FEMINISMO SOCIALISTA

Clara Zetkin e a história da luta das mulheres

Em 05 de julho de 1857, nascia Clara Zetkin. Dirigente operária e socialista do movimento de mulheres, foi uma das maiores referências na luta pela emancipação feminina. É a expressão encarnada em uma figura do estreito vínculo entre a história do feminismo e do marxismo. Foi ela que propôs estabelecer o dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora e também editou o periódico Igualdade entre 1891 e 1917. Foi, juntamente com Rosa Luxemburgo, uma das mais contundentes opositoras do revisionismo de Eduard Bernstein.

Vermelhas, na passagem de seu 162º aniversário de nascimento, reproduzimos aqui um dos seus discursos históricos sobre a luta pela emancipação das mulheres.

Clara Zetkin – Pela liberação da Mulher!

(Discurso pronunciado no Congresso Operário Internacional de Paris, em 19 de julho de 1889, que fundaria a Segunda Internacional. Consta da ata: Cidadã Zetkin, deputada das trabalhadoras de Berlim, assume a palavra, sob aplausos entusiasmados, sobre a questão das mulheres trabalhadoras. Ela esclarece que não queria dar nenhum relatório sobre a situação das trabalhadoras, porque é a mesma que a dos homens trabalhadores, mas em acordo com seus pares. ela enfocará a questão das mulheres trabalhadoras desde um ponto de vista básico. Seria absolutamente necessário que o congresso internacional dos trabalhadores se pronunciasse sem rodeios, colocando-a entre as principais, porque sobre essa questão não domina qualquer clareza.)

Não surpreende – diz o orador – que os elementos reacionários tenham uma concepção reacionária do trabalho das mulheres. Mas é no mais alto grau inesperado que há também uma concepção equivocada a situação socialista, na qual a abolição do trabalho das mulheres é exigida. A questão da emancipação das mulheres, ou seja, em última análise, a questão do trabalho das mulheres, é uma questão econômica, e com direito é esperado por parte dos socialistas uma alta compreensão de questões econômicas como estas, a qual manifesta-se na justa demanda alegada.

Os socialistas devem saber que, no atual desenvolvimento econômico, o trabalho das mulheres é uma necessidade; que a tendência natural do trabalho das mulheres, ou será diminuído o tempo de trabalho, para o qual cada indivíduo da sociedade deve se consagrar, ou que a riqueza da sociedade crescerá;  que não é o trabalho da própria mulher, que através da concorrência com a força de trabalho masculina pressiona o salário, mas a exploração do trabalho da mulher através dos capitalistas que eles próprios apropriam.

Os socialistas devem, antes de tudo, saber que a escravidão social ou a liberdade radicam na dependência ou na independência econômica.

Aqueles que escrevem sobre a sua bandeira a libertação de todos aqueles que têm uma face humana, não devem condenar a toda uma metade do gênero humano através da dependência econômica à escravidão política e social. Assim como o trabalhador é subjugado pelo capitalista, a mulher é subjugada pelo homem; e ela será subjugada, desde que ela não se mantenha economicamente independente. A condição obrigatória para isso, sua independência econômica, é o trabalho. Se você quer fazer das mulheres um ser humano livre, como um membro da sociedade com direitos iguais, como os homens, então você não precisa abolir ou limitar o trabalho das mulheres, exceto em casos à parte muito isolados.

As trabalhadoras, aquelas que aspiram à igualdade social, não esperam para sua emancipação nada do movimento de mulheres da burguesia, que supostamente luta pelos direitos das mulheres. Esse edifício é construído sobre a a areia e não tem base real. As trabalhadoras estão absolutamente convencidas disso, que a questão da emancipação das mulheres não é uma existência isolada para si, mas uma parte da grande questão social. Elas estão totalmente convictas sobre isso, que esta questão na sociedade de hoje, agora e nunca mais será resolvida, senão depois de uma remodelação fundamental da sociedade. A questão da emancipação das mulheres é uma criatura do novo tempo, e a máquina deu à luz à mesma.

A emancipação das mulheres significa fundamentalmente a transformação completa de sua posição social, uma revolução de seu papel na vida econômica. A velha forma de produção, com seus meios de trabalho incompletos, aprisionou a mulher na Família e limitou seu círculo de ação no interior de sua casa. Dentro da família, as mulheres representam uma extraordinária força de trabalho produtiva. Ela produziu quase todos os objetos de uso da família. Teria sido muito difícil, se não impossível, para a produção e estabelecimento comercial de outrora para produzir esses itens fora da família. Ao mesmo que foram fortes essas velhas relações de produção, foi a mulher produtiva economicamente.

A produção de máquinas matou a atividade econômica das mulheres na família. A grande indústria produz todos os artigos mais baratos, mais rápidos e mais maciços, que a indústria isolada foi capaz somente de trabalhar com ferramentas incompletas, uma produção de pigmeus. A mulher muitas vezes teve que pagar uma matéria-prima mais cara, que ela comprou telada, do que o produto pronto da grande indústria de máquinas. Ela teve que sacrificar além de seu preço de compra (da matéria-prima), seu tempo e seu trabalho. Portanto, a atividade produtiva dentro da família seria um absurdo econômico, um desperdício de força e tempo. Ainda que como indivíduos isolados dentro da família prefiram ser mulheres produtivas úteis, esse tipo de atividade significa, no entanto, uma perda para a sociedade.

