A Argentina é o país que protagonizou no início do século XXI o maior movimento popular da época, os Piqueteiros. O movimento social foi nesse país capaz de derrubar 4 presidentes e inaugurar um cenário, no cone sul, que seria preenchido por outras rebeliões no Equador, Bolívia, Venezuela e etc.
Corroborando plenamente com a teoria de Trotsky do “desenvolvimento desigual e combinado”, após 20 anos de vários movimentos contra o neoliberalismo terem corrido o mundo e, em muitos dos casos, terem levado às suas classes dominantes a apostar em um giro a direita, a aceitar os representantes da extrema-direita e o seu discurso neo-fascista (EUA, Itália, Hungria, Colômbia, Ucrânia, Brasil, etc…), hoje a nação “hermana” se defronta com a presença de um candidato de mesmo jaez de Bolsonaro.
Ou seja, os acontecimentos se desenvolvem dentro de uma totalidade que vai se apresentando mais para lá ou mais para cá dependendo de como se situa a luta de classes. A chegada pretensamente tardia do neo-fascismo em terras dos Pampas, somente se dá agora porque um forte e combativo movimento de trabalhadores, mulheres e juventude, manteve-se e se mantém ativo – permanentemente nas ruas – na defesa dos direitos dos explorados e oprimidos.
O artigo do companheiro Facundo Oque, ao fazer a análise da situação argentina pelo mais profundo viés histórico aponta quais são os caminhos e formas de afrontar o crescimento da besta argentina.
Muito ao contrário do que fez o PSOL, que seguindo de perto os passos do lulismo, jogou por terra a independência de classe e se afundou na lama da esquerda da ordem, onde não existe saída para os trabalhadores que não seja se amoldando e se acomodando às políticas dos governos burgueses de conciliação de classes e em políticas de compensação social, quando a conjuntura permite, que são substituídos por governos burgueses normais em um eterno retorno de pouquíssimas concessões seguidos de duríssimos ataques.
O PSOL nascido na luta ainda de vanguarda de vários setores que buscaram superar politicamente o período pessedebista, principalmente o petista, colabora para a não superação dialética dessa polarização que não supera a exploração e opressão, pois abandonou a organização dos explorados e oprimidos e se afundou como alternativa política de classe.
Aprendamos com a leitura abaixo.
José Roberto Silva
A rebeldia não pode ser de direita
“O seu programa econômico é o de Videla. É o programa da ditadura” (Manuela Castañera, condidata a deputada federal pelo Nuevo MAS, olhando nos olhos de Javiel Milei)
FACUNDO OQUE
O fenômeno Javier Milei: por que cresce nas pesquisas?
A deterioração de ambos os lados da “fenda” e a necessidade dos capitalistas de tensionar o discurso político para a direita abriram perigosamente o caminho para este expoente nefasto do mais rançoso da política argentina, mas com um novo capachinho. Análise de um fenômeno que deve ser combatido com firmeza para não lhe dar nenhum espaço.
Várias pesquisas mostram o crescimento eleitoral de Javier Milei. As pesquisas mais favoráveis o colocam em mais de 20%, enquanto outras o colocam em um moderado 16%. Com estes números, embora fosse audacioso dizer que ele poderia chegar a um segundo turno para o executivo, seus votos são definitivamente um capital que poderá acabar inclinando a balança a favor de um ou outro candidato, definindo o próximo presidente do país.
Esta situação colocou o representante histriônico (e nefasto) dos mal denominados “libertários” como primus inter pares com pesos pesados como Macri e Bullrich, que quiseram integrá-lo ao JxC[1]. A divisão do eleitorado reacionário poderia significar uma derrota dos “falcões” frente a ala moderada de Juntos, dando a Larreta a vitória necessária para catapultá-lo à corrida presidencial.
