Uma eleição de impacto regional Tradução de José Roberto “Em todas as pesquisas, no entanto, Capriles vem ganhando terreno. Ainda que o mandatario segue sendo o favorito, Capriles parece encaminhado a obter o melhor resultado de um candidato opositor a Chávez até hoje, um desenlace que provavelmente o deixará como o líder da oposición durante anos.” (Wall Street Journal Americas, 03/10/2012) Neste próximo domingo 7 de outubro se realizam na Venezuela eleições presidenciais. Após quase 14 anos no poder, Hugo Chávez parece encaminar-se a uma das eleições mais difíceis em sua quase década e meia de gestão. Como não podía ser de outra maneira dado o tipo de fenômeno que configurou o chavismo, se trata de uma eleição de altísima voltagem política, não só na Venezuela mas na América Latina como um todo. É que, de alguma maneira, seu resultado trará uma pauta mais de conjunto acerca de até onde poderia dirigir-se o ciclo político regional. Por essa mesma razão, esta eleição também configurará um elemento de peso, inclusive, no que tem que ver con a dinâmica da atual conjuntura em outros países latinoamericanos. Na Argentina, por exemplo, poderia operar como um bálsamo para as desventuras que vem sofrendo o kirchnerismo nas últimas semanas ou, pelo contrario, agravar sua incipiente crise. A eleição mais difícil O primeiro ponto do qual deve partir uma análise, é que o chavismo acumula quase quatorze anos de gestão e não há governo capitalista – e o chavismo, definitivamente, o é – que possa soportar tantos anos sem sofrer desgaste. A este desgaste político se soma sua “corporização” no físico de um Hugo Chávez que não só é maior que 14 anos atrás, mas também que arrastra un cáncer que ainda que se anunciou mil vezes que estava totalmente “curado”, os fatos indicam o contrário. Em todo caso, estes não são mais que síntomas de problemas de fundo que veremos mais adiante. Primeiramente, vejamos os prognósticos eleitorais. Os mais sensatos parecem ser os que afirmam que Chávez, definitivamente, ganhará a eleição; mas, em todo caso, com a menor margém de sua gestão. É verdade que, nas múltiplas eleições anteriores, os números foram e vieram, com importantes oscilações. Houve eleições aonde ao “núcleo duro” chavista se somaram outras franjas eleitorais, inclusive de classe média. Também houve circunstâncias aonde esse núcleo chavista as buscou para ganhar a eleição. Isto, ao contrário, não ocorreu no Referendo do ano 2007, aonde se votava sim ou não sobre a segunda reforma constitucional. Alí Chávez foi derrotado, obtendo menos de 50% dos votos. Inclusive substituiu-se parte desse “núcleo duro” chavista, como o demonstrou sua derrota em Petare, imenso bairro popular da periferia de Caracas. Também é um fato que hoje os “escuálidos” (como se chama popularmente à oposição dereitista-gorila) estão muito melhor que em quase todas as eleições anteriores. Após as catástrofes políticas de 2002 e 2003 (com o rotundo fracasso da orientação golpista) e de desastres eleitorais (como não haver se apresentado à eleição de 2004, deixando todo o Congresso ao chavismo), os “escuálidos” modificaram sua estratégia. Chegaram a conclusão de que a vía golpista não avança e que tampouco serve apostar no abstencionismo eleitoral e nas denuncias de fraude “tout court”. Que com a polarização direitista extrema, perdem. Capriles, ao lado do desgaste do chavismo, tem-se beneficiado desta mudança geral de estratégia política. É uma orientação que trata de enfrentar o chavismo “em seu próprio terreno”; ou seja, no terreno das eleições mesmas, jogando todas as fichas em que, por fim, em algum momento, a aritmética eleitoral de uma reviravolta e beneficie a oposição. Em todo caso, mais que fazer prognósticos categóricos a tão pocos días da votação (o que, ademais, é impossível), o importante é explicar as razões gerais do debilitamento do chavismo. Isto é necessário inclusive se Chávez, como é mais provável, chegar a ganhar. Também é imprescindível examinar as consequências regionais que se darão em um ou outro sentido, conforme sejam os resultados do próximo domingo 7. A ausência de mudanças estruturais Vejamos as razões mais de fundo dos problemas do chavismo. O problema básico, o fundamental, é que o governo de Chávez, ao longo de quase década e meia, levou adiante uma série de reformas e planos sociais de assistência aos setores mais pobres da sociedade. No entanto, não produziu mudanças estruturais no capitalismo venezuelano. Que se ouça bem o que dizemos! No se trata de que o chavismo tenha “acabado” com o capitalismo