Por Roberto Sáenz 30/01/2018
“São anos de tropas políticas lutando entre si até chegar ao ponto em que não há representação alguma dos poderes, seja Assembléia Nacional ou Governo Nacional: em outras palavras, o Estado está completamente quebrado e nesse meio tempo as máfias e grandes e pequenas irmandades que controlam fundamentalmente a distribuição de alimentos, enchem os bolsos deixando o povo faminto e escasso de tudo. Os grandes capitais fazem o que querem, enquanto os “representantes”, seus amigos cheios de dinheiro ou funcionários do governo, tentam unir-se a eles para ganhar seu próximo lugar de representação (…) a revolução bolivariana se tornou um circo (…) que, com o passar do tempo, fazem com que o paí se disolva a sí mesmo” (“La estafa de la representacion“, Roland Denis, ex-funcionário do governo venezuelano de Chávez em Aporrea, 19/01/19) ).
Nossa corrente emitiu declarações sobre o golpe em andamento na Venezuela. O que nos interessa aqui é avançar mais algumas considerações aprofundadas sobre os acontecimentos.
Um golpe quase clássico
A primeira coisa que queremos ressaltar é o caráter “clássico” do golpe liderado por Guaidó. Talvez, não seja clássico ainda no sentido de um curso repressivo do mesmo ou porque as forças armadas estejam à sua frente – o que, por enquanto, insistimos, não está acontecendo, embora não possa ser descartado no futuro -, mas o é pela maneira descarada com que os Estados Unidos estão intervindo.
O descaramento da intervenção imperialista, está em que um golpista consumado como Elliott Abrams – com o passado de organizador dos Contras na Nicarágua nos anos 80 – tenha reaparecido no palco três décadas depois como “representante” do governo Trump na Venezuela, no alinhamento imediato dos governos lacaios da região por trás do golpe, na descrição obscena na mídia da preparação prévia da autoproclamação de Guaidó em Washington e na OEA, na campanha golpistae internacional, são todos elementos que devem servir como um primeiro ponto de referência para o caráter dos eventos em andamento1.
A assunção do governo de Donald Trump, há dois anos, foi um sinal categórico de que o mundo girava à direita. E, com isso, a região como um todo, esgotou praticamente todo o impulso das revoltas populares desencadeadas no início do milênio, e esgotou também todos os governos “progressistas” que escamotearam seu conteúdo transformador (que se dedicava a cooptar os movimentos em luta).
Um após o outro, governos reacionários apareceram na região: Macri, Lenin Moreno, Duque, Piñeira e, mais recentemente, Bolsonaro. É preciso dizer que, nessa dinâmica, não é por acaso que Juan Guaidó é o representante de um dos partidos mais direitistas da oposição esquálida venezuelana: Voluntad Popular, partido do preso Leopoldo López, que sempre sustentou que a única estratégia válida para chegar ao poder era o golpe de Estado.
Somando-se a essas características, está a base social reacionária do golpismo: os chamados “esquálidos”2. Fora da Venezuela, nem sempre se leva em consideração, ou se entende, o reacionarismo da burguesia venezuelana e suas tradicionais representações políticas (ou não).
A Venezuela tem sido durante o último longo século um país rentista dependente da produção de petróleo: um país mono-produtor de petróleo. Que este “mono-produto” tenha sido o “ouro negro” ó que caracteriza os ciclos ascendentes e descendentes da economia do país. Uma economia que não se diversificou e à qual, talvez, poderia se aplicar a definição de Milciades Peña tirada de Marx: a “maldição da riqueza fácil“.
Uma definição, a anterior, obviamente reducionista, unilateral, mas que de qualquer forma se aplica no sentido do parasitismo histórico de sua classe dominante (e não apenas dela, como veremos no próximo ponto).
Essa burguesia esquálida não é apenas parasitária, exploradora, mas também profundamente racista. É preciso levar em conta que, em suma, a Venezuela é um país andino com uma grande população nativa. Não importa o quão miscigenada seja a mesma, a questão é que a cor da pele indica com bastante fidelidade a qual classe social cada um pertence.