Em um momento de maiores tensões nas duas coalizões majoritárias; no contexto de uma prolongada, mas gravíssima, crise econômica, com uma inflação histórica e descontrolada e um ajuste no horizonte através do acordo com o FMI, vários analistas começam a colocar a hipótese de que o cenário político eleitoral pode estar mais fragmentado do que o de costume.
Na ausência de irrupção social nas ruas, a crise está sendo desenvolvida e canalizada através do debate público, com um festival de candidaturas e uma campanha eleitoral antecipada. O crescimento do apoio a Javier Milei e a polarização do debate parecem ser indicadores de que poderíamos estar nos aproximando de uma nova situação em termos do equilíbrio da representação política na Argentina.
Tende-se a romper o status-quo eleitoral?
O pêndulo político-eleitoral argentino vem posicionado no centro há muitos anos.
As eleições de 2015, 2017, 2019 e 2021 são prova disso, com duas forças principais representando mais ou menos 70% dos votos. Com as eleições presidenciais sendo definidas em segundos turnos por 4 ou 8 pontos (Macri vs Scioli / Macri vs Alberto). A mídia chamou este fenômeno de “a fenda“, aludindo ao fato de que o eleitorado está dividido aproximadamente em duas metades equilibradas.
Esta divisão foi inaugurada com a profunda crise com as patronais agrárias em 2008. Após este evento, que marcou a ruptura de um setor da burguesia com o Kirchnerismo, a reforma eleitoral de 2011 passou a desempenhar um papel fundamental na tarefa de reinstitucionalização do país. Uma tarefa que o kirchnerismo veio a assumir após a rebelião popular de 2001, tentando fazer com que as massas deixassem para trás o questionamento do “fora todos” que pôs fim às políticas de choque, expulsando De La Rúa e fazendo desfilar cinco presidentes pela Casa Rosada em uma semana.
Recordemos a frase de Cristina quando os tratores e 4×4’s estavam bloqueando as estradas e jogando leite e alimentos em sua berma: “façam um partido e ganhem as eleições“. O conflito em si acabou sendo canalizado através das regras do jogo parlamentar, definidas pelo “voto não positivo” de Cobos[2]. A mediação eleitoral-institucional começou a ser um catalisador privilegiado para o descontentamento político. Uma estratégia para concentrar todo o debate nas opções eleitorais.
Desde então, parece que a Argentina vem vivendo uma campanha eleitoral permanente, embora o conflito social não tenha desaparecido de cena, sendo a situação moldada pelo resultado de ambos os elementos.
Os eventos de luta nas ruas, como os dias 14 e 18 de dezembro de 2017 contra a reforma previdenciária, que levaram à derrota de Macri, testemunham isso. A ferida foi infligida nas ruas quando milhares de trabalhadores enfrentaram repressão e, durante dois dias, os métodos do argentinazo pareceram retornar. Apesar da vertigem que o macrismo sofreu e do perigo real de ser expulso do governo, a morte de sua administração foi mais uma vez realizada na esfera institucional das urnas.
Mas, quanto tempo um status-quo formado para estabelecer o equilíbrio entre duas forças majoritárias pode durar uma vez que ambas as expressões falharam miseravelmente?
Com um eleitorado que vê no horizonte uma deterioração cada vez mais pronunciada do poder de compra através da inflação e do ajuste; onde, embora existam empregos, eles são cada vez mais precários; onde a escassez de moeda estrangeira torna difícil para a Argentina intervir na economia global; onde vários anos de crescimento atrofiado se acumularam e a inflação recorde está quebrando todos os parâmetros de mediação econômica interna, ameaçando tornar=se a mais alta desde a hiperinflação de Alfonsín e sua recuperação menemista que facilitou a instalação da convertibilidade, é lógico que, neste contexto, os discursos que parecem chutar a mesa estão ganhando um público mais amplo. A discussão se torna mais ideológica e radical.
Mas por que esta situação fortalece principalmente a ala mais reacionária da política e não a esquerda?
