Pedro Cintra e Renato Assad
A recente queda de popularidade do governo Bolsonaro frente o agravamento da crise sócio sanitária, com o país atingindo a marca de 230 mil mortos e a generalizada falta de oxigênio no interior da Amazônia, por um projeto negacionista e genocida – não se tratando de mera incompetência ou irresponsabilidade pois utilizar-se destes termos seria relativizar a agenda criminosa que está em curso – traz consigo um processo de mudança conjuntural que pode abrir uma marcha fundamental de lutas em várias frentes.
Por mais que a correlação de forças entre o governo e os explorados e oprimidos continue “estabilizada”, em um cenário defensivo, principalmente com o alinhamento parlamentar do chamado “Centrão” para com o governo – algo que custou nada mais nada menos que 3 bilhões de reais aos cofre públicos (cerca de 1 mês de auxílio emergencial à 5 milhões de brasileiros no valor de 600 reais)¹ – o agravamento das condições objetivas e a movimentação de setores dinâmicos da sociedade sobretudo os jovens, mulheres e negros podem ser definitivos para a luta histórica contra o fascista Bolsonaro.
Nesta última segunda-feira, assistimos a um dos tradicionais episódios do cenário político brasileiro em que os de baixo jamais aparecem, um cenário loteado por abutres com interesses em comum: sugar e negociar tudo aquilo que beneficie seu próprio bolso e o bolso dos de cima. Não importam as mortes, não importa a fome, e o pior, não importa o quanto custe. No caso da eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados, a conta saiu bem cara para a população e culminou na eleição de Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão afundado em denúncias de corrupção e atualmente alinhado ao Palácio do Planalto.²
Porém, nem tudo corre como o script, uma intervenção histórica e emblemática inflamou aqueles que acompanhavam as eleições na Câmara Federal. Luiza Erundina, uma senhora e figura histórica na luta da esquerda brasileira roubou a cena e tomou de assalto 10 minutos daquela podridão. Tomou o microfone e disse aquilo que precisávamos ouvir em meio a uma farsa política comprada e a falsa esperança da oposição institucional que apostou todas as suas fichas na direita liberal parlamentar.
Com os seus 86 anos, Luiza nos inflamou, mais que isso, deixou claro que estamos diante de responsabilidades históricas e que devemos ser consequentes com as reivindicações imediatas e históricas dos explorados e oprimidos. Reafirmou a necessidade da construção de uma esquerda radical, consequente e debruçada em princípios socialistas e anticapitalistas que estabeleça um diálogo constante com a classe trabalhadora e as massas. Somado ao desenrolar do filme, esta faísca acendida em sua fala leciona as novas gerações que forjam uma nova experiência de luta pelas ruas e a base de nosso partido.
Um discurso histórico para dentro e para fora do congresso. Para dentro e para fora do PSOL: princípios não se negociam, o preço é alto. A esquerda foi usada por integrantes do Bloco supostamente democrático para vender caro o voto no candidato de Bolsonaro, e o que é pior, criaram uma falsa ilusão de que pode ser resolver os problemas centrais por fora da luta de classes e acreditaram em um “centro” que sempre votou massivamente com o governo, principalmente quando as pautas eram as criminosas reformas neoliberais de Guedes que destroem as conquistas históricas dos trabalhadores e intensificam ainda mais as políticas de austeridade para com o grande capital.
Felizmente o PSOL soube se manter no campo da independência de classes com a candidatura de Erundina, há anos luz do oportunismo de correntes políticas que nasceram na esquerda socialista mas se decretaram. Um oportunismo que custa caro às necessidades políticas da esquerda radical e que vai na contramão dos desafios de natureza histórica que temos pela frente.
Rosa Luxemburgo em seu tempo levantou-se e apontou para as condições necessárias para uma abordagem revolucionária à atividade parlamentar da social-democracia alemã: “O fato que divide a política socialista da política burguesa é que os socialistas se opõem a toda a ordem existente e devem agir no parlamento burguês fundamentalmente como oposição. A atividade socialista no parlamento cumpre seu objetivo mais importante, a educação da classe trabalhadora, através da crítica sistemática ao partido dominante e sua política. Os socialistas estão muito distantes da ordem burguesa para impor reformas práticas e profundas de natureza progressivo.” (Rosa Luxemburgo,“ A crise socialista na França ”, em Obras escolhidas: 54).
A história nos ensina que para defender as pautas mais reformistas e essenciais para a livre organização da classe trabalhadora em conjunturas adversas e reacionárias como a que atravessamos, é preciso uma política revolucionária. É preciso disputar mentes e corações, com independência de classe e sistematizar um plano de mobilização permanente que possa avançar as demandas e necessidades das massas sobre aqueles que hoje as sufocam, literalmente.
Aquelas que resistem às mais diversas opressões e violências e que hoje ocupam os espaços da política institucional são covardemente intimidadas pela política do ódio, marca da extrema-direita. Em uma semana, três parlamentares trans do PSOL sofreram ameaças e atentados em SP: Erika Hilton, Samara Sosthenes do Quilombo Periférico e Carolina Iara da Bancada Feminista. Esses graves episódios denotam que ocupar os espaços de poder e vocalizar os mais vulneráveis no debate público é uma tarefa de extremo risco para corpos marginalizados. E mais do que nunca estes espaços devem servir para a mobilização de base, sem qualquer esperança na institucionalidade política.
Encarar a realidade e se debruçar sobre as circunstâncias de uma nova conjuntura exige uma única aposta construtiva: a mobilização de rua com distanciamento sanitário que pode impulsionar e ser acompanhada pela luta em outras frentes. E que para que isso ganhe as necessárias proporções, é preciso assimilar as lições históricas do levantes populares recentes que aconteceram em países como Chile e EUA. Também é vital que os setores mais dinâmicos da luta de classes (juventude, negros, mulheres e LGBTQIA+) se organizem politicamente e assumam a linha de frente em uma permanente mobilização contra o negacionismo, pela vacinação em massa e pela derrubada do genocida governo de Bolsonaro. É preciso incendiar o país!