Já Basta!
Após a demissão de ministros e especulações em torno da demissão conjunta do alto comando das forças armadas, foram travadas intensas discussões sobre a decisão e o papel dos militares sob o governo Bolsonaro, tendo em vista que estes não embarcaram na sua mais recente investida golpista. Não temos dúvida que o descolamento da cúpula militar se deve muito mais ao agravamento das condições econômicas, sanitárias e do papel que cumpre o presidente nisso tudo, do que qualquer compromisso dos militares com a institucionalidade e seus ritos democráticos.
Mesmo apontando que não há coesão nas FA que garanta a Bolsonaro carta branca desde já para avançar no sentido de fechamento do regime, é necessário implodir as ilusões levantadas por alguns progressistas. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, afirmou sobre a demissão dos três alto-comandantes que se tratou de uma “mensagem inequívoca de que eles não aceitam o apelo golpista dos setores bolsonaristas que querem envolver as forças armadas na politicagem”.
Essa linha política que afirma sobre o apoio à legalidade, dado pelo alto comando, teve relativa repercussão entre setores de esquerda e foi amplamente difundida pela imprensa, que repercute a decisão como um apelo a sensatez e ao pragmatismo diante da inconsequente ala ideológica bolsonarista e sua responsabilidade diante dos mais de 373 mil mortos pela Covid-19, quase 14 milhões de casos confirmados e colapso nos sistemas de saúde, tendo mais de dez estados com estoque crítico de remédios necessários para intubação.
No entanto, apesar de diariamente noticiar as consequências diretas da política genocida aplicada pelo presidente, segue a imprensa burguesa tocando a cantilena afinada com os presidentes do legislativo, Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM). Pacheco, ao mesmo tempo que abre uma CPI para investigar o uso de dinheiro público que foi para estados e municípios, e o papel de Bolsonaro e seus ministros nesta pandemia, declara numa entrevista dada ao jornal Valor Econômico que “impeachment de ocasião não é solução”¹ e repete a afirmação direitista que coloca o impeachment de Bolsonaro contraposto ao combate contra a pandemia.
Sem dúvidas, a instalação da CPI da Covid pode representar um passo importante para que os inúmeros crimes cometidos por Bolsonaro em sua gestão genocida da pandemia sejam esclarecidos e fiquem ainda mais evidentes para a opinião pública. Isso depende, é claro, de como a comissão irá atuar e quem ocupará os cargos-chave, por enquanto o que se sabe, é que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) é o principal cotado para a relatoria, e que a eleição para presidência e vice-presidência da CPI está prevista para ser realizada na quinta-feira (22) de forma presencial2. O Palácio do Planalto e os seus representantes dentro do Senado desde o primeiro momento, tentaram impedir que a comissão fosse instalada, e mesmo depois da ação do Ministro do STF Luís Roberto Barroso determinando a abertura da comissão, agiram para ampliar o objeto de investigação incluindo estados e municípios em uma tentativa de tirar as atenções da conduta assassina de Bolsonaro. Querendo agradar gregos e troianos, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estipulou que a comissão irá investigar as ações do Governo Federal durante a pandemia e os repasses de recursos para estados e municípios.
Como afirmamos anteriormente, no EsquerdaWeb, há em curso um enfraquecimento relativo de Bolsonaro devido ao descontrole da pandemia, elementos de estagflação e crescimento do desemprego, pobreza e movimentações entre empresários que sinalizam o perigo que a propagação do vírus traz para os negócios.
No entanto, tomando a conclusão inicial de que a reforma ministerial e a derrota parcial da chamada “ala ideológica” bolsonarista caracteriza um recuo tático, isso não significa que esteja em curso uma mudança qualitativa na correlação de forças e nem a estabilização da conjuntura, estancando a possibilidade de desdobramentos de maior radicalização política no próximo período. Muito menos qualquer indicação de melhorias significativas na crise nacional sanitária que pode até a metade do ano fazer 500 mil vítimas segundo Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e médico sanitarista.
Voltando à discussão sobre a relação dos militares com o governo é fácil dissolver as ilusões propaladas pela esquerda da ordem. Dados levantados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) afirmam que são aproximadamente 6 mil militares ocupando cargos em vários escalões do governo, o site The Intercept Brasil foi mais preciso3, levantou que entre esses militares 1,6 mil são da ativa ocupando cargos de indicação política. É provável que o mais “ilustre” entre esses seja o ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa que esteve quase um ano à frente do ministério e leva consigo 265 mil mortes por Covid e a responsabilidade pela criminosa falta de oxigênio nos hospitais de Manaus que começou no dia seguinte a visita do então ministro a cidade, onde soube o que iria acontecer e nada fez.