A falta de um avanço na luta dos trabalhadores por reivindicações, contida pela burocracia sindical aliada ao governo, é uma chave para isso. É também o resultado de dois anos de pandemia que fragmentaram a vida social da população e paralisaram os espaços de politização da juventude, como o movimento estudantil e o movimento de mulheres, empurrando as pessoas de volta para suas vidas privadas. Além disso, a profunda erosão do peronismo, que é a grosso modo percebido como progressista e de esquerda, é outra parte da explicação para o balanço do pêndulo para a direita, em primeiro lugar.
Uma situação gerada pela escassez de respostas plausíveis do ‘centro político’ está empurrando a aceleração do pêndulo para os extremos. Sintonizar a Argentina com as tendências internacionais de maior polarização e crise dos partidos tradicionais. Por exemplo, temos os casos do Brasil, Estados Unidos, França, Espanha, Peru, e a lista poderia continuar. Certas organizações e forças políticas operam sobre estas tendências objetivas a fim de levar água a seu moinho.
O perfil de Javier Milei
De acordo com um estudo da consultoria Ejes Comunicación, entre 2017 e 2018, antes da última campanha eleitoral, Javier Milei teve 235 entrevistas, o que representa mais de 193.547 segundos no ar. Claramente, Javier Milei cumpre com o físico seu papel midiático de freak televisivo. Ele gera controvérsia a cada aparição, explodindo de fúria e gritando com qualquer um que ouse sentar-se à sua frente. Ele despreza os políticos como um todo, chamando-os de “casta” (embora ele tenha hipocritamente elogiado Macri, Menem e outros) e não poupa insultos e exageros. Um espetáculo que lembra o escândalo televisivo dos programas sensacionalistas que tiveram o auge de audiência nos anos 90 e 2000. Imitando uma estética que pode ser rotulada como qualquer coisa pelos parâmetros banais da TV, exceto o tédio. Evidentemente (além do financiamento de várias dessas entrevistas), isso aumenta os pontos de rating.
Quanto às suas idéias, elas são as velhas e desastrosas propostas da direita liberal argentina que produziram milhões de pobres, fome e desemprego. Isso multiplicou a dívida externa e a submissão ao imperialismo ianque. E até mesmo a reivindicação dissimulada da ditadura militar. Apesar de sua hipócrita defesa da “liberdade”, Javier Milei tem em sua lista negacionistas como Victoria Villaroel, defensora dos militares da ditadura, e ele mesmo admitiu ter trabalhado com os Bussi genocidas.
https://www.youtube.com/watch?v=DD_inxGH58U&t=2s
Como os velhos valentões do fascismo, suas ideias são apresentadas a partir de um senso comum populista que procura empatizar com aqueles que sentem raiva dos políticos e frustração com a impossibilidade de progresso, principalmente pequenos comerciantes ou empresários empobrecidos. Também visa aqueles que, por uma inércia conservadora, reagem às mudanças sociais provocadas pelo movimento feminino, ou veem o imigrante, o beneficiário da assistência social ou o trabalhador comum como responsável por suas dificuldades. Uma pose provocadora de “macho alfa” que toma o mundo de assalto e defende o individualismo extremo.
Entretanto, seu nível inicial de exposição televisiva é exagerado para um economista sem sucesso acadêmico prévio ou realizações gerenciais e com uma curta carreira política. O peso de suas propostas e seu discurso no debate político é exagerado para alguém que não tem sequer um partido militante de âmbito nacional. Evidentemente, a irrupção de seu discurso é funcional a certos interesses e é por isso que recebeu maior exposição. Vamos ver.
A quem é funcional Javier Milei?
Há uma tarefa pendente que a burguesia argentina busca tentar concluir (sem sucesso) há anos. Avançar nas contra-reformas estruturais que reduzem os custos de mão-de-obra e aumentam a produtividade, modificando a estrutura económica do país. Este plano já foi implementado noutros países da região como o Chile e o Brasil através das administrações liberais de Temer (e mais tarde Bolsonaro) e Piñera.
