POR LAU ROJA*
Em 19 de abril próximo, a Assembléia Nacional de Cuba se reunirá. O ponto principal de sua agenda será a sucessão de Raul Castro, que desde 2008 é presidente de Cuba por duas vezes (preside o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros).
Isso pode iniciar, desde cima, mudanças que poderiam facilitar uma crise política dentro do regime.
Sem Fidel nem Raúl na presidência
Cuba tem a excepcionalidade de que, em 59 anos, apenas duas pessoas – Fidel e seu irmão Raúl – exerceram realmente o poder máximo na ilha … embora nesse período, às vezes, houvesse outros indivíduos com o título de “presidente”.
A principal raiz política deste fato notável foi a enorme cota de legitimidade que lhes deu o haver encabeçado uma das revoluções mais importantes do século XX. A Revolução cubana, triunfante em janeiro de 1959, conseguiu tornar a ilha independente do domínio colonial dos EUA. Depois, as tentativas de derrubada violenta por parte de Washington e o bloqueio que ainda persiste produziram grandes danos … mas reforçaram ainda mais essa legitimidade.
Agora, a mudança mais notável será que a presidência será ocupada por alguém que não traz o grau de legitimidade histórica em sua pessoa. E em um regime como o de Cuba, este não é um problema menor
O sucessor seria Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez, nascido em 1960, e que hoje exerce as respectivas vice-presidências do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros imediatamente atrás de Raúl … Mas em um regime verticalista, “bonapartista”, como o de Cuba, o topo da pirâmide não é o mesmo que o seu escalão imediato … embora estejam muito perto …
Dito de outra forma: pela primeira vez no regime, quem dirigirá o Estado será alguém que não participou, muito menos esteve na vanguarda do processo revolucionário de 1959, mas um quadro burocrático do PCC e muito posterior à esse processo.
Durante todos esses anos, o regime se desenvolveu ao ritmo de “Comandante-Chefe: ordem”. Isso pode ser entendido em relação ao líder carismático como Fidel e também se estender a Raúl, embora em menor grau.
Mas agora a grande questão é como, neste regime bonapartista, os assuntos do Estado serão resolvidos? O novo máximo dirigente, Díaz-Canel, poderá desempenhar esse papel quando ele nem sequer participou da revolução de 1959?
E, ademais, os problemas que vai enfrentar o sucessor de Raúl Castro, não são menores.
Transição ao capitalismo: outro problema da sucessão
Estamos diante de uma sucessão que é cruzada por um caminho de transição para o capitalismo … mas ainda inacabada.
Isto é o que foi votado no VI Congresso do Partido Comunista Cubano de abril de 2011, que está resumido nas seguintes “Diretrizes”:
“Estes princípios devem ser harmonizados com uma maior autonomia das empresas estatais e o desenvolvimento de outras formas de gestão. O modelo reconhecerá e promoverá, além da empresa estatal socialista, a principal forma na economia nacional, as modalidades de investimento estrangeiro, cooperativas, pequenos agricultores, usufrutuários, inquilinos, trabalhadores independentes e outras formas que poderia surgir para ajudar a aumentar a eficiência. “(Diretrizes, 2011: 7)
Embora ao apresentar este plano se fale de “socialismo”, é simplesmente um plano de transição para o capitalismo, inspirado nas experiências da China e especialmente do Vietnã.
As grandes empresas cubanas – a chamada “empresa estatal socialista” – são geridas quase exclusivamente pela alta hierarquia militar, que foi, desde sempre, o centro do verdadeiro poder. De fato, as Forças Armadas estão localizadas acima mesmo do Partido Comunista Cubano, organizadas muito depois da revolução de 1959. Lá, nesse comando político-militar e em absoluto sigilo, se manejam o “grande negócio” e “as modalidades da investimento estrangeiro”.
A experiência das restaurações, tanto na China como na Europa Oriental, é que, a partir dessas direções politico-militares, tendem a sair diretamente ou indiretamente grandes fortunas.
Mais embaixo, nos escalões seguintes, as outras classes e estratos sociais, já mais visíveis, da sociedade capitalista são delineados, setores burgueses médios (criados principalmente em falsas “cooperativas”, onde já são verdadeiros patrões), pequenos empresários, trabalhadores sem maiores direitos sujeitos a esses novos exploradores e, finalmente, miseráveis “trabalhadores por conta própria”.
No meio da atual sucessão se coloca o problema de que Cuba não completou este processo de restauração capitalista …
Além disso, no momento, está passando por sérias dificuldades econômicas: oficialmente, a ilha não cresceu mais de 1,5% de seu PIB no ano passado. Este valor indica estagnação.
