A posse de Donald Trump em 20 de janeiro último – como esperado por sua campanha belicista, transfóbica, xenófoba, ecocida e, principalmente por suas primeiras medidas – evidentemente aumenta as tensões em um cenário mundial em desequilíbrio sistêmico, polarizado e girado conjunturalmente à direita.
Trump se apresenta como um verdadeiro paladino da extrema direita na tentativa de impor aos trabalhadores e aos oprimidos de forma geral uma derrota fragorosa, senão cabal e histórica, a qual está longe de alcançar. Porém, vários são as mobilizações em todo o mundo da classe trabalhadora como um todo, principalmente mulheres, juventude, negros e povos oprimidos nos mais diversos campos (contra o genocídio de Gaza, marchas contra a degradação do meio ambiente, luta por emprego e sindicalização e defesa das liberdades democráticas como na Coréia e na Síria) resistindo aos ataques da direita/extrema direita.
Roberto Sáenz, dirigente do Nuevo MAS e da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, no artigo abaixo, aponta mudanças no imperialismo do nosso tempo, em que a dominação/submissão territorial (não apenas econômica, mas também política e, principalmente, militar) volta a ganhar vulto e centralidade. Esse movimento do imperialismo, que não está presente apenas no trumpismo, mas também em outras longitudes, deve ser observado com a máxima atenção e cuidado. No entanto, a ofensiva imperialista estadunidense não ocorrerá num espaço vazio, mas em um contexto de polarização geopolítica e, principalmente, em uma luta de classes nos EUA e internacionalmente que deve assumir formas cada vez mais explosivas.
Apesar dos contornos reacionários da conjuntura internacional, o aprofundamento dos ataques por parte do imperialismo e das burguesias locais pode desencadear uma resposta por baixo dos explorados e oprimidos, isto é, sempre existe potencialidade de reversibilidade revolucionária na atual situação! Essa é uma lição histórica herdada de Lênin que as correntes catastrofistas e derrotistas esquecem por completo e, portanto, somente conseguem olhar os aspectos regressivos da situação. Assim, diante da nova etapa da luta de classes que abre-se, caracterizada pelo retorno das guerras, crisis, barbárie, rebeliões e a eventualidade de novas revoluções, é fundamental que as novas gerações militantes recuperem a riqueza do pensamento dialético para compreender o novo mundo, as contradições e potencialidades que o caracterizam.
Redação
O novo governo Trump (primeiras notas)
ROBERTO SÁENZ
“Sejamos claros: os EUA não estão se tornando imperialistas sob Trump, mas esse imperialismo está mudando sua natureza. Não deixa mais espaço para a ilusão de soberania; não se preocupa com quid pro quos (uma coisa pela outra). O que o novo governo busca é a vassalagem completa, na qual os interesses econômicos dos Estados Unidos estejam protegidos. É um imperialismo de predação (…) Mas se os Estados Unidos são capazes de considerar o lançamento do exército para conquistar um território ultramarino da União Europeia ou recuperar um território como o Canal do Panamá, que foi objeto de um acordo de restituição, como então podem culpar uma possível invasão chinesa de Taiwan ou a tomada do poder por qualquer outra potência para conquistar um território que considera útil para eles? (Romaric Godin, “Trump 2025: De imperialismo hegemónico a imperio colonial“, izquierda web)
Na última segunda-feira, 20 de janeiro, Trump assumiu o cargo para seu segundo mandato. Com a excepcionalidade de ter sido reeleito pela segunda vez tendo perdido sua primeira reeleição, Trump assume o governo dos Estados Unidos em um mundo em estado de fluxo, mudando. A seguir, tentaremos dar algumas primeiras pinceladas de algumas características do novo governo e as circunstâncias em que ele terá que agir (já está agindo).
Esta segunda administração Trump parece delinear uma reconfiguração do imperialismo ianque e mundial que, embora no primeiro mandato tenhamos identificado como um giro “nacional-imperialista”, neste segundo caso, acompanhando a evolução do mundo na última década, parece caracterizá-la de forma mais profunda.