Para relembrar com mais alguns elementos sobre a intensa politização dos militares basta lembrar que foi Edson Pujol, enquanto comandante do Exército, que foi um dos responsáveis por permitir que militares da ativa ocupem cargos no governo. Para que não fique resquício de dúvida de que o centro da decisão tomada pelos militares se trata de uma tentativa para não serem associados ao colapso sanitário e aos rumos da economia, basta lembrar quem ocupa o cargo de vice-presidente, próximo na linha sucessória no caso de impeachment.
Aposta eleitoral, uma aposta irresponsável e covarde
Salta aos olhos como setores – que até há pouco tempo atrás bradavam que já não havia um regime democrático em vigência, em um salto de cabeça ao impressionismo e ao fatalismo – estão ensaiando uma campanha eleitoral com 18 meses de antecedência como se a pandemia houvesse suspendido a luta de classes. Sem dúvida a decisão do STF, retificada na quinta-feira(15/4), que coloca Lula como candidato viável a presidente nas próximas eleições, causa um enorme impacto político, recolocando o ex-presidente como forte polarizador da disputa eleitoral. Institutos de pesquisa não demoraram em traçar cenários eleitorais e prováveis disputas no segundo turno (!) de 20224.
É importante destacar que apesar do PT agitar no congresso a bandeira do impeachment, sua principal figura pública, hoje livre, não coloca a luta por Fora Bolsonaro na ordem do dia. Ambos seguem considerando que está em vigência um des-governo, levado a cabo por um incompetente que ascendeu como “acidente de percurso” e pode ser parado através do fortalecimento das instituições, pelo apreço a constituição e pelo apelo à sensatez de setores da classe dominante pela confiança ao papel prestado por Lula e pelo PT anteriormente. Se limitam ao campo da crítica puramente técnica, como uma escancarada tática de compromisso com o capital financeiro, deixando claro que os interesses dos explorados e oprimidos não serão prioridade político-programática em hipótese alguma, como foi feito nos 13 anos de governo petista, um governo reformista sem reformas.
Ainda que evitem expor publicamente as articulações – ponderando com a terrível situação sanitária e necessidade de medidas emergenciais para combater a pandemia – a esquerda da ordem exclui absolutamente a possibilidade de polarização e enfrentamentos diretos que derrubem esse governo antes das eleições de 2022 e joga tudo na construção por uma chapa capaz de derrotar Bolsonaro nas urnas, sem qualquer compromisso e consequência com as necessidades imediatas e históricas da nossa classe. Trata-se de uma aposta irresponsável e perigosa até para a burocracia, pois para nada está garantido o cenário que algumas pesquisas apontam em segundo turno de vitória do lulismo, parecem esquecer que a eleição é um reflexo da realidade, por mais que haja distorções, e não o contrário. Ou seja, para derrotar Bolsonaro nas urnas o peso da luta direta pelas ruas faz-se elemento vital.
Queremos ressaltar um recorte classista à crise endêmica no Brasil e os seus impactos de magnitude histórica sobre os ombros da classe trabalhadora, em que o lulopetismo e alguns setores da esquerda socialista e a direção de nosso partido, o PSOL, assistem sentados em um pilha de privilégios. Já no primeiro ano de circulação do vírus em território nacional, ficou registrado que morrem 40% mais negros que brancos pela Covid-195. Outro dado assustador e mais recente que veio a tona, é o de que 8 em cada 10 mortes na cidade de São Paulo⁵ (epicentro da pandemia no mundo hoje) são em bairros da periferia, isto é, 80% das vítimas por Covid-19 na maior cidade da América Latina são negras, trabalhadoras, exploradas e oprimidas.
Este cenário é acompanhado por uma outra e central estatística que revela o peso desigual da pandemia sobre os de baixo, uma relação quase que inversamente proporcional que nos mostra que a porcentagem de vacinação no bairro periférico da Pedreira (zona sul da cidade de São Paulo) em idosos é de 36%, enquanto no bairro de Pinheiros, região central da cidade, atinge-se 91% nesta mesma faixa etária6. Não o bastante, o número total de pessoas brancas no Brasil vacinadas é quase o dobro do que a população negra que corresponde 56% do total populacional nacional hoje7.