Além disso, a burguesia esquálida é aquela típica burguesia regional que, política e culturalmente, passa seu tempo olhando para os Estados Unidos (mas não para suas manifestações mais progressistas, somente para as mais retrógradas), veraneando ou, inclusive, vivendo o ano todo e dirigindo seus negócios de Miami, desprezando tudo que cheira a cultura popular.
As Guarimbas de 20173, em que muitas pessoas de cor diretamente queimadas vivas por apenas se suspeitar serem “chavistas”, têm essa origem racista. A Venezuela é um país profundamente estratificado. Estratificado de uma forma que, talvez, no Cone Sul da América Latina, é difícil para nós entendermos; não tanto como na Bolívia, mas muito mais próximo desse país do que do nosso (onde as linhas de divisão social são mais puramente de classe).
Por outro lado, a Venezuela é um país com menos “mediações” do que outros na região: a política logo é transformada em um chiqueiro; as acusações são muitas vezes até “irracionais”; os brancos e negros da política não admitem nuances; a mídia esquálida destila noite e dia desde há anos o ódio social4.
Esta burguesia está desesperada para recuperar o controle direto e total das receitas do petróleo. E o chavo-madurismo, que tem se dedicado a afundar sistematicamente o país nos últimos 10 anos, não faz nada além de servir-se em um prato (o chavismo no poder deixou escapar a enormidade de 500 bilhões de dólares na última década).
Um golpe de Estado quase clássico liderado por Trump, pelos desprezíveis governos reacionários da região e a mais desprezível – pode-se dizer – a esquálida oposição dos patrões, encontram no desastre madurista a legitimidade de seu golpe de Estado em desenvolvimento, algo que talvez não seja tão clássico ou que nem sempre seja assim. Houve golpes de estado legitimados em geral pelas classes médias que se voltam para a direita, e outras que não a atingem da mesma maneira, delimitando, talvez, aqueles que são triunfais daqueles que são frustrados.
Todo esse desenvolvimento que colocamos no início desta nota para marcar a primeira delimitação de princípios para uma posição revolucionária em relação à Venezuela: aquela corrente que não se coloque, em primeiro lugar, contra o golpe de Estado em curso, que ceda à pressão da opinião pública, à pressão do fato real da catástrofe chavo-madurista, à pressão das dezenas de milhares e centenas de milhares de venezuelanos – imigrantes ou não – que odeiam muito justamente a Maduro, em benefício de não colocar como primeira questão o repúdio ao golpe de Estado, à rejeição do mesmo, estará cometendo, insistimos, uma falta contra os princípios da esquerda revolucionária5
Nenhuma saída para o povo explorado e oprimido da Venezuela pode vir das mãos do imperialismo; Nunca foi assim e nunca será: diante das características do que é propriamente imperialismo como senhor do mundo; das relações de hierarquia e subordinação na economia mundial e no sistema mundial de Estados que fazem do imperialismo, o que é: o senhor do mundo.
E isso acontece para além da vergonhosa e injustificada crise da absoluta bancarrota a que o Chavo-Madurismo conduziu a Venezuela; falência que tem dado um manto enorme de legitimidade aos esquálidos, uma das características mais salientes do golpe atual.
A catástrofe insondável do madurismo
O segundo elemento característico do golpe de Estado em curso é, infelizmente, a sua legitimidade. Dá a impressão de que, apesar do ódio histórico das massas pelos esquálidos, a profunda despolitização sofrida na última década, a completa degradação de suas condições de vida, a fome, a fadiga com as palavras vazias do madurismo, a repugnância pela burocracia chavista e pela boli-burguesia bolivariana, o desagrado social contra aqueles que lucram com a miséria e a falta de comida, o repúdio à corrupção endêmica do capitalismo do Estado bolivariano, a soma de tudo isso, é o que explica, pelo menos por enquanto, a falta de reação popular a um golpe de estado que aparece com tamanha audácia.
A degradação do que era conhecido como um processo de autêntica rebelião popular é insondável. O processo de rebelião na Venezuela já se arrasta há muito tempo podendo-se dar como data inicial desse ciclo o Caracazo de 1988, que deixou o antigo sistema de partidos tradicionais (COPEI e Acción Democrática) mortalmente ferido, um sistema pelo qual, a começar pelo assim chamado “Acordo do Ponto Fixo” desde 1958 estes dois partidos se alternavam.