Uma mudança significativa está ocorrendo no imperialismo mundial ao entender o imperialismo como uma totalidade econômico-política, um constructo que unifica a economia com os estados concorrentes. O imperialismo tradicional que ja conhecíamos, o da hegemonia ianque, parece estar fadado a desaparecer. Esse imperialismo tradicional, na realidade, tinha sido uma novidade do século XX: o estabelecimento de um imperialismo hegemônico que não precisava de relações diretas de territorialidade, isto é, de dominação-submissão territorial, não apenas econômica, mas também política.
Mas essa realidade mudou: no mundo temos o “espaço” do G7 formado por Estados Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Japão, Canadá e Itália, núcleos do capitalismo neoliberal tradicional hoje em transformação, assim como o imperialismo emergente da China (a segunda potência econômica mundial já e em breve, talvez, a primeira, embora não no campo militar) e, também, o imperialismo territorial russo de Putin, bem como países subimperialistas de enorme importância como Índia, Turquia, Arábia Saudita, Paquistão, etc., expressando a extensão – e a velocidade! – em que a estrutura imperialista tradicional está sendo modificada.
Devemos lembrar que os velhos imperialismos, os velhos impérios, eram construções de dominação territorial. O império inglês, o mais bem-sucedido do século XIX, foi uma construção de dominação colonial no exterior. Por meio dessa dominação direta, foi o império hegemônico no século XIX. No entanto, os outros impérios concorrentes (imperialismos) também tinham colônias: este é o caso da França, da Turquia, da Rússia dos czares, da Holanda, dos Estados Unidos emergentes, e a definição tradicional de Lenin em Imperialismo, a Fase Superior do Capitalismo era que os imperialismos emergentes, Alemanha e Japão, haviam chegado tarde na divisão do mundo; daí o desencadeamento da Primeira e Segunda Guerras Mundiais (de as conflagrações mundiais antecipadas pelo próprio Lenin dada a dinâmica material das coisas).[1]
No entanto, no final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha e o Japão foram derrotados e a Grã-Bretanha e a França rapidamente perderam o que restava de seus impérios. Ocorreu um imenso processo de descolonização que abrangeu a China (através da revolução anticapitalista), Índia, Vietnã, Argélia, Egito e o Canal de Suez, a criação do Estado de Israel subjugando os palestinos, etc.
De certa forma, a URSS manteve as características de dominação “colonial” não capitalista nos países da Europa Oriental sob o Pacto de Varsóvia, mas a potência absolutamente dominante e hegemônica, os Estados Unidos, metade do PIB mundial no final da Segunda Guerra Mundial, não precisava seguir esse caminho: combinando o “soft power” da legitimação “democrática” com o “hard power” de ser a principal potência econômica e militar do mundo. Afirmou seu imperialismo moderno na forma de dominação econômica, mas não diretamente política (das formas de colonização passou-se a semicolônias e países dependentes).[2]
Passando por várias etapas, o mesmo que aqui, a questão é que essa hegemonia atingiu seu ápice neoliberal nos anos 90 com a queda do Muro de Berlim e o colapso da ex-URSS.
No entanto, a globalização, que significou a desterritorialização da dominação no auge da exploração capitalista, acabou se voltando contra seu principal beneficiário: os próprios Estados Unidos. A fanfarronice de Trump sobre querer comprar e/ou invadir a Groenlândia, anexar ninguém menos que o Canadá, recuperar o controle do Canal do Panamá, mudar o nome do Golfo do México para “Golfo das Américas”, etc., está expressando uma mudança na forma como o imperialismo ianque se concebe (não sem ignorar que isso continua significando diferenças dentro da burguesia ianque) [3]: “As consequências de tal doutrina são consideráveis [referindo-se à doutrina de domínio direto de Trump]. Em primeiro lugar, porque restabelece a guerra de conquista como uma forma possível de ação. Desde a última guerra mundial, esse tipo de guerra é considerado impossível e tem sido acompanhada da recusa em se questionar as fronteiras. Isso é o que foi considerado inaceitável pela anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e pela guerra em curso na Ucrânia, em particular pelos Estados Unidos e seus aliados“ (Godin, idem).