Esta é a base pela qual as boas economias precedentes, dos bons e velhos tempos, desapareceram quase todas. A grande indústria tornou inútil a produção de bens em casa e para a família, isso removeu as ocupações das mulheres em casa. Simultaneamente, também conseguiu o espaço para as ocupações de mulheres na sociedade. A produção mecânica, que pode renunciar à força muscular e ao trabalho qualificado, tornou possível colocar as mulheres em um grande campo de trabalho. A mulher entrou na indústria com o desejo de aumentar a renda da família. As mulheres trabalhadoras na industria foram uma necessidade com o desenvolvimento da indústria moderna e com cada melhoria dos novos tempos; o trabalho dos homens, dessa forma, tornou-se supérfluo: milhares de trabalhadores foram jogados nos paralelepípedos, um exército de reserva de pessoas pobres foi criado e o salário diminuiu constantemente cada vez mais profundamente.

No passado, o ganho dos homens, sob a ocupação produtiva simultânea das mulheres em casa, era suficiente para garantir a existência da família; agora mal alcança o suficiente para sustentar os trabalhadores solteiros. O trabalhador casado deve necessariamente contar com o trabalho remunerado da mulher.

Através deste fato, a mulher foi libertada da dependência econômica do homem. A mulher ativa na fábrica, que de nenhuma outra maneira poderia estar exclusivamente na família como um mero apêndice econômico do homem – ela aprendeu a ser autossuficiente como uma força econômica que é independente dos homens. Mas quando a mulher não dependia mais economicamente do homem, não se deu fundamento razoável para sua dependência social dele. Não obstante, essa independência econômica evidentemente não beneficiou naquele momento mesmo a mulher, mas sim aos capitalistas. Por força de seu monopólio dos meios de produção, o capitalista aproveitou os novos fatores econômicos e deixou-o entrar em sua vantagem exclusiva na atividade. As mulheres liberadas, confrontadas com as que dependiam economicamente dos homens, foram submetidas à dominação econômica dos capitalistas; de escravas dos homens, eles se tornaram escravas dos patrões: só mudaram de dono. Afinal, elas ganharam com essa mudança; ela não está mais enfrentando o homem economicamente inferior e subordinada a ele, mas um seu igual. O capitalista não se conforma com isso: explorando a própria mulher, aproveita-se dela e, com isso, valendo-se de sua ajuda, explora ainda mais profundamente os homens trabalhadores.

As mulheres trabalhadoras foram desde o início mais baratas que os homens que trabalhavam. O salário dos homens foi originalmente calculado por alto para cobrir a manutenção de toda a família; o salário da mulher representou desde o início apenas os custos para a manutenção de uma única pessoa, e isso apenas em parte, porque se contava ainda, que a mulher também continuava trabalhando em casa além de seu trabalho na fábrica. Apenas uma pequena quantidade de trabalho social médio, em comparação com os produtos da grande indústria, correspondeu de longe àqueles produtos fabricados por mulheres em casa com ferramentas de trabalho primitivas. Isso será levado em conta para deduzir parte da atividade laboral de uma mulher, e essa consideração dará à mulher uma baixa remuneração por sua força de trabalho. Além desse motivo para a barata remuneração, se colocará ainda a circunstância de que a mulher tem, em tudo, menos necessidades do que o homem.

Mas o que tornava mais particularmente valiosos aos capitalistas da força de trabalho feminina, não foi apenas seu baixo preço, mas também a grande docilidade das mulheres. O capitalista especulava em ambos os momentos; retribuir bem mal, o quanto possível, às trabalhadoras e deprimir o mais profundamente possível o salário do homem. Da mesma forma, aproveitou o trabalho das crianças para deprimir os salários das mulheres; e do trabalho das máquinas para deprimir, antes de tudo, a força de trabalho humana. O sistema capitalista é apenas a causa do trabalho das mulheres ter um resultado diretamente oposto à sua tendência natural; que o direciona para uma duração maior do dia de trabalho, em vez de operar uma redução essencial; que isso não equivale a uma proliferação da riqueza da sociedade, isto é, com um bem-estar maior de cada membro isolado da sociedade, mas apenas com um aumento nos lucros de um punhado de capitalistas e ao mesmo tempo com um maior empobrecimento das massas. As consequências nefastas do trabalho das mulheres, que hoje se tornam dolorosamente apreciáveis, desaparecerão apenas com o desaparecimento do sistema de produção capitalista.

O capitalista deve esforçar-se, para não sucumbir à concorrência, em fazer tão grande quanto possível a diferença entre o preço de compra (produção) e o preço de venda; e assim procurar produzir o mais barato possível. O capitalista tem, portanto, todo o interesse nisso, em prolongar o dia de trabalho continuamente e negociar com um irrisório escasso salário quanto possível. Este esforço está em oposição direta ao interesse das trabalhadoras, bem como aos interesses dos trabalhadores do sexo masculino. Não há, portanto, uma oposição real entre os interesses das trabalhadoras e dos trabalhadores; mas, ao contrário, há uma oposição irreconciliável entre os interesses do capital e os do trabalho.