A soma de uma espécie de nacionalismo burguês morno com a corrupção endêmica e o cipayismo, bem como a implementação na década de 1980 das políticas neoliberais, levou à eclosão do Caracazo que foi forjado em torno de um aumento escandaloso no transporte em um país que nada em óleo …
O país padeceu sem perspectivas por mais alguns anos, viveu o golpe militar chavista de 1992, etc, e antes do colapso dos partidos tradicionais, o Chavismo – projetado a partir dessa tentativa – acabou se impondo nas eleições presidenciais de 1998.
Seus primeiros anos de administração não foram simples: o barril de petróleo estava baixo e havia uma crise econômica. Eventos como a Assembléia Constituinte de 1999 ocorreram, entre outros, levando a uma forte tentativa de golpe em abril de 2002, um golpe que desalojou Chávez por dois dias para assumir Pedro Carmona, presidente da câmara de empresários, Fedecamaras, que se tornou no ditador, e de tão repressiva desatou a fúria popular e não durou mais de dois dias.
Foi a mobilização popular que resgatou Chávez, não as Forças Armadas. Mas, em um traço característico desse tipo de representações bonapartistas e burguesas, em vez de radicalizar-se, Chávez reapareceu com uma bíblia na mão e perdoou todos os golpistas …
A burguesia insistiria na rota do golpe no final de 2002 e no início de 2003, através da greve-sabotagem da indústria petrolífera, que procurava pôr o país de joelhos. Mas graças à reação da classe trabalhadora do petróleo, o lock-out da administração imperialista da supostamente “estatal” companhia petrolífera (a chamada “meritocracia”) foi derrotado.
Esses dois triunfos populares estabilizaram o país, fizeram com que ele se voltasse para a esquerda, o que, combinado com os bons preços do petróleo nos primeiros anos do milênio, consolidou o Chavismo.
A priori, era hora de radicalizar: aprofundar o processo de rebelião popular, avançar em medidas anticapitalistas que permitissem ao país se industrializar. Mas o chavismo e Chávez se opuseram a seguir esse caminho: o que eles fizeram foi, basicamente, estatizar todos os acontecimentos, cooptar o movimento popular de mil e uma maneiras, cortar todo caminho de desenvolvimento independente para a classe trabalhadora, destruindo a central independente que estava sendo construída, facilitar o surgimento de uma burocracia e uma boli-burguesia determinada a apropriar-se, mais uma vez, da renda do petróleo.
Durante esses anos houve, no entanto, concessões: as chamadas “missões” eram uma expressão disso e o chavismo era popular. Mas nada foi além dos limites orgânicos clássicos do estatismo burguês, da configuração de uma camada social burocrática e burguesa que apropriaram-se do poder e das receitas do petróleo, de uma gestão profundamente corrupta do Estado, incluindo a repressão da classe. trabalhadora industrial que rapidamente se tornou indiferente ao chavismo (ou passou para a oposição na ausência de alternativas).
Chavez e o chavismo eram muito blá-blá-blá, mas não tomaram uma única (nem uma única!) medida anticapitalista, não avançaram na industrialização do país; eles simplesmente seguiram a lógica mono-produtora de produzir e exportar petróleo e importar todo o resto: que um país do tamanho da Venezuela (mais de 30 milhões de habitantes) dependa 95% da importação de alimentos, remédios, e quase tudo o que cobre as necessidades básicas, já é um apelo à falência insigne do chavo-madurismo.
Sob o chavismo, por assim dizer, formaram-se aproximadamente três setores burgueses-burocráticos, três estratos sociais privilegiados que se apropriaram da maior parte da renda nacional (digamos: a maior parte do que não continuou indo à burguesia tradicional): a burocracia de Estado chavo-madurista, a boli-burguesia e as Forças Armadas bolivarianas.
