Abaixo publicamos o artigo “Ditadura nunca mais: a perversa relação empresarial-militar durante a ditadura no Brasil”[1], surgido em 29 de março no site da CSP-Conlutas.
O artigo parte do estabelecimento de um paralelo entre o golpe de 64 e o “Capitólio à brasileira” de 8 de janeiro de 2023. O contexto histórico é totalmente distinto, pois o golpe de 64 teve apoio do imperialismo, da maior parte da burguesia local e da classe média, o que permitiu que fosse levada a cabo uma sanguinária ditadura de extrema direita que durou 21 anos. Porém, o golpismo moderno tem poder econômico, político e militar e influência de forma efetiva a realidade nacional com políticas reacionárias de governo e parlamentares; é uma espada de Dâmocles sobre o movimento dos trabalhadores e pode em outros contextos ter condições para impor medidas de fechamento do regime.
Segundo a Comissão da Verdade, a ditadura foi responsável pelos assassinatos e desaparecimentos de cerca de 400 pessoas ligadas ou não à resistência contra o regime – inclusive crianças -, de mais de 8 mil indígenas, detenções ilegais, torturas, execuções e ocultação de cadáveres por agentes do Estado. A Comissão aponta que mais de 80 empresas foram agentes diretas da ditadura militar, participando da manutenção do regime através de espionagem, delação de funcionários e listas sujas que levaram a perseguições, demissões, torturas e mortes de trabalhadores.
Mas novos estudos, como o “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, que será divulgado em abril, estão dando continuidade à apuração dessas empresas nos crimes da ditadura, o que será material útil para campanhas de responsabilização da patronal nesse processo. Entre as empresas já apontadas pela Comissão da Verdade e citadas pelo artigo, temos: Volkswagen, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Mercedes Benz, Fiat, Brastemp, Kodak, Caterpillar, Johnson & Johnson, Petrobras, Embraer, Mannesmann, Folha de São Paulo, Companhia Docas, Josapar, Itaipu, CSN, Cobrasma, Aracruz, Paranapanema e Belgo Mineira.
Como apontado acima, estamos em uma nova conjuntura em que os golpes de estado não acontecem predominantemente com tanques nas ruas, mas como um processo gradual de fechamento do regime através das suas próprias instituições. Desta forma, o “Capitólio à brasileira” foi mais uma ação no sentido de manter mobilizado um movimento de extrema direita que conta com o apoio de empresários, parlamentares, governantes e uma rede internacional. Além disso, esse movimento tem um apoio, por ora reduzido, mas pode se ampliar, de um setor de massas para a suas ações.Este 31 de março nos coloca de forma renovada uma dupla tarefa que se combina inevitavelmente.
Os agentes da ditadura de 64 não foram responsabilizados porque a ditadura militar brasileira começou um lento processo de abertura e as forças políticas democráticas – inclusive a maior parte da esquerda – não apostaram em um processo insurrecional que permitisse a queda efetiva do regime. Como resultado, tivemos a Lei da Anistia – feita pelo próprio regime em 1979 e sacramentada pelo STF em 2010 – que deixa impune todos os responsáveis por sequestros, torturas, mortes e ocultação de cadáveres. Existem esforços jurídicos para burlar essa lei, apelando para o Código Penal e para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas esses caminhos não têm se demonstrado eficazes. Assim, enquanto perdurar essa correlação de forças políticas desfavorável e a, consequente, Lei da Anistia, os esforços de punição feitos pela Comissão da Verdade e por outras investigações e processos têm seu poder limitado – o que demanda como saída uma profunda reforma legal que requer a mobilização pela base por uma Assembleia Constituinte Soberana e Democrática.
A outra tarefa fundamental, mais tática, porém não menos importante para desdobramentos estratégicos necessários, para que possamos mudar a correlação de forças e derrotar o bolsonarismo – fazendo com que suas figuras centrais paguem pelos seus crimes atuais, como os da pandemia e outros – é a luta pela prisão de Bolsonaro e todos os golpistas de 8 de janeiro. O retorno de Bolsonaro ao Brasil ontem, depois de 3 meses nos EUA, teve pouco impacto político imediato. Mas, isso não pode ser confundido com perda de sua base de sustentação política nos setores que apontamos acima e na sua capacidade de mobilização reacionária de massas, cujo alcance real só poderemos ver a partir do seu giro pelo Brasil. De qualquer forma, como apontamos em outras notas, a luta para impor a prisão de Bolsonaro é uma tarefa central da classe trabalhadora. Para que a derrota eleitoral de Bolsonaro possa se transformar em uma derrota política efetiva capaz de mudar a correlação de forças, a sua prisão é um elo necessário e que se liga diretamente à luta contra a Lei da Anistia. Assim, é necessário não naturalizar a livre presença da principal liderança neofascista em solo brasileiro e organizar desde baixo a luta para exigir do governo, do judiciário e da promotoria a prisão de Bolsonaro e de todos os golpistas e genocidas.