Fundamentos econômicos falam contra a exigência da proibição do trabalho das mulheres. A atual situação econômica é assim, que nem o capitalista nem o homem podem renunciar ao trabalho da mulher. O capitalista deve manter isso em vigor para manter uma concorrência adequada, e o homem deve contar com isso se quiser fundar uma família. Se nós mesmos quiséssemos colocar o caso de que o trabalho da mulher fosse eliminado por meios legislativos, então o salário dos homens não seria melhorado. O capitalista cobriria a perda da força de trabalho feminina barata muito em breve através da aplicação de máquinas aperfeiçoadas em enorme medida, e em pouco tempo tudo voltaria a ser como antes.

Após a grande parada do trabalho, cujo resultado foi favorável para os trabalhadores, viu-se que os capitalistas destruíram, com a ajuda de máquinas aperfeiçoadas, os êxitos alcançados pelos trabalhadores.

Se a proibição do trabalho das mulheres é exigida em virtude de sua crescente concorrência, então é logicamente justificado exigir a abolição das máquinas e a restauração do direito de corporação medieval, que substituiu o número daqueles em todas as empresas de ofício por trabalhadores empregados.

Esquecem os que falam contra a proibição do trabalho das mulheres, prescindindo dos fundamentos econômicos, que estes são, antes de tudo, fundamentos por princípio. É precisamente com base nos fundamentos das principais partes da questão que as mulheres devem ter cuidado com isso, para protestar com todas as suas forças contra qualquer tentativa desse tipo; elas devem opor a resistência mais ardente e, ao mesmo tempo, a mais bem fundamentada, porque sabem que sua equiparação política e social com os homens depende unicamente de sua autonomia econômica, as quais possibilitam seu trabalho na sociedade fora da família.

Do ponto de vista dos princípios, nós mulheres protestamos insistentemente contra uma limitação do trabalho das mulheres. Não faremos nenhuma exigência em particular porque não queremos separar nossa causa da causa dos trabalhadores em geral, não exigimos nenhuma outra proteção além daquela que exige o trabalho em geral contra o capital.

Nós só concordamos com uma única exceção para o benefício de mulheres grávidas, cuja condição requer medidas especiais de proteção em interesse próprio da mulher. Nós não reconhecemos em absoluto qualquer questão de uma mulher em particular, – nós não reconhecemos nenhuma questão de mulheres trabalhadoras em particular! Não esperamos nossa total emancipação ou admissão do que é chamado de livre comércio e ensinado por um dos mesmos homens – embora a demanda por ambos os direitos seja apenas natural e justa – nem da concessão de direitos políticos. Os países nos quais, supostamente, geralmente existe o direito de voto livre e direto, nos mostram quão pouco é o mesmo direito. O direito de votar sem liberdade econômica não é nem mais nem menos que uma mudança sem direção. Se a emancipação social dependesse dos direitos políticos, nenhuma questão social existiria em países com direito ao sufrágio universal. A emancipação das mulheres, como emancipação de toda a raça humana, será exclusivamente obra da emancipação do trabalho do capital. Somente na sociedade socialista as mulheres, como os trabalhadores, alcançam seus plenos direitos.

Em consideração a esse fato, as mulheres que são sérias com o desejo de sua libertação, não lhes obstam nada para aliar-se ao partido dos trabalhadores socialistas, o único que aspira à emancipação dos trabalhadores.

As mulheres estão sob a bandeira socialista sem a ajuda dos homens, muitas vezes contra a vontade dos homens. Deve-se inclusive incumbir a elas mesmas, que certos casos foram irresistivelmente derivados contra aquela vontade até aí, simplesmente por meio de uma compreensão clara da situação econômica.

Mas agora eles estão sob essa bandeira, e elas ficarão sob ela! Elas lutarão por sua emancipação, por seu reconhecimento da igualdade dos direitos humanos.

Enquanto elas andam de mãos dadas com o partido dos trabalhadores socialistas, elas estão prontas para participar de todas as tarefas e sacrifícios dos combatentes, mas elas estão solidamente determinadas a exigir, após a vitória, com boas razões, seus correspondentes direitos. No que diz respeito ao sacrifício e dever quanto ao direito, eles não querem ser mais ou menos do que os companheiros de armas que foram recebidos nas mesmas condições nas fileiras dos combatentes.

(Conclui a ata: Ardoroso aplauso que se repete, este debate foi traduzido para o inglês e o francês pelo cidadão Aveling).

NT: traduzido do original em espanhol em: https://www.marxists.org/espanol/zetkin/1889/julio/19.htm

1 COMENTÁRIO

  1. […] um feminismo que possui raça e classe e entende que o capitalismo é braço direito do patriarcado e de qualquer possibilidade de diversidade humana. Uma caracterização política que coloca no centro as demandas especificas das mulheres e a […]