Esses três setores, e não as massas exploradas e oprimidas, esfomeadas, despolitizadas, desmoralizadas, cooptadas, reduzidas a ter que viver das sacas de comida distribuídas pelo Estado (as CLAP), tornaram-se o verdadeiro “sujeito” do governo bolivariano já desde Chávez, embora registrando uma degradação maior depois dele: “Se algum dia nós quisémos apresentar a Chávez uma verdadeira soberania tecnológica e alimentar com alguns anos de trabalho e investigação, isso se desfez entre amigos militares e civis que preferiram usar os bolsões de dólares para ir conformando tribos de corrupção que se consolidaram enquanto restos do dinheiro serviam às classes média e popular para para fazer respirar seus sonhos, até o fim das reservas e o começo de uma barbárie desvalorizante e achegar a este colapso sem sentido “(“La estafa de la representacion“, Roland Denis, idem).
Os chamados de atenção haviam começado com o próprio Chávez, quando ele não conseguiu impor uma segunda constituição, “socialista”, no final de 2007. Essa crise parecia paradoxalmente “congelada” antes da morte do próprio Chávez e da onda de simpatia e reconhecimento popular. que deu origem às circunstâncias. Maduro consegue ser escolhido de maneira digna no início de 2012, em uma eleição razoavelmente limpa, por assim dizer.
No entanto, como acabamos de assinalar, desde 2008 uma crise tem se concentrado, entre outras razões, devido à crise econômica global e à queda dos preços do petróleo. Vamos adicionar isso aos próprios absurdos de Maduro: o chavismo já era uma burocracia parasitária, que perverteu os fatos e palavras “revolucionários” (isso para além do fato de que, talvez, seja uma certa característica da “idiossincrasia” nacional uma certa informalidade nos usos e costumes6): “(…) alguém que fora velho amigo, mas tão destrutivo e entregue às mais mafiosas tempestades corruptas deste país (…) [um] simulador de línguas (…) um caotizador sem limites” (“¿Habrá un movimiento revolucionario que le pida la renuncia a Maduro y todo su gobierno?“, Roland Denis, Aporrea, 05/07/18).
Adicionando a corrupção, os múltiplos erros de Maduro, tomar o Estado como um botim, a queda nos preços do petróleo, a desmoralização das massas diante de tantas palavras sem sentido, etc., levaram a uma derrota eleitoral catastrófica do governo em dezembro. de 2015 (eleições para a Assembleia Nacional onde a oposição obteve a maioria absoluta), à tentativa de golpe de misericórdia de fevereiro de 2017, tentativa de qualquer forma fracassada, à constituinte fantoche do mesmo ano (“constituinte” que ainda está funcionando, e que nada mais é do que uma espécie de instância interna do PSUV, partido oficialista do Estado), a contra-ofensiva do madurismo pela crise da oposição ante seu golpe frustrado e que lhe permitiu prevalecer nas eleições municipais, de governadores e à segunda eleição de Maduro…
Mas concomitante com esses acontecimentos, o país continuou a mergulhar em uma crise indescritível: não há sociedade que possa suportar viver através de anos no meio de uma situação de hiperinflação: uma circunstância que desmoraliza qualquer sociedade.
O chavo-madurismo fez isso: deixou o país afundar entre a gula da apropriação da receita, da especulação com a fome da população, das suas palavras vazias que nunca atentaram contra os interesses capitalistas, sua covardia de tomar qualquer medida real contra o imperialismo e a burguesia golpista, em sua fechada recusa de abrir qualquer canal de desenvolvimento da organização e da iniciativa das massas a partir de baixo, em sua repressão contínua ao movimento popular7.
Não: a rejeição ao golpe não pode significar um grama de apoio político a esses sátrapas que agora estão pendurados por um fio. Rejeitamos incondicionalmente o golpe de Estado imperialista. Mas com a mesma convicção, afirmamos que o futuro de Maduro deve ser resolvido pelos explorados e oprimidos: é de vida ou morte que as massas encontrem um canal independente para derrotar o golpe atual. Se é por Maduro, não se pode esperar que ele tome uma única medida honesta e real contra ele, tal sua covardia e pusilanimidade.
Rejeitar o golpe desde uma posição independente: não dar sequer um grama de apoio político a esse governo nacionalista burguês decadente e corrupto é o segundo elemento de princípios colocados para uma posição revolucionária na Venezuela8.