O conflito social argentino, o elevado nível de sindicalização e a tradição de luta por reivindicações, somados ao legado da rebelião de 2001, colocaram um limite ao avanço destas contra-reformas. Já mencionámos o que aconteceu quando Macri tentou um avanço tímido e a raiva explodiu: teve de se resignar ao gradualismo e contrair um empréstimo do FMI para financiar o ajustamento em prestações.
Os eixos do discurso de Javier Milei, tais como o questionamento dos “custos laborais”, a denúncia dos impostos, a necessidade de reduzir o Estado, o movimento anti-picquetes, a dolarização, o questionamento do movimento das mulheres, vão todos na mesma direção: inserir um senso comum reaccionário na sociedade, deslocando o debate político para a direita. Para preparar as condições para retomar a ofensiva com políticas de choque.
Uma espécie de pré-menemismo. Semelhante ao trabalho de propaganda que foi feito contra a ineficiência das empresas públicas nos anos 90, gerando as condições para a sua privatização maciça (que implicou despedimentos em massa) nos anos seguintes.
Se o seu público inicial era de jovens fãs de jogos de vídeo de classe média alta zangados com o feminismo (um extrato social semelhante ao dos teóricos da conspiração e dos incels americanos), é real que os elementos do seu discurso e até a simpatia pela sua figura parecem estar perigosamente a fazer incursões entre os sectores populares da população.
Embora haja múltiplos fatores em jogo, tais como a irrupção de uma narrativa liberal meritocrática promovida pelos líderes da nova oligarquia mundial de alta tecnologia capitalista (Elon Musk, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, o mundo criptográfico, etc.), o fenómeno está sendo processado especificamente na Argentina como resultado da crise de ambas as coligações maioritárias: a Frente de Todos e a Juntos pela Mudança.
Fracasso de ambos os lados da “fenda”
O peronismo geriu o país durante 12 anos (mandatos de Néstor e Cristina) e após a presidência de Macri veio o albertismo, representando 16 anos dos últimos 20. Se no início a desvalorização que veio com a saída da convertibilidade, aliada aos elevados preços das mercadorias a nível internacional, lhes permitiu fazer concessões económicas e sociais que foram a base material da sua narrativa de inclusão social, enquanto não resolveram os problemas económicos estruturais do país, estes regressaram gradualmente com toda a força para desgastar seriamente o seu modelo económico e social.
A recessão e a falta de dólares. a perda de competitividade e os défices fiscais. A recuperação do emprego e da capacidade instalada nas fábricas, mas com a multiplicação do emprego precário e sem desenvolver novos ramos produtivos, preparou o terreno. Finalmente, o retumbante fracasso do governo de Alberto, um governo que veio com a promessa de recuperar o crescimento após os duros anos de ajustamento Macrista e que está a gerir um ajustamento no meio da inflação mais alta dos últimos 30 anos, está terminando por deslegitimar o discurso peronista de inclusão social aos olhos de amplos sectores. Esta situação conduziu agora a uma crise profunda no seio do partido no poder, que ameaça despedaçar a Frente de Todos.
Do lado do Cambiemos, a sua administração chegou ao poder encenando um “liberalismo light” prometendo que, ao acabar com a intervenção do Estado e encorajando o empreendedorismo, as pessoas viveriam “todos os dias um pouquinho melhor”. Macri vendeu progresso individual, meritocracia, redução da intervenção estatal, aumento da competitividade, liberalização. Um programa que a ser levado a cabo significava atacar salários, níveis de emprego, subsídios à energia e à indústria, destruindo centenas de postos de trabalho e as condições de vida de milhões de trabalhadores.