E entre os fatores desfavoráveis, não devemos esquecer a atual catástrofe na Venezuela, que em tempos de Chávez foi de grande ajuda para a ilha.
O relacionamento conflitante com os EUA … e os interssados “amigos” da União Européia
Neste contexto, outro golpe foi o giro para a direita que marcou a assunção de Trump nos Estados Unidos. Muito recentemente, na Flórida, ele fez violentos discursos contra o regime cubano, visando especialmente a satisfação dos “gusanos”, da burguesia anticastrista cubano-americana e seus descendentes.
Obama havia “reconhecido” diante de Cuba que a política de bloqueio do imperialismo havia fracassado. Esta foi, de fato, uma vitória da resistência do povo cubano … mas uma vitória com armadilhas … Antes de tudo, Obama nunca levou ao fim as promessas de levantamento total do bloqueio econômico.
Obama encorajou a política de uma “transição ordenada” … para o capitalismo … mas conseguida com métodos mais eficazes do que o fracassado bloqueio. Tomando as medidas restauracionistas da mesma burocracia, a estratégia de Obama era encorajar a formação na ilha de uma nova burguesia e setores “médios” … esperando que eles se voltassem para os Estados Unidos … e finalmente colocassem Cuba de volta a órbita do imperialismo ianque …
Esta política era inteligente e poderia ter sido efetiva … Mas a grande maioria da “Gusanera” de Miami a rejeitou frontalmente.
Embora existam setores mais “realistas”, esta burguesia cubano-americana segue em sua maioria com o programa de colapso do atual Estado cubano. Assim recuperariam suas instituições e “recuperariam” as suas propriedades. Esta saída havia sido em grande parte frustrada … mas com Trump viram a porta reabrir. Ele anunciou restrições de viagem à ilha e uma proibição de fazer negócios com suas empresas … No entanto, tem sido tomado cuidado até agora em liquidar formalmente os acordos já assinados e/ou para quebrar as relações diplomáticas …
Na rota oposta do governo Trump, se posicionou a União Européia … A UE incentiva a reviravolta restauraçionista da burocracia incentivando os negócios, em primeiro lugar, o turismo. Isso não só serve aos bolsos dos capitais europeius mas, também, da própria burocracia. É também um fator poderoso que impulsiona a “normalização” capitalista da ilha … embora em primeira instância com a atual burocracia à frente .
Perspectivas e sinais de interrogação…
Enquanto isso, ainda que as forças externas ou internas que pressionam Cuba sejam diferentes, eles têm um elemento em comum. Todos levam a uma ou outra forma de restauração capitalista … um “negócio” onde os trabalhadores e as pessoas sempre perderão … independentemente das formas e da saída que este curso de restauração finalmente leva …
Neste contexto, muitas das realizações da revolução de 1959, como a saúde pública, o acesso ao trabalho, a educação e muitos outros, estão se deteriorando há muito tempo. E, sobre tudo isso, a dura realidade de uma desigualdade social que cresce cada vez mais … no meio de discursos “revolucionários”, “patrióticos” e até “socialistas”.
Mas nesse panorama sombrio há uma força que poderá mudar radicalmente o quadro. Essa força é a classe operária e trabalhadora de Cuba.
Embora o regime existente em Cuba prejudique enormemente tomar a “temperatura” política da classe trabalhadora, muitos sinais indicam que o descontentamento alcança amplos setores. Muito mudaria se esse descontentamento elementar fosse traduzido em organização e lutas, e especialmente em um programa que sintetizasse seus interesses, tanto imediatos como gerais.
Isso não é e não será fácil. Mas, ao mesmo tempo, pode ter potencialmente fatores a favor. Uma delas é que nenhuma das forças em conflito, nem a burocracia, nem a pro-burguesia que apareceu nos últimos anos na ilha após o Congresso de 2011, nem o imperialismo ianque e/ou a União Européia, contemplam ações ou políticas que favoreçam aos trabalhadores.
Em Cuba, como no resto do mundo, para aqueles que estão no topo são tempos de crise e não “de fazer demagogia” dando concessões. Quem não luta por seus interesses, está perdido. A classe trabalhadora foi colocada objetivamente ante esse dilema: defender-se ou resignar-se a afundar em um abismo sem fundo.
A mudança política implícita pelo surgimento de Díaz-Canel e de uma nova geração de burocratas sem relações com a revolução de 1959 também pode implicar simultaneamente uma perda de autoridade e legitimidade frente a uma massa de trabalhadores e populares de quem se exigirão maiores sacrifícios.
Tudo isso pode finalmente ser uma mistura explosiva …
*Traduzido por José Roberto