Uma saída independente
A saída para a catástrofe venezuelana não é simples. A autoproclamação de Guaidó criou uma situação de “duplo poder burguês” em pleno desenvolvimento. Com o passar dos dias, Guaidó se fortalece e Maduro enfraquece (“Na Venezuela um golpe de estado está em marcha“, www.socialismooubarbárie.org, 27/01/19).
De acordo com as informações que chegam, esse golpe não é como os anteriores: como acabamos de apontar na última citação em nota de rodapé, as classes médias e a burguesia esquálida estão conseguindo arrastar amplos setores populares para seu rechaço golpista ao governo de Maduro, ou, pelo menos, estas não tem respondido aos apelos desesperados deste último a “uma rebelião popular contra o golpe” …
Com o apoio de Trump e dos governos lacaios da região, Guaidó se está provendo de fundos, enquanto Maduro parece relativamente encurralado.
Existem três elementos-chave aqui que explicarão a dinâmica. A primeira, já indicada, é o apoio do imperialismo ao golpismo: os esperam negócios com um eventual governo golpista, neoliberal, ultra-reacionário e recolonizador da Venezuela, que dará novamente o controle direto da renda do petróleo à burguesia esquálida e ao imperialismo.
Por seu lado, Maduro tem os negócios montados com a China, a Rússia e outros países; porque não estão se estão escutando muito a voz destes últimos por enquanto no desenvolvimento da crise, para além de continuar a reconhecê-lo (e que, previsivelmente, se Trump mover fichas intervencionistas, as coisas poderiam ficar realmente quentes).
Depois, há o complexo problema das forças armadas: todo mundo diz que se eles derem volta, Maduro não duraria hoje por um minuto. Aqui, o problema não acreditamos que passe por nenhuma veleidade “nacionalista”: o real é que os militares controlam uma porção imensa de negócios e da receita nacional, negócios que a burguesia esquálida e o próprio imperialismo certamente querem para si mesmos, uma questão então, que não é tão fácil de resolver …
No momento, então, as forças armadas bolivarianas permanecem alinhadas com o governo. Mas sua confiabilidade é zero, já que zero sempre foi a “confiabilidade popular” das forças armadas na região9.
Mas a chave estratégica de tudo é o terceiro elemento: as massas. Como já assinalamos, o problema dramático é que a soma da fome, da despolitização e da desmoralização deixou as massas exploradas e oprimidas desarmadas. Como ressalta o intelectual venezuelano Roland Denis, o trabalho do chavo-madurismo foi tão destrutivo para sua consciência, que no imediato aparece como algo difícil de traçar: “(…) vivemos como uma sociedade em fome sem nenhuma epopéia intermediário, senão o simples defraudar de toda uma sociedade por parte de um mando traidor a sua evolução; Foi a mais perfeita máquina de des-subjetivação. É como tirar o sabor da existência, toda a consistência à politização impetuosa que experimentamos na última década (…)” (Denis,”De Siria a Venezuela y la destrucción del tercer actor“, Aporrea, 10/10/18).
Acrescentemos a isso as condições dramáticas de vida onde não há alimentos básicos, remédios ou papel higiênico, onde muitos não têm empregos, onde a fome é alta, onde a emigração foi de milhões, e oa resultante é muito complexa.
No entanto, poderia acontecer que algum elemento ativasse a consciência popular: por exemplo, que a intervenção ianque se tornasse muito descarada, ou que dessem o passo imprudente de intervir militarmente na Venezuela …
Um elemento desse tipo (que poderia desencadear uma espécie de guerra civil), ou qualquer outro que não possamos apreciar à distância, poderia eventualmente gerar um ponto de reorganização do quadro político geral que desencadearia uma verdadeira resistência popular ao golpe, bem como como um caminho independente para a decomposição madurista.
Em todo caso, uma política revolucionária sempre funciona tanto para o presente quanto para o futuro. Insistimos: qualquer renúncia em termos de princípios em face de um golpe imperialista seria estrategicamente fatal: o imperialismo desencadeará um desastre maior na Venezuela do que o de hoje.
Mas também não é principista varrer a lama madurista por baixo do tapete: a rejeição incondicional ao golpe de Estado não pode significar evitar o balanço que estamos passando: nenhum grama de apoio político ao madurismo. Socialismo ou Barbárie é uma das poucas correntes da esquerda revolucionária que colocou desde o começo que o chavismo não iria expropriar o capitalismo, que não tinha ilusões com a suposta “revolução bolivariana”, que sempre insistiu que se tinha que avançar em uma construção independente10.
A realidade é que o golpe só pode ser derrotado se, de um modo ou de outro, as massas populares encontrarem um caminho independente. Para essa perspectiva, apostamos desde nossa corrente internacional.
1 Nesse sentido, chama a atenção como a LIT-CI vê os eventos “semelhantes a outros do passado, ainda que com um aumento em seu nível” (“Declaração do LIT-CI sobre a Venezuela”, 25/01/19), é a partir daí que fala de “ingerência imperialista” e não de golpe de Estado.
2 Foi assim que Chávez começou a chamar a oposição patronal a partir de 2001. Supõe-se que por essa palavra ele apontava para sua fraqueza, que a oposição era naquele momento “fraquinha”, “debilzinha”.
3 Chama-se “guarimba” à ação direta dos setores mais direitistas que cortam violentamente as rotas e, inclusive, atentam contra a vida de qualquer pessoa de cor.
4 A esse respeito, Roland Denis dá uma definição aguda: descreve o “conservadorismo dentro da raiva condensada”, que é a marca registrada da juventude estudantil de classe média que se opõe ao chavismo há uma década e meia.
5 Quando um golpe de Estado começa, a política deve ser reordenada em torno da luta contra o golpe; houve inércia a esse respeito de algumas correntes como o PTS argentino, cuja declaração de 23/01 começou a se opor a Maduro e a não ao imperialismo golpista (“Contra o governo de Maduro e contra o golpe de direita encorajado pelo imperialismo”. Lutemos por uma sída própria dos trabalhadores “). A declaração também cometia a torpeza de equiparar como “reacionários” a ambos os lados burgueses em conflito: de fato, ambos os lados são reacionários, mas não iguais quando há o imperialismo de um lado e um governo nacionalista burguês corrupto e decadente do outro.
6 Que se entenda que apontamos essas características do “Macondo venezuelano” apenas para apreciar algumas características idiossincráticas do país, de sua cultura, não para justificar e/ou relativizar o comportamento de suas camadas dominantes, muito menos endossá-lo às massas populares que com sua devoção e dedicação, foram as que criaram os momentos mais altos da experiência do país nas últimas décadas.
7 A este respeito, a seguinte observação é interessante: “Se o teste [do golpe] for superado, no entanto, o governo bolivariano estaria errado em continuar com a imobilidade e ineficiência que caracterizaram o desenvolvimento da crise econômica no país. Se os pobres exigem alguma coisa na rua, não é por causa da 'ditadura', mas por causa da falta dela, por causa da incompreensível mão brancia diante daqueles que especulam com a comida e as necessidades básicas das pessoas “(” ¿Qué se juega en la crisis? “, Alejandro Kirk, Vientosur, 24/01/19). Embora nossa corrente não encoraje o “jacobinismo bonapartista” exercido de cima, e nem tampouco nos escapem nem a repressão do chavismo e do madurismo contra o movimento popular, a citação pinta bem a vergonhosa mão branda que em toda a sua história o Chavismo teve com o imperialismo e a burguesia venezuelana.
8 Se igualar aos conspiradores do golpe imperialista com os sátrapas maduristas em um crime de princípios, também o é esconder toda crítica e delimitação de princípios destes últimos. É um pouco o que acontece com aquelas correntes que se esforçam para não dar apoio político a Maduro, mas, no entanto, deixam de esboçar qualquer crítica a ela; eles não conseguem explicar o que está acontecendo especificamente: que os grandes setores populares parecem estar se deixando arrastar pelos líderes do golpe.
9 Atenção que as forças armadas da Venezuela receberam uma pátina “bolivariana” e “revolucionária”, mas não foram destruídas, muito menos, o atual subproduto das forças armadas de verdadeiras revoluções, como novas forças armadas tais: elas sempre permaneceram como forças armadas de um Estado burguês por mais “nacionalistas” que se hajam tingidos.
10 Veja a este respeito “Tras las huellas del socialismo nacional”, um artigo do ano de 2007