Uma vez sentado na cadeira de Rivadavia, a sua tentativa de liberalização deparou-se com um equilíbrio de poder adverso expresso num movimento operário e popular pronto a confrontá-lo com a luta nas ruas. Houve enormes mobilizações, que não se viam há anos. Perante a falta de volume político para enfrentar o movimento de massas, teve que deixar pendentes as contra-reformas estruturais que a burguesia esperava da sua administração, financiando a regulação do ajustamento através da assunção de dívidas com o FMI. Mais uma vez, gradualismo em vez de políticas de choque.
Ao fracasso de ambas as administrações “centrais” deve ser acrescentada a irrupção da pandemia a nível global. Operou a nível internacional, fragmentando as esferas de discussão social (tais como universidades, sindicatos e locais de trabalho). Multiplicou o peso da comunicação digital e das redes sociais (um campo em que os “libertários”, seguidores da nova oligarquia técnocapitalista vinham trabalhando sistematicamente) e inflamou uma classe média de comerciantes impedidos de trabalhar por quarentenas e medidas restritivas que constituíam a base social privilegiada das correntes mais de direita, negacionistas e conspiratórias a nível global.
A raiva de Javier Milei e as suas explosões contra a “casta política” parecem estar ligadas ao sentimento de desilusão que se instalou em milhares de habitantes como resultado dos fracassos de ambas as alianças maioritárias. O seu crescimento é um perigo, porque por detrás dos seus gestos populistas grandiloquentes está um ataque a todos os direitos políticos e sociais dos trabalhadores e dos sectores populares. Um perigo imenso para o movimento popular e dos trabalhadores de massas, e para todos os coletivos que lutam pelas suas reivindicações, tais como a diversidade sexual, o movimento de mulheres, o povo mapuche, os trabalhadores precarizados, etc.
A rebeldia não pode ser de direita
A implementação do programa reacionário de Javier Milei exigiria um brutal giro repressivo do Estado. Assim como o acompanhamento de um sector social que estaria disposto a entrar em choque político (e mesmo físico) com os movimentos dos trabalhadores, das mulheres e dos jovens.
Javier Milei não tem neste momento um movimento tão orgânico e socialmente radicalizado que esteja disposto a apoiá-lo com uma ação direta deste calibre. Contudo, se ele chegar ao poder, as alavancas do Estado poderiam dar-lhe as ferramentas necessárias para o gerar, como tem sido o caso de Bolsonaro no Brasil e das suas experiências bonapartistas.
Embora a agitação do seu programa seja de momento propaganda, o seu discurso é multiplicado e amplificado porque é funcional para todas as forças políticas capitalistas.
Serve ao albertismo para justificar o ajustamento que está a realizar de mãos dadas com o FMI como o menor dos males. Serve a Cristina para agitar o bicho papão do avanço da direita e pressionar Alberto a tomar medidas “kirchneristas”. Serve Larreta para ocupar o centro do arco político (enquanto Milei emerge como ultra-direita), abrindo as suas asas e procurando o diálogo com “70% do arco político”. É útil para Macri e Bullrich a fim de apertar Cambiemos para um perfil mais duro de políticas de choque. E, em última análise, serve à burguesia para questionar o terreno ganho pelo movimento de massas nas suas reivindicações de direitos: o direito de protesto, os direitos das mulheres e da diversidade, os direitos humanos e a condenação do genocídio, e preparar o terreno para avançar com as contra-reformas estruturais.
Sob esta égide, todos os partidos políticos tradicionais normalizam e permitem o avanço dos herdeiros políticos de Videla, Bussi, Massera e o mais rançoso da política argentina apresentado com uma nova peruca.
A esquerda, no extremo oposto do dial, tem milhares de jovens, trabalhadores, mulheres, ativistas e combatentes operários e populares organizados. Representa uma força social orgânica, embora de vanguarda. Longe de serem reduzidos ao mero propagandismo, há anos que os nossos dirigentes têm sido atores no debate político e social. Mas a institucionalização da política, juntamente com a falta de participação dos trabalhadores, habilmente contida pela burocracia sindical traiçoeira, e a adaptação demasiado dócil de organizações como a FITU às regras do jogo da dinâmica político-eleitoral da Argentina, inclusive votando leis com a oposição de direita, tornaram difícil competir com o nível de impacto destes “outsiders”.