na Venezuela, porque isto não é assim. Fórmulas tipo “a revolución socialista que está em marcha” ou “o socialismo do século XXI” não deixam de ser pura propaganda, que não tem nenhuma ligação a realidade. O problema não é que o chavismo tenha acabado com o sistema capitalista (ou esteja em vías de fazê-lo). O grande problema é que nem sequer levou a cabo uma modificação estrutural do capitalismo tal qual é na Venezuela! Dito de outro modo: Venezuela segue sendo um país capitalista, que vive esencialmente (e provavelmente mais que nunca) da renda petrolífera! Isto quer dizer que entre o neoliberalismo que imperava na Venezuela nos anos 90 e a situação de hoje, não tem diferenças? Que tudo segue “igual”, como dizem alguns grupos sectários, que praticam um “marxismo” vulgar? Não, de nenhuma maneira. Entre o neoliberalismo dos anos 90 e a actualidad, houve mudanças importantes na apropiação e divisão da renda petrolífera. Sob o neoliberalismo dos 90, PDVSA, a empresa estatal de petróleo, sem haver sido formalmente privatizada, estava ao serviço de uma distribuição da renda petrolífera que favorecía essencialmente ao capital privado e extrangeiro. Uma enorme burocracia chamada “meritocracia”– que dirigia a empresa em forma relativamente independiente do próprio Estado venezuelano–, além de encher os bolsos, dirigía o jorro da renda petrolífera para o capital privado. Na “greve-sabotagem” do final de 2002 e início de 2003, essa “meritocracia” foi derrotada pela irupção desde abaixo dos própios trabalhadores petroleiros, que impidiram a paralização da produção e distribuição. O Estado venezuelano pode assim tomar o contrôle da renda petrolífera completa (para além das joint ventures que leva a cabo com empresas imperialistas o próprio chavismo). Parte dessa renda –acrecentada ainda pelo aumento dos preços dos hidrocarburetos permitiu financiar os planes sociais ou “missões” que pois emn marcha Chávez e que lhe deram tanta popularidade. Mas esta redistribuição da renda do petróleo não significou nenhuma mudança estrutural, nenhuma transformação do aparato produtivo, muito menos nos fundamentos do capitalismo. Venezuela segue dependendo de maneira assombrosa e exclusiva da extração e exportação de hidrocarburetos. O país, como antes de Chávez, temu uma baixíssima industrialização e uma situação ainda pior na produção agrícola. Isto o obriga a importar 80% dos alimentos e bens de consumo popular Em resumo: a matriz produtiva que faz do país não só capitalista senão inclusive dependente, não tem sido modificada minimamente. Daí se derivam outras questões sociais graves. Em primeiro lugar, o massivo desemprego e subemprego. Por isso na Venezuela é altíssimo e está “naturalizado” o “trabalho por conta própria”. Em Caracas se tornou massiva a venda ambulante nas ruas. Para esconder isso, finalmente o gobierno colocou os ambulantes en “mercados” (NT: no Brasil os famosos “camelódromos”), apelando a uma boa cota de repressão. Mas, claramente, isso só dissimula o problema estrutural de produção e emprego, sem resolvê-lo de forma mínima. Assim mesmo, nos bairros que rodeiam a capital, continuam os enormes assentamentos populares com habitantes que, se bem, hoje são assistidos mediante planos sociais, seguem vivendo nas mesmas condicões rudimentares de décadas atrás. No é casual que o déficit habitacional seja imenso. É un déficit que o chavismo não tem logrado enfrentar de maneira satisfatória, para além dos planos e anuncios feitos de afogadilho para a campanha.[[1]] Como em outros países, o massivo desemprego e subemprego, especialmente em Caracas, é o terreno aonde tem crescido extraordinariamente a delinquência. A isso se soma o colapso da infraestrutura em matéria de eletricidade, estradas, manutenção de centrais elétricas, problemas de abastecimento, etc. Todos esses problemas tem sido tomados como bandeiras por Capriles e a oposição patronal “escuálida”: “Em suas intervenções, Capriles foca os males cotidianos que assolam aos venezuelanos, como os cortes de luz e a escasses de alimentos, marcando um contraste com as metas usualmente ostentosas do presidente.” (WSJA, ídem). Venezuela sob o chavismo tem desenvolvido elementos não de socialismo, senão de capitalismo de estado mediante diversas nacionalizações, uma maior intervenção do governo na economía, um conjunto de regulações que tem deixado de lado, em grande medida, o chamado “modelo neoliberal”. Mas, esas mudanças não tem modificado em nada a matriz produtiva –viver da renta petrolífera–, nem tem resolvido, por conseguinte, os