A encenação do MAGA (Make America Great Again) significa duas coisas: a) o reconhecimento implícito de que os EUA “não são tão grandes”; isto é, que não é tão grande, e b) a alusão a um curso em que os elementos hegemônicos do “soft power” parecem ficar de lado (Trump não tem apelo hegemônico, exceto para sua tribo da extrema direita nacional e internacional, mas ele é incapaz de defender os valores tradicionais do imperialismo ianque da “democracia” e todo o resto) e o que aparece, novamente, é o “Big Stick”, ou seja, o grande bastão.[4]
Pode parecer que o surgimento do “grande bastão” seja um sinal de força, mas, no entanto, do ponto de vista da dominação imperialista mais estável, é um elemento de fraqueza. Neste segundo governo Trump, a decisão de tentar recuperar a hegemonia por meios “territorializados” parece refletir mais do que uma decisão dos próprios Estados Unidos, uma dinâmica que lhes é imposta de fora e que Trump faz sua. Acontece que a China reivindica Taiwan e acabou subjugando Hong Kong; que a Rússia reivindica para si a faixa que ocupa a Ucrânia, e veremos mais; que Israel realmente aspira a expulsar os palestinos de Gaza e da Cisjordânia e assim por diante.
Neste ponto, não nos interessa fazer uma análise da possibilidade dessas ocorrências, mas, simplesmente, dar conta de uma dinâmica: a territorialização das relações do imperialismo e o reaparecimento de novas dinâmicas de colonização é algo que esteve fora da agenda nas últimas longas décadas desde a Segunda Guerra Mundial.
Se somarmos a isso os elementos de protecionismo, etc., o que podemos ver é o retorno dos Estados que se voltam aos seus próprios foros, bem como, toda uma série de relações que caracterizavam o velho imperialismo: melhor dito, a realidade das relações de territorialidade e sujeição dos antigos impérios.
Este parece ser um primeiro elemento que emerge das declarações e bravatas de Trump, que ninguém pode saber neste momento até que ponto elas podem passar das palavras aos atos (diz-se que Trump é pragmático e transacional: ele ataca para negociar), mas é um fato que essa lógica de um giro no imperialismo que, na realidade, é um retrocesso às velhas formas de imperialismo, como suas palavras e declarações de intenções parecem expressar.
O historiador Enzo Traverso, referindo-se a Hannah Arendt (em sua obra As origens do totalitarismo) recorda que em algumas de suas obras sobre o nazismo, ele mesmo, na realidade, expressava uma velha forma de imperialismo com sua política de “espaço vital” (Lebensraum). Na realidade, o Império japonês durante a Segunda Guerra Mundial tinha a mesma lógica: ambos os velhos imperialismos tentaram seguir o caminho territorial para garantir sua hegemonia e dominação, bem como seu suprimento de recursos naturais, e foram derrotados na guerra interimperialista.
Em resumo: o recuo do imperialismo ianque tradicional baseado em elementos hegemônicos para um império com ambições territoriais, configura um giro que só pode agravar as contradições do novo cenário mundial em que entramos, de crise, guerras, barbárie, reação, colonialismo e revoluções.
Em todo caso, esse caráter a priori mais definido do segundo governo Trump deve ser colocado sob o contraste entre palavras e ações. De forma mais geral, o que está na mesa para discussão é sua possível dinâmica; isto é, até que ponto os EUA giraram à direita (até onde esse giro chegou, o que realmente ocorreu) e como os elementos de polarização da luta de classes atuarão dentro e fora dos Estados Unidos.
Ou seja, e sendo este texto o primeiro a abordar o que há de específico sobre o novo governo trumpista (não pretendemos fazer aqui uma análise da situação mundial que, aliás, metodologicamente, ou seja, do ponto de vista de como abordá-la, fizemos em outros textos – “Sobre Lenin, Hegel y la dialéctica del siglo XXI” – e nem abordar outras características reacionárias do novo governo trumpista, que são mais conhecidos), interessa-nos sobretudo referirmo-nos ao problema da imigração e às suas consequências no interior dos Estados Unidos.
