50 anos da Revolta de Stonewall*

Em 28 de Junho se comemora o aniversário da luta de Stonewall. Há 50 anos, nesse bar situado na cidade de Nova York, aconteceu uma das lutas mais importantes da história do movimento LGBTTIA

Esse dia é lembrado com orgulho, como a data em que a diversidade sexual cansada da opressão e marginalização se levantou e enfrentou a polícia, que nessa noite realizava uma batida nesse bar. Além de resistir à política que os perseguia e prendia, como era comum na época, criaram uma resistência diante do abuso policial que se expressou na concentração de centenas de pessoas nas ruas de Stonewall unidas pelo objetivo de lutar por direitos coletivos.

O levante durou vários dias e foi acompanhado de enormes mobilizações nas ruas que até então não tinham sido organizadas para lutar pelos direitos dos homossexuais. O levante de Stonewall se deu no marco do importante ascenso da luta de classes que foi o Maio Francês, a luta contra a guerra do Vietnam, as lutas feministas, operárias e contra o racismo.

Reforma ou revolução? 

Debate sobre as diferentes estratégias na luta do movimento

Alguns anos antes da revolta de Stonewall, nos anos 50 começaram a se forjar nos EUA os primeiros grupos de ativistas que defendiam os direitos dos homossexuais, conhecidas como movimento homófilo (Mattachine Society e as Daughters of Bilitis). Nesse momento a repressão, perseguição e opressão eram práticas correntes: o Ku Kux Klan assassinava com apoio do estado, qualquer um poderia ser acusado de agitador e ser perseguido. Até mesmo Chaplin foi expulso dos EUA acusado de comunismo. A repressão à sexualidade também era feroz, assim era um criem que se punia com a ilegalidade.

Nas instituições médico-psiquiátricas se defenda que a homossexualidade era uma doença e desvio da conduta normal, e para “cura-la” se recorria a bárbaras torturas como a lobotomia, terapias de aversão mediante descargas elétricas, castrações e etc. As forças policiais os prendia, espancava e encarcerava. O governo fazia campanhas públicas contra os homossexuais. Os patrões os demitiam dos empregos e etc., o que obrigava essas pessoas a levar uma vida clandestina.

O movimento homófilo foi muito progressivo no seu começo. Em um clima asfixiante, caracterizou-se por seu método de protesto pacifista, legalista, que pretendia se adaptar às normas vigentes para reclamar por seus direitos. As pessoas que participavam dos protestos queriam aceitação, tentando convencer os cidadãos de que, apesar das diferenças no âmbito privado, eram pessoas respeitáveis.

Para isso divulgavam notas pelas revistas e faziam mobilizações caracterizadas pela sobriedade: a mulheres iam de vestido e os homens de terno e gravata, todos marchavam silenciosamente e em fila e levavam faixas com palavras de ordem do tipo “os homossexuais também são gente” ou “a felicidade também é um direito dos homossexuais” dentre outras, querendo mostrar à sociedade que eram cidadãos normais, e portanto deveriam ter os mesmos direitos civis dos heterossexuais.

Este movimento enfrenta um problema quando mudam os ventos: os anos 60 foram marcados pela Revolução Cubana, a luta contra a guerra do Vietnam, o levantamento do revolucionário movimento negro pelos direitos civis e os gigantescos movimentos de mulheres. Neste cenário o movimento homófilo foi superado pela nova situação.

Em contraste com o movimento homófilo, o levante de Stonewall caracterizou-se por um movimento convulsivo que explodiu nas ruas, que se enfrentou diretamente contra a terrível repressão policial que pretendia os calar, movimento que não queria se adaptar a esse sistema opressivo, mas transforma-lo, muda-lo pela raiz, sob o grito de queremos ser o que somos, mostrando abertamente a discriminação. Para tanto, uma das bandeiras foi sair do armário para tomar as ruas, mostrar-se diante uma sociedade desigual para lutar pela sua transformação, gerando uma explosão de orgulho insurrecional, que se traduziu em mobilizações gigantescas.  É a partir dessa data que surge o dia do orgulho, como o dia da luta pelos direitos LGBTTIA+ em nível mundial.

Hoje em dia, depois de 50 anos da lucha de Stonewall, cremos que é fundamental retomar a discussão sobre qual estratégia deve assumir o movimento LGBTTIA+ para dar suas batalhas, trazendo a discussão para a Argentina [que serve ao Brasil, país em que figura entre os de maior índice de a discriminação, opressão e  crimes lgbtfóbicos].

Por quê em um país no qual o movimento LGBTTIA+ conquistou o direito ao matrimónio igualitário e a lei de identidade de gênero, continuam a nos oprimir?

É verdade que hoje a polícia não nos encarcera pela prática livre de nossa sexualidade, nem fazem lobotomias, o que continua a acontecer é que, apesar das leis conquistadas, seguem nos criminalizando, chegando em alguns casos ao assassinato, como ocorreu com Pepa Gaitán; a expectativa de vida das travestis segue sendo de 35 anos devido às condições de vida precária às quais devem submeter-se, uma vez que são excluídas do mercado de trabalho, e em muitos casos devem se prostituir para sobreviver; continuamos em uma país em que o Estado mantém relações íntimas com a Igreja homofóbica, que se reforça com a assunção de Bergoglio como Papa. Estamos assim em um país e mundo capitalista e patriarcal, em que a norma é a família nuclear, e tudo o que está fora dela deve ser marginalizado.

Então. Devemos nos limitar a reivindicações para ampliar direitos civis com o objetivo de nos adaptar um pouco mais a este sistema que nos oprime e exclui? Devemos seguir tampando o sol com a peneira a enorme opressão deste sistema? Aos governos burgueses, e seus defensores no movimento de todas as cores, essa resposta é afirmativa. O que demonstra que não há interesse para mudar a situação de opressão, mas apenas maquiá-la, fazendo de conta que algo é feito para não mudar nada de fundo. É essa estrutura desigual e opressiva, produto das relações sociais do patriarcado e do capitalismo, que afeta a mulheres, diversidades sexuais e milhões de operários, é necessária e funcional para manter a estabilidade de qualquer governo capitalista.

Nós pensamos que se é verdade que conquistamos alguns direitos, isso não basta. Apostamos em um movimento LGBTTIA+ revolucionário que lute nas ruas, como se fez em Stonewall, que seja independente de todo e qualquer governo, que luta lado a lado com as mulheres, aliado dos trabalhadores, da juventude e de todo setor explorado e oprimido, para derrubar este sistema e construir uma sociedade nova que seja livre e igualitária. “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” [Rosa Luxemburgo]

*Traduzido e adaptado das companheiras das Las Rojas (Vermelhas) da Argentina.