problemas estruturais que paralisam o país. É que para isso faz falta um curso anticapitalista o qual o chavismo nunca esteve disposto a embarcar, ainda que se fale do “socialismo do século XXI”. Os límites de uma gestão “carismática” Frente a ausência de transformações de fundo, o chavismo optou por outro caminho. Se dedicou a arbitrar de cima as contradições de classe, o que, além disso, ao ser realizado en um contexto de fusão de partidos tradicionais da chamada “IV República”, implicou numa gestão “carismática” de própio Chávez. Ou seja, uma “onipresença” política por intermédio de discursos maratônicos, programas de rádio como “Aló Presidente”, viagens incansáveis pelo país, etc. Tem sido como um intento de substituir, pelo alto, a ausência de organismos reais das massas exploradas e oprimidas. Sua ação, desde abaixo, deveria ser a substância real de qualquer “poder popular”. Venezuela carece quase completamente de organismos de massas desse tipo, salvo momentos excepcionais, como a cojuntura radicalizada dos anos 2002 e 2003. Nessas oportunidades, foram as mobilizações das próprias massas as que salvaram a Chávez das tentativas de golpe. Não foi o aparato do chavismo! Por princípio, as gestões “carismáticas” tem o problema de que são “iinsubstituíveis” porque todas as relações polítícas estão amarradas em torno de uma “figura” e não de mediações “institucionais” mais formais, como seríam verdadeiros organismos de “poder popular”. Os chamados “conselhos comunais” não são mais que uma caricatura disso. Ou, melhor, são exatamente o oposto: organismos de “clientelismo” e de contrôle vertical, de cima para baixo, ao estilo dos “comitês de defesa” cubanos. Mas, ademais, há outro fato muito importante. Dada a ausência de organismos reais desde abaixo (único modo de conformar o pretendido “socialismo”), e dado também o fato da fusão dos velhos partidos tradicionais, em seu lugar se instalou uma espécie de “democracia plebiscitária”, com estrito respeito aos mecanismos da democracia burguesa (em primeiro lugar, o voto de todos os cidadões). A consequência é que o chavismo conta com um recorde absoluto de eleições gerais, aonde quase sempre do que se tratava era de plebiscitar o sim ou o não ao próprio Chávez. No entanto, o grande problema é que o mecanismo plebiscitário, no fundo, é absolutamente antidemocrático; entre outras razões, porque não deixa opção: ou votar por Chávez ou que retornem os “escuálidos”. Por isso, obviamente, até o momento, a maioria popular vem votando por Chávez, dado o temor de um retorno ao velho estado de coisas sob governos liberais. Mas este mecanismo plebiscitário não só não tem nada a ver com um régime de “democracia socialista” (de fato, é simplismente uma adaptação da democracia burguesa e seu voto indireto), senão que, por sua vez, inclusive como ponto de apoio para seus administradores chavistas, é muito perigoso.[[2]] Bastaria perder um dos plebiscitos, para que tudo possa ser derrubado! Em suma, na Venezuela houve continuidade do regime de democracia patronal; em todo caso, assumindo formas de “democracia participativa”. O velho sistema de partidos veio abaixo, mas as instituições repressívas, coluna vertebral do estado, siguiram em pé (as forças armadas “bolivarianas” são o caso mais emblemático), o chavismo colocou em marcha um partido de Estado, o PSUV, a própria oposição patronal vem reconstruindo e “renovando” seus instrumentos políticos. Enfim, ao não haver organismos de poder dos trabalhadores, as coisas são resolvidas como em quaquer outo país, por eleições indiretas, razão pela qual o “projecto chavista” poderia cair por terra só ao perder a eleição… Daí também, não somente os limites (e o caráter antidemocrático) da gestão carismática, senão também da própria democracia (burguesa) plebiscitária. O mundo na expectativa O dito acima não quer dizer que o resultado da eleição dê igual. Desde nossa corrente internacional Socialismo o Barbarie, nos temos manifestado pelo voto crítico na candidatura operária independente de Orlando Chirino, antigo dirigente operário venezuelano. No entanto, e para além disso, o resultado objetivo da votação no terá um impacto menor, segundo ganhe Chávez ou Capriles. Na citação de um artígo do Wall Street Journal que colocamos em epígrafe, esse periódico liberal estadounidense assinala que o mais provável é que ganhe Chávez; mas que, em todo caso, até por sua idade, Capriles se firmará como alternativa. É evidente que a reafirmação ou não do chavismo terá enorme impacto regional e, inclusive, mais limitadamente, internacional. Se o chavismo passa pela prova, será um indício de que não está terminando o ciclo político que vive a região, com traços de rebeldia popular, reformismo e cooptação dos movimentos de luta (mas não ainda de revolução social). Ao contrário, se Capriles dá o golpe fatal, isso agigantará as pressões das burguesías regionais do continente (com respaldo dos EEUU) que mostram sinais de esgotamento e cansaço frente a estas gestões “carismáticas”. Querem um retorno à “normalidade” da administracão de seus negócios sem que o estado se atreva a meter a mão neles. Já mais difícil será aventurar o que aconteceria se a eleição for demasiado parelha. Sobre isto há denuncias trocadas entre chavistas e “escuálidos” e, seguramente, daría lugar a uma grave crise. No entanto, há que se recordar como Chávez saiu rapidamente a reconhecer sua derrota, quando perdeu o referéndo da reforma constitucional de 2007 (daí Cristina Kirchner apontar o “absoluto respeito pela democracia de Chávez”). E, em realidade, para além da eventual ação de grupos menores, já vimos o comportamento eleitoralista pusilânime de outras direções reformistas, por exemplo quando o sandinismo perdeu em 1990 as eleições gerais com Violeta Chamorro.[[3]] O caso de Capriles é mais difícil de prever com exatidão. Mas, para além das vociferações e denuncias, parece que o mais provável é que não faça grande coisa se perder. Como já assinalamos, o balanço da própria burguesia venezuelana é que quando polarizaram de maneira golpista, sairam perdendo. Lhes convem seguir o jogo institucional, enquanto Chávez, ainda que não lhes gostem, não mexa no sistema. Coisa que não está fazendo, nem vai fazer. Chamamos o voto crítico em Orlando Chirino As correntes chavistas da América Latina evidentemente estão em uma situação incômoda. Jogaram tudo no apoio oportunista a Chávez e não tem uma análise de classe nem uma posição minimamente crítica em relação a ele. Se o chavismo passa na prova, poderão respirar aliviadas e seguir seu curso oportunista, de cooptacão e dependencia do aparato deste movimento, marcadamente burguês por mais “progressista” que seja. Mas se Chávez perder (coisa que, insistimos, não é o más provável, mas tampouco é descartável), veríam questionado seu projecto político desde as suas fundações. Este é o destino de sempre das correntes reformistas de esquerda, que unem seu destino a um ou outro aparato da moda, e não nas lutas da classe trabalhadora e à luta pela revolução socialista. Este é um projeto de mais longo alcance, que nem sempre pode dar “satisfações” imediatas, como as que buscam os oportunistas e os carreiristas, mas que aponta para atacar os fundamentos do sistema capitalista para reabrir uma era de transformações socialistas. Desde nossa corrente Socialismo o Barbarie apostamos nesta última perspectiva e, táticamente como está dito, chamamos o voto crítico na candidatura de Orlando Chirino, um companheiro com uma enorme tradição de lutador operário, para além das sinuosas e muitas vezes equivocadas políticas que o levaram desde o apoio acrítico ao propio Chávez, até establecer acordos com setores burocráticos “escuálidos”. Nossa aposta não é taticista. Apostamos em abrir uma terceira via, proletária e popular, não só na Venezuela senão em toda Latinoamérica. Uma terceira via de independência de classe do proletariado, de luta autêntica para reabrir a perspectiva da revolução socialista no século XXI, superando a limitada experiencia com o novo reformismo capitalista como é o chavismo. [1].- Este déficit alcança 2.000.000 de habitações. Em quase 14 anos o chavismo construiu somente 350.000. [2].- Isto remete á teoría do estado e como as correntes chavistas latinoamericanas se tem dedicado a introduzir confusão a respeito, enaltecendo uma circunstância que nada tem que ver com o “poder popular” que pregam. Não é mais que tapar o sol com peneira ao seu apoio irrestrito a uma gestão capitalista. É interessante como muitas delas passaram, sem solução de continuidade, de um autonomismo raivoso e “anti-estatista”, a gozar dos beneficios e a justificar uma orientación que sem pudor se define “contra o estado, para além do estado mas, também, no estado”… [3].- Claro que os muchachos tiveram seu prêmio por este comportamento que vendeu a revolucão, ficando com a “piñata”, como se chamou à massiva apropiação de bens do estado por parte dos dirigentes sandinistas. Isso foi tolerado pela burguesia, como “prêmio” por seu respeito às instituições.
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