O definhamento da agitação socialista do FITU em função de “não confrontar a opinião pública” e as suas estratégias construtivas mal orientadas, tais como o seu recuo para o movimento dos desempregados (um movimento de contenção da miséria social mas com pouca consciência de classe e autonomia) deixaram a esquerda muitas vezes sem um perfil claro de diferenciação em relação ao resto dos partidos do sistema, para além do seu conhecido e valorizado compromisso com as reivindicações dos trabalhadores e populares.
A esquerda tem a tarefa de apresentar agitação disruptiva com questionamentos políticos substantivos para arrancar a bandeira da oposição ao sistema a estes falsos “libertários”, que são realmente os defensores mais determinados deste sistema de exploração e miséria. Aqueles que defendem mais profundamente o status-quo de classe, género, opressão racista, etc. Aqueles que se opõem a conquistas fundamentais como o direito ao aborto e lutam pela impunidade da ditadura genocida, contra o direito à greve e a todas as exigências dos explorados e oprimidos.
Neste sentido, o confronto de Manuela Castañeira com Milei, como quando face a face no TN[3] o acusou de ter “o mesmo plano económico que Videla“, ou mais recentemente, respondendo aos seus comentários misóginos na Feira do Livro, dizendo-lhe que “o movimento feminino vai dar-lhe uma lição nas ruas“, é a forma de desmascarar o seu verdadeiro rosto. Trata-os como inimigos dos sectores populares que são, sem deixa-los passar qualquer provocação.
Face à crise das alternativas de centro, e das propostas estéreis para enfrentar uma crise económica e social interminável, só radicalizando o discurso à esquerda, questionando o sistema como um todo com um programa anti-capitalista, será possível cativar os desencantados que começam a romper com os partidos tradicionais. Foi assim que Castañeira o expressou, propondo a expropriação das grandes propriedades e o aumento dos impostos retidos na fonte para 50%. Um programa de medidas radicais para que a crise seja paga pelos capitalistas e não pelos trabalhadores e setores populares.
Nesse marco, o apoio a todos os movimentos de luta dos explorados e oprimidos é fundamental, como a luta dos vários coletivos de trabalhadores precarizados que surgiram nos últimos tempos e participaram na Plenária Nacional da Corrente Sindical 18 de Dezembro (os ferroviários de Comahue, os entregadores de delivery da SiTraRepa, os trabalhadores de Alfalince, etc.). Esta luta é estratégica porque um programa que põe fim à precariedade do trabalho ataca frontalmente com o ajustamento gradual ou de choque que todas as alternativas políticas do sistema defendem.
Notas do tradutor:
[1] Juntos por el Cambio (em português: Juntos pela Mudança, às vezes abreviado como JxC ou Juntos na província de Buenos Aires) é uma coalizão política argentina criada para participar nas eleições nacionais da Argentina de 2019. É uma ampliação da aliança Mudemos, que ganhou as eleições em 2015. Foi liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, mas depois da derrota nas eleições de 2019, sua liderança tem sido questionada. Os principais partidos políticos integrantes são Proposta Republicana, União Cívica Radical, Coalizão Cívica ARI e Peronismo Republicano. É atualmente a maior coalizão de oposição na Argentina. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Juntos_por_el_Cambio em 09/06/2022) [2] Julio Cobos, vice de Cristina Kirchner e presidente da Câmara Alta, em 17/07/2008, deu seu voto de minerva contra modificações na resolução 125, que apresentavam sanções ao setor agropecuário defendido por Cristina. [3] TN = TUDO NOTÍCIAS, canal de tv argentino.