ANTONIO SOLER

Ditadura nunca mais: a perversa relação empresarial-militar durante a ditadura no Brasil

Assim como empresários financiaram a tentativa de golpe de 8 de janeiro, grandes empresas atuaram em conluio com o regime militar na ditadura de 1964 a 1985

Desde 1964, o dia 31 de março tem um gosto amargo para o Brasil: a deposição do presidente João Goulart, para em seguida ser declarada a vacância da presidência da República e a constituição de uma junta militar que conduziu ao cargo máximo do país o general Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos principais líderes do golpe.

A ditadura empresarial-militar brasileira cometeu atrocidades no país: militantes de esquerda mortos, desaparecidos, presos e torturados; trabalhadores perseguidos, demitidos, presos e torturados; arrocho salarial e redução de direitos da classe trabalhadora; beneficiamento de empresas ligadas ao regime.

Mesmo assim, após quase 59 anos, os brasileiros se depararam com uma tentativa de golpe militar como a que aconteceu no último dia 8 de janeiro, em Brasília (DF). Milhares de ativistas de ultradireita, financiados e articulados por empresários e políticos bolsonaristas, promoveram ações golpistas e terroristas, que culminaram com a invasão e depredação do Congresso Nacional, STF (Supremo Tribunal Federal) e do Palácio do Planalto. Tudo isso com a conivência das forças policiais do Distrito Federal, chefiadas por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Também houve omissão flagrante das forças policiais da União.

E Bolsonaro ainda queria desembarcar pela porta da frente do aeroporto ao chegar dos Estados Unidos e sair em carro aberto nesta quinta-feira (30).

“O Brasil derrotou Bolsonaro nas urnas no ano passado, mas há uma extrema direita organizada contra a qual temos de lutar pra derrotar; isto, sem abrir mão da luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora”, defende o integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Luiz Carlos Prates, o Mancha.

Empresas e ditadura militar

Se na última tentativa de golpe em janeiro deste ano foi apurado que empresários financiaram a ação, é preciso compreender a relação das empresas com o regime ditatorial. A maioria delas financiou e apoiou a ditadura militar (1964-1985).

O projeto de pesquisa “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, convênio entre MPF (Ministério Público Federal) e CAAF (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense) da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), está apurando informações, testemunhos e análises sobre a cumplicidade e a responsabilidade de empresas, nacionais ou estrangeiras, nas graves violações de direitos ocorridas durante a ditadura (1964-1985). Essa investigação é resultado de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) desferido pelo MPF após a comprovação de que a Volkswagem atuou diretamente na repressão aos trabalhadores da empresa durante a ditadura.

Treze empresas estão sendo investigadas por apoio, participação e cumplicidade em ações pro-ditadura militar no Brasil. Petrobras, Folha de S.Paulo, Companhia Docas, Josapar, Itaipu, Fiat, CSN, Cobrasma, Aracruz e Paranapanema estão no primeiro bloco da investigação, além de mais três investigadas: Embraer, Belgo Mineira e Mannesmann.

O projeto está previsto para apresentar o resultado das pesquisas neste mês de abril conforme o edital inicial de setembro de 2021.

Durante as investigações promovidas pela Comissão Nacional da Verdade, que teve seus trabalhos encerrados em 2014, mais de 80 empresas foram apontadas devido espionagem, delação funcionários, elaboração de listas “sujas” que resultavam em perseguição de trabalhadores e até salas de tortura no interior de suas respectivas unidades. Atuavam com o objetivo de sufocar os movimentos sindicalistas que surgiam a época. Entre as empresas, estão a Volkswagen, Ford, General Motors, Toyota, Scania,  Mercedes Benz, Brastemp, Kodak, Caterpillar, a Johnson & Johnson, Petrobras, Embraer e Mannesmann.

Neste contexto, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região protocolou junto ao MPF um estudo que comprova o envolvimento da Embraer com a ditadura empresarial-militar. O documento foi anexado ao inquérito civil do MPF no ano passado.

O atraso do Brasil na punição às empresas e aos militares

O Brasil é totalmente atrasado na punição a civis e militares que atuaram ativamente durante a ditadura militar. A lei de anistia sancionada em 1979 pelo regime militar, que não permite punir os responsáveis por atos que violam os direitos humanos, segue em vigor, portanto civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não são julgados.

Na Argentina, diferentemente, ainda em 1983, quando o civil Raúl Alfonsín assumiu a presidência, foi criada a Conadep (Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas) cuja função era investigar os crimes contra direitos humanos cometidos entre 76 e 83, os anos do regime. Essa inciativa fez o país levar à prisão perpétua o general Jorge Rafael Videla, que governou o Estado entre 76 e 81. Até março de 2022, a Justiça havia condenado outras 1.058 pessoas em 273 sentenças por crimes relacionados ao terrorismo de Estado.

“A impunidade aos militares brasileiros foi o que levou ao peso que tem hoje a extrema direita no país capitaneada por Bolsonaro, por isso temos de ser implacáveis com a punição. O governo Lula tem o dever moral de garantir a punição tantos dos militares e empresas que atuaram na ditadura como as que atuam no dias de hoje”, reforça Mancha.

(Foto: Greve na Embraer, em São José dos Campos (SP) sofre repressão em 1984 | Reprodução)

[1] Veja em https://cspconlutas.org.br/n/17340/ditadura-nunca-mais-a-perversa-relacao-empresarial-militar-durante-a-ditadura-no-brasil