Nossa intenção em destacar, por mais que resumidamente, as condições da classe trabalhadora neste cenário, caminha para apontar a responsabilidade de natureza histórica que a esquerda socialista e o PSOL tem neste momento e a escolha que tem feito até então, um comodismo irresponsável e que tem sim a sua parcela de responsabilidade na conjuntura nacional. Ora, se a classe trabalhadora segue trabalhando, se expondo, marginalizada no processo de vacinação, com um auxílio vergonhoso de 5,00 Reais por dia e carregando cotidianamente as consequências mais graves da pandemia sobre os seus ombros, ficaremos satisfeitos em negligenciar a construção de qualquer relação humana com a nossa classe que possa construir uma saída pelos e para os explorados e oprimidos?
Romper com o imobilismo
A história nos ensina muita coisa, uma delas é de que nada, absolutamente nada, suspende a luta de classes e uma leitura mecânica da realidade tende a desconsiderar a necessidade da política revolucionária como ferramenta histórica das massas – em momentos como este a política revolucionária é a única capaz de garantir até mesmo as pautas mais reformistas. Períodos e conjunturas como a qual atravessamos na verdade apenas a reafirmam, escrevem pelos quatro cantos que quando estamos diante dos fundamentos da sociedade nunca foi e jamais será a aritmética parlamentar que decidirá o caminho de nossa classe, mas sim a luta, a capacidade de organizar a indignação e a reação dos explorados e oprimidos pela base.
Portanto, acomodar-se como faz a direção de nosso partido e setores da esquerda socialista que longe de construírem um laço humano com aqueles que são símbolo e alma deste perverso genocídio, longe de apostarem na mobilização com todos os cuidados e medidas sanitárias e distantes de exigirem às centrais sindicais e ao lulopetismo que mobilizem as suas estruturas para denunciar Bolsonaro nacionalmente e inflamar setores históricos das massas, – já esclarecemos aqui o grau de eficiência de máscaras cirúrgicas e da PFF2 – constroem uma perigosa e mecânica aposta eleitoral em frente única com setores da burocracia que não apresentam nenhum compromisso com a classe trabalhadora. Descartam assim a dinâmica instável da realidade, as suas contradições e as possibilidades e perigos no horizonte da luta de classes, desarmam estrategicamente as bases da necessidade vital de mobilização das massas com o agravamento da pandemia e das intenções autoritárias.
Esta política, que não podemos deixar de caracterizar como uma traição à nossa classe, precisa ser superada de uma vez por todas. Derrotar Bolsonaro e construir uma saída humanizada a esta crise, que reivindique as necessidades mais imediatas e históricas dos trabalhadores e trabalhadoras, não virá da ação parlamentar, são quase 100 pedidos de Impeachment protocolados e o pior momento do governo na crise, com a maior rejeição e Bolsonaro segue dizendo que apenas Deus poderia retirá-lo de lá. Continuar construindo como eixo político central esta aposta institucional e eleitoral contribuirá apenas para a manutenção da barbárie sobre os explorados e oprimidos, alimentada por uma ilusão falaciosa e irresponsável que para nada resolverá os problemas imediatos, muito menos uma superação da sequelas sociais deixadas pelo genocídio bolsonarista.
Na última sexta-feira (16), os entregadores, em unidade com os professores, demonstraram na prática que é preciso romper com o imobilismo, mais do que isso, demonstraram que é mais do possível mobilizar e ocupar as ruas na luta com segurança sanitária pelos seus direitos – uma luta que pode potencialmente avançar contra o governo genocida de Bolsonaro e construir uma unidade histórica de categorias superexploradas e precarizadas. Tudo indica que nesta semana teremos carreatas de professores, mais uma paralisação dos entregadores e entregadoras, fazendo-se assim central a construção e a exigência do PSOL e de suas tendências ao lulopetismo e suas centrais sindicais que mobilizem para a construção destas manifestações para resgatar de uma vez por todas a força política que se materializa nas ruas.
1-https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/impeachment-de-ocasiao-nao-e-a-solucao-
3-https://theintercept.com/2021/04/13/militares-ficarao-abracados-a-bolsonaro-ate-o-fim-do-governo/
6-https://www.band.uol.com.br/noticias/bora-brasil/ultimas/8-em-cada-10-mortes-por-covid-19-em-sp-sao-na-periferia-16343757
7-https://apublica.org/2021/03/brasil-registra-duas-vezes-mais-pessoas-brancas-vacinadas-que-negras/