Maria Cordeiro e Yasmin Meira

Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. E o que deveria ser um direito é, muitas vezes, um luxo. Só no Brasil, 26% das garotas entre 15 e 17 anos não têm acesso a produtos de higiene menstrual. Muitas mulheres acabam recorrendo a materiais inadequados como jornal, papel higiênico, miolo de pão ou tecidos ou realizam trocas infrequentes do material, o que pode gerar riscos à saúde, como infecções – um quadro que em nosso país é responsável pela perda de 45 dias letivos aproximadamente de milhares de jovens mulheres na educação básica todos os anos.  

A menstruação é um processo saudável da vida de dezenas de milhares de pessoas no Brasil. O uso de produtos de higiene menstrual são imprescindíveis durante o período, e precisam ser trocados regularmente durante  3 a 7 dias a cada mês, assim estima-se que durante a vida de uma pessoa que menstrua, são consumidos de 10 a 15 mil absorventes descartáveis. No entanto, o preço desses produtos não são acessíveis para boa parte da população, pois são tratados pelo mercado como itens de luxo e recebem altas tributações. Essa falta de acesso a produtos menstruais, pouca divulgação de informações sobre menstruação e a infraestrutura adequada para o manejo da higiene menstrual de uma forma segura é chamada pela ONU de pobreza menstrual

A pobreza menstrual tem graves consequências na sociedade. Muitas vezes as pessoas que menstruam, pela falta de produtos higiênicos, recorrem ao uso de papéis, jornais, plástico, meias, miolos de pão ou até reutilização de absorventes, colocando sua saúde em risco, pois há maior chance de contraírem doenças e infecções. Além disso, como resultado da precariedade menstrual, meninas acabam faltando mais dias na escola durante a menstruação, o que pode prejudicar seu desempenho escolar, prejudicando-as em relação a seus colegas meninos. Segundo a pesquisa realizada pela marca Sempre Livre e pela KYRA Pesquisa & Consultoria,  22% das brasileiras de 12 a 14 anos e 26% das de 15 a 17 anos são vítimas da pobreza menstrual. Logo, por ser um problema social, de saúde pública e de gênero, a pobreza menstrual precisa ser combatida por meio de políticas públicas como por exemplo a distribuição gratuita de absorventes em escolas,  em cestas básicas, para a população de rua , em postos de saúde, além da implementação de uma rede de saneamento básico universal. 

Como fruto da mobilização da luta das mulheres para combater a desigualdade e esse grave problema, em 14 de setembro de 2021, o Senado aprovou a criação do Programa  Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O projeto prevê uma campanha informativa nacional sobre saúde menstrual, como também, um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos. Os absorventes seriam feitos de materiais sustentáveis, e distribuídos para 5,6 milhões de mulheres em todo o País, tais quais: estudantes de baixa renda matriculadas em escolas públicas; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; presidiárias e apreendidas, recolhidas em unidades do sistema penal e pacientes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. Além disso, também consta no projeto a inclusão do produto nas cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O projeto seria financiado pelo Ministério da Saúde e implementado mediante a adesão dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Na manhã desta quinta-feira (7), Jair Bolsonaro deixou claro, mais uma vez, que seu governo é inimigo número um das mulheres e de todos os explorados e oprimidos. Perversamente, o presidente, apesar de ter sancionado parte do projeto que prevê apenas campanhas informativas sobre a saúde menstrual, vetou justamente a principal medida do programa: os artigos que previam a distribuição gratuita de absorventes para a população, e a utilização de materiais sustentáveis. Como justificativa para o veto, o governo mentiu alegando que o projeto aprovado não informou a fonte de custeio, e que, entre outras desculpas, pelo fato da distribuição de absorventes estar restrita a uma parte da população (estudantes, presidiárias, mulheres em situação de rua etc), a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS.

Diante da importância da distribuição de produtos menstruais para a população, é preciso pressionar o Senado para que ele derrube o veto de Bolsonaro (a casa pode manter ou derrubar os vetos presidenciais e tem até 30 dias para fazê-lo, a partir da publicação no Diário Oficial). 

Seguindo a mesma linha de Bolsonaro, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos delegado para a fundamentalista religiosa Damares Alves é inimigo declarado de qualquer reivindicação das mulheres trabalhadoras. A falta de propostas que buscam uma efetiva melhoria na qualidade de vida da parte mais desprotegida da população brasileira faz parte de sua política contrária aos direitos básicos e universais dessa população. Um episódio que ilustra essa agenda ocorreu em 2019, o qual a ministra trata a violência sexual contra crianças, adolescentes, mulheres e pessoa idosas na Ilha do Marajó (arquipélago paraense) não como um problema séria e cultural no país, mas como uma simples questão de “falta de calcinhas”- “As meninas lá são exploradas porque elas não têm calcinha, não usam calcinha, são muito pobres”. O resultado: uma ação ineficaz contra a questão estrutural da violência, o envio de peças íntimas para a ilha. Diante desse episódio, e tantos outros, fica claro que o “descaso” do governo com a pauta das mulheres não é simples omissão ou ignorância, mas faz parte de um projeto ativo de retirada de direitos e dignidade das mulheres. 

O veto criminoso de Bolsonaro denuncia sua política misógina, genocida e anti-operária, e deixa claro que enquanto estiver no poder, ele e seus apoiadores farão o que for possível para obstar discussões que tratem de direitos das minorias e que repercutem diretamente sobre sua pauta conservadora, confirmando cada vez mais que seu governo é uma ameaça à toda luta por qualidade de vida para a população mais vulnerável.

As mulheres na luta de classes

Há tempos que as mulheres se colocam como setor social mais avançado na luta de classes em escala internacional. Basta recordar o papel que cumpriram nas mobilizações contra o governo Trump e o seu papel decisivo na derrota eleitoral do ano passado junto ao movimento negro e juventude. Não foi diferente das lutadoras na Polonia que ocuparam as ruas por mais de sete dias contra a criminalização do aborto em casos de má formação do feto no ano passado, assim como não podemos deixar de mencionar a luta de mais de uma década das mulheres argentinas que conseguiram a aprovação e legalização gratuita do aborto na Argentina também no último ano – a histórica e viva maré verde. 

Um caso mais recente do protagonismo feminino, talvez um dos mais duros e radicalizados, é o enfrentamento ao golpe de estado em Mianmar.  As mulheres do país do sudeste asiático,  historicamente excluídas dos espaços de representação política, assumiram a linha de frente da luta contra os militares em resposta ao horizonte de retrocessos históricos colocado pelo golpe militar,  reimposição categórica do patriarcado e às ameaças aos direitos democráticos e da comunidade LGBTQIA+.

No Brasil, em 2018, o neofascismo ganhou força com a continuidade da ofensiva reacionária pela classe dominante como resposta à crise estrutural do capitalismo. Apesar disso, mesmo com doses de gigantescas de responsabilidade do lulopetismo pelas sistemáticas traições e imobilização das labaredas de luta que se acendiam e seguem acendendo, as mulheres do Brasil protagonizaram uma luta histórica no segundo turno das eleições de 2018 com o #elenão que quase conseguiu a reversão do quadro eleitoral. Uma dinâmica que se mantém presente na batalha para derrotar o governo de uma vez por todas.

Diante do exposto, este veto de Bolsonaro, ao mesmo tempo que reafirma o caráter reacionário de seu governo, nos coloca a necessidade de derrotá-lo ainda este ano, e sem sombras de dúvidas, o papel e protagonismo das mulheres se fará peça fundamental neste processo que será decidido pela relação de forças nas ruas, na capacidade de colocar gigantescos contingentes de massa nos processos de mobilização – de maneira permanente e organizado pela base.