Trump anunciou e assinou uma série de ordens executivas sobre imigração em suas primeiras horas de seu segundo mandato. Vejamos algumass delas. O primeiro, o fechamento das fronteiras, está em plena execução: as fronteiras com o México foram fechadas e cerca de 300.000 migrantes que aguardavam um aplicativo, pelo qual, sob o governo de Biden, cerca de 900.000 pessoas entraram legalmente no país, foi desativado. Há histórias comoventes de migrantes que deixaram tudo para trás para tentar entrar nos Estados Unidos por esse meio e que não poderão fazê-lo. A consequência aqui é que, mesmo que Trump declare os cartéis de drogas mexicanos “terroristas”, cartéis que também lidam com a passagem ilegal de pessoas pela fronteira, só acabará incentivando a entrada ilegal nos Estados Unidos.
De qualquer forma, é evidente que essa medida reacionária já está em execução e é um retrocesso, para além do fato de que as políticas migratórias de todos os governos ianques, republicanos ou democratas, foram marcadas pelo cinismo (cremos lembrar que Obama foi um dos governos que mais deportou imigrantes em seu duplo mandato!).[5]
No entanto, Trump também afirmou que neste mesmo fim de semana haveria batidas contra imigrantes em todo o país e até assinou uma ordem executiva por meio da qual os migrantes poderiam ser removidos de escolas e igrejas. Fala-se de um grande ataque no próximo fim de semana em Chicago e seus funcionários acrescentaram que não seria apenas Chicago, mas muitas cidades do país … Bem, há que esperar para ver. Porque, como diz outro artigo desta mesma edição, é falso que não exista sociedade civil nos Estados Unidos: ela existe e é muito vibrante!
O país está cheio de grupos, sindicatos, todos os tipos de associações estudantis, etc., que militam pela causa palestina, pela sindicalização da nova classe trabalhadora, pela solidariedade com a população de cor, com os imigrantes, etc., que inevitavelmente reagirão se ocorrerem grandes redadas ao ar livre.
Além disso, Trump também prometeu eliminar o jus solis, que é o direito à nacionalidade por nascimento dos filhos de imigrantes. No entanto, por se tratar de um direito que está na Constituição, já existem inúmeros recursos à justiça, além do fato de que os Estados Unidos é um país verdadeiramente federal onde estados e até cidades têm muito peso e vários deles se declararam “cidades-santuário” para imigrantes (aqui deve ser entendido que existem muitos fatores mediadores: os Estados com suas legislações e governos estaduais, as diferentes instâncias de “justiça”, as pequenas maiorias republicanas em ambas as câmaras, o “palácio”, mas também a “praça”, etc.).[6]
Por essas razões, não é tão fácil para o intento de Trump se afirmar assim, apesar da desmoralização e vergonha do Partido Democrata, que imperialista como é, infelizmente continua a dominar muitas das coalizões e grupos progressistas que existem nos Estados Unidos apenas para traí-los e entregá-los repetidamente (isso é um símile das ações do PT e Lula no Brasil ou do kirchnerismo e do fascismo e da burocracia sindical na Argentina, por exemplo).
Ou seja: a ação Trumpista não atuará no vazio, mas no contexto de polarização não apenas geopolítica, mas também dentro dos Estados Unidos, e não é possível saber de antemão o que sairá dessa combinação explosiva.
Aqueles que compram a bênção hitlerista de Musk como TODA a realidade, estão comprando um “pacote” que perde de vista toda a espessura das relações econômicas, sociais, geopolíticas e políticas globais e nacionais nas quais o governo Trump terá que agir, muito possivelmente explodindo o que resta da estabilidade mundial e dos Estados Unidos no ar: “Ninguém sabe o que Donald Trump realmente fará. Mas esses anúncios confirmam que o quadro intelectual, econômico e político da nova administração é totalmente diferente do de 2017. A evolução do capitalismo mundial alterou profundamente a natureza do imperialismo norte-americano. Agora será como o trumpismo: um perigoso retrocesso ao caos, á guerra e ao colonialismo” (Godin, idem), e acrescentamos: eventualmente, em direção ao aumento da luta de classes e da revolução.
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