar contra o ocupante nazista com base em critérios “derrotistas”, concomitantemente a sustentar a defesa incondicional da URSS em relação ao nazismo.


Houve vários marcos sobre isso. Um de grande importância foi o pacto de Ribbentrop-Molotov (agosto de 1939). A oposição anti-defensista de Burnham e Schachtman no SWP dos EUA (o maior grupo de trotskismo da época) se agitou de maneira extrma ao apontar que como subproduto desse pacto contra-revolucionário, a URSS não podia mais ser defendida. Sua definição da URSS era que estava se transformando em um “coletivismo burocrático” e que todos os regimes sociais no mundo evoluiriam até aí (hipótese evidentemente não
confirmada). [7]


Trotsky respondeu que nenhum dos fatos sociais básicos havia sido modificado, que a União Soviética ainda era um estado operário degenerado e que era necessário defendê-lo incondicionalmente. Stalin assinou esse acordo como uma manobra defensiva para ganhar tempo, que constituía um ato político criminoso e contra- revolucionário, mas que não mudava a posição básica dos revolucionários no sentido da defesa incondicional da URSS.


Uma posição semelhante surgiu quando da repartição da Polônia com Hitler. Por um lado, isso foi visto como uma tentativa de Stalin de ganhar um “colchão de segurança” diante de um possível ataque de Hitler. Por outro lado, e apesar das expropriações de propriedade privada que Stalin acabaria por realizar na parte ocupada pela URSS, Trotsky apontou que, do ponto de vista político, o mal superava em muito o benefício das próprias medidas expropriadoras – positivas em si mesmas – porque fez a classe trabalhadora mundial acreditar que uma
burocracia parasitária degenerada “podia suprimir a classe trabalhadora com manobras burocráticas na obtenção de avanços e conquistas”.

No entanto, o fato social básico não mudava: a URSS permaneceu um estado operário, que mesmo degenerado, precisava ser defendido. Inclusive Trotsky estabeleceu uma analogia e apontou que, mesmo que ainda não se considerasse a URSS como um “estado operário”, não necessariamente se deveria cair no anti-defensismo, como o fazia a minoria do SWP.

A URSS poderia ser defendida perfeitamente à medida que um país colonial ou semicolonial se defendesse do imperialismo; não havia nada qualitativamente diferente nisso. Ele afirmou isso
não uma vez, mas várias vezes naqueles anos, e argumentou que “seria um absurdo monstruoso romper com camaradas que, embora na questão da natureza sociológica da URSSsustentemoutra opinião, são conosco solidários no que tange às tarefas políticas ” (“URSS em guerra”: 240).


Ressaltamos isso para desmentir aqueles que doutrinariamente afirmam que quem não reconhecesse a URSS como um “estado operário” se tornava automaticamente um anti-defensista. Bensaïd vai ainda mais longe quando ressalta que a analogia entre a defesa da URSS como estado operário e o apoio a um país colonizado contra uma potência colonial revelava, no entanto, “uma ambiguidade, pois o caráter ‘operário’ do Estado não é
determinante na questão ”(Trotskismo: 42).


De qualquer forma, em todos esses aspectos, a análise social domina a estritamente política. Embora os regimes de Hitler e Stalin fossem semelhantes (“estrelas gêmeas” chamou-os Trotsky), o que os diferenciava era sua natureza social, e era a partir desse critério que a política revolucionária deveria ser formulada. Essa “hierarquia de análise” foi levantada como um ponto de partida necessário em relação aos contendores da guerra imperialista. Sabe-se que na Primeira Guerra Mundial, Lenin formulou uma orientação que colocava “transformar a guerra imperialista em guerra civil” dentro de cada país, e que “o mal menor era a derrota do
próprio imperialismo”. Na primeira fase da segunda guerra, com cada vez mais, essa orientação era válida a partir do caráter interimperialista da guerra.


Mas depois as coisas se complicaram e muito. Como abordar a questão da ocupação da França pelos nazistas? Com que orientação lutar contra isso? Havia também o problema complexo da entrada americana. na disputa e na posição dos revolucionários a esse respeito.
Na França, por exemplo, o problema era que seu território nacional estava ocupado, mas o país como tal, a burguesia francesa, permaneceu imperialista e dominando suas antigas colônias. Aqui tentamos abordar a questão com uma espécie de combinação da luta contra a ocupação nazista (fato político), simultaneamente com a manutenção da luta contra a burguesia imperialista francesa (fato social básico).


No caso dos EUA, a dificuldade era propor uma política independente de ambos os setores burgueses: os intervencionistas e os isolacionistas. As dificuldades foram agudas neste caso, porque enquanto o SWP denunciou o caráter imperialista da guerra, sofrendo um julgamento e a prisão de seus principais líderes por 16 meses (fato social básico), ao mesmo tempo em formulava, por recomendação do próprio Trotsky, o que foi chamado de “Política Militar Proletária” (PMP).


Essa orientação significava que, taticamente, os revolucionários se alistariam no exército para serem os melhores “trabalhadores-soldados” acompanhando a classe trabalhadora “para onde tivessem que ir” em sua experiência (fato político). Uma posição complexa que, em alguns setores do trotskismo, era vista como uma capitulação chauvinista, ao chamar os setores revolucionários a se alistarem em uma guerra interimperialista.


Se a PMP evidentemente tinha suas complexidades (era difícil rechaçar a acusação de que a orientação era se alistar ao lado da “democracia” ianque para lutar contra a ditadura nazista), não deixou de ilustrar as dificuldades extremas da política revolucionária durante a guerra e a necessidade de dar orientações concretas e não apenas generalidades frente a ela, adaptando a política aos desafios específicos que iam colocando sem perder a perspectiva de classe e independente.


De qualquer forma, aqui a questão remete à caracterização e à política revolucionária frente as guerras em geral. Pode-se dizer que existem quatro tipos gerais de guerras: interimperialista, de libertação nacional, contrarrevolucionária contra estados ou sociedades não capitalistas e guerras civis. Nas três primeiras guerras entre estados, o importante não é a natureza do regime político que está à frente de cada um dos competidores (sejam ditaduras ou democracia), mas o caráter das nações em confronto. Quando se trata de guerras fratricidas que enfrentam por dois países atrasados, tampouco importa a natureza política do
regime governamental de nenhum deles: somos a favor da paz e contra a guerra.
Já no caso do golpe de estado ou da guerra civil desencadeada em um país, o que domina é a defesa das liberdades democráticas ou do processo revolucionário, sempre com uma política independente de todo setor burguês na perspectiva de uma revolução social.

Quando a guerra civil se desenvolve enquanto a classe trabalhadora está no poder, como aconteceu imediatamente após a Revolução Russa, as coisas são mais simples: todos os esforços devem ser feitos para garantir que a ditadura do proletariado se afirme e até se estenda para além do país em questão. Vejamos, em síntese, a definição de Mandel das guerras justas no contexto da Segunda Guerra Mundial: “Com a fórmula da” guerra justa “, queremos identificar as guerras que deviam ser travadas e que os revolucionários
apoiavam.

Essa categorização procura evitar a ambiguidade política da fórmula segundo a qual as forças ativas na guerra foram divididas em ‘fascistas’ e ‘antifascistas’, uma divisão baseada na noção de que – devido à sua natureza específica – as formas alemãs, italiana e japonêsa de imperialismo deveriam ser combatidas em aliança com as classes dominantes da Inglaterra, Estados Unidos, França, etc.”.

“A política da ‘aliança antifascista’ (…) implicava, na realidade, uma colaboração sistemática: os partidos políticos, e especialmente os PCs que sustentavam que os estados imperialistas do Ocidente estavam travando uma guerra justa contra o nazismo, acabaram formando coalizões governamentais após 1945, nas quais participaram ativamente da reconstrução do estado burguês e da economia capitalista. Além disso, esse entendimento incorreto do caráter da intervenção dos estados ocidentais na guerra levou à traição sistemática das populações
coloniais em suas lutas anti-imperialistas, sem mencionar a contra-revolução na Grécia ”(Mandel: 45-6). [8]


Na Segunda Guerra Mundial, as coordenadas sociais e políticas se combinaram de uma maneira original e, portanto, sua extrema complexidade. Para responder a isso de uma maneira revolucionária, devia-se partir do elemento social e, em seguida, abordar sua “complicação” pelo lado político, sem abstrair o segundo aspecto do primeiro, que é o que podia dar lugar a leituras oportunistas, mas tampouco diluindo-o ao ponto de levar ao
abstencionismo sectário e fora da realidade. [9]


NOTAS:


[1] Um debate que já excede este trabalho refere-se à situação geral do trotskismo no final da Segunda Guerra. Embora Trotsky tivesse sido um professor de análise da dinâmica de classe da Segunda Guerra, em termos das previsões políticas mais gerais do que esta
depararia, as coisas foram mais complexas. Essas previsões não se deram, o que não surpreende, já que Trotsky foi morto em agosto de 1940, quando a guerra estava apenas começando e sua frente mais importante, a oriental, nem sequer começara a ter atividade. Nem viu os outros elementos que Mandel aponta, todos mais tarde. O resultado inesperado foi que o stalinismo estava à frente da derrota histórica do nazismo, fortalecendo-se imediatamente, embora minando estrategicamente a perspectiva do socialismo de maneira irremediável, por razões materiais e políticas que já apontamos. O capitalismo mundial se recuperou (também graças ao sinistro papel contra-revolucionário do stalinismo, incluindo os acordos de Yalta e Potsdam) e experimentou o maior boom econômico de sua história: os “Trinta Gloriosos”. O trotskismo acabou como uma minoria extrema.


[2] Lembremos aqui que o primeiro divisão colonial havia beneficiado países como Inglaterra, França e outros menores como a Holanda. Alemanha. O Japão e os EUA foram deixados de fora (embora este último já estivesse dominando como seu “quintal” à América Latina).
Trotsky fez análises detalhadas sobre esses problemas em brochuras como Sobre Europa e USA. e outros textos dos anos 30.


[3] No oeste, a ocupação foi muito menos brutal do que na Europa Oriental. Vale a pena comparar, por exemplo, o tratamento dado aos prisioneiros de guerra franceses ou ingleses, que nada tinham a ver com a provação dos prisioneiros russos. Se entre os últimos o número
de mortes em cativeiro atingiu mais de 60% dos prisioneiros (a maioria devido à fome), entre os primeiros a taxa de mortalidade não excedeu 1% (nos museus de guerra franceses, você pode ver as fotos, por exemplo, do soldado Louis Althusser, detido na Alemanha em
condições inimagináveis para os russos).


[4] Contra essa orientação chauvinista e pelos anais da história heróica do trotskismo durante a guerra (e suas dramáticas dificuldades), ficou uma pequena experiência de enorme valor educacional: a realizada pelos trotskistas de La Verité (órgão do PCI na clandestinidade),
que publicou um boletim clandestino em alemão em 1943, intitulado Arbeiter und Soldat, com o objetivo de realizar um trabalho político entre os soldados da Werhmacht. Infelizmente, a célula ocupada com essa atividade foi presa e foi fuzilada pelos nazistas.


[5] Aqui é interessante notar que já desde o nazismo e seu domínio do continente entre 1940 e 1944, se chegou a colocar o problema da unificação européia, que Hitler procurava “resolver” sob a égide de sua “Nova Ordem”.


[6] Esse caráter se perdia não apenas na análise da guerra mundial – em última análise, um exercício puramente especulativo e teórico – mas também mais cotidianamente: lembremos de que essa elaboração de Moreno é parte integrante da teoria das “revoluções democráticas” dos anos 80 que desarmou o antigo MAS e a velha LIT, lançando-os em um curso oportunista que não teve retorno.


[7] É interessante o que Bensaïd aponta no sentido que esse tipo de caracterização teve no pós-guerra paralelo ao do “totalitarismo”, definições que tendiam a combinar diferentes fenômenos e que serviam para exaltar a democracia burguesa, operação espúria que já
temos criticado.


[8] Mandel manteve uma posição independente em torno da participação do trotskismo na Segunda Guerra, que paradoxalmente falhou em sustentar nos processos revolucionários posteriormente à contenda, onde capitulou sistematicamente a suas direções burocráticas ou
pequeno burgueses.


[9] Bensaïd relata, a esse respeito, o caso da corrente de origem de Lutte Ouvriere, um dos grupos trotskistas mais conhecidos da França: “Seu grupo viu na Resistência ‘uma farsa da colaboração de classe’, e seu boletim repetiu slogans esmagadores contra a guerra
imperialista, inspirados diretamente no derrotismo revolucionário dos tempos da Primeira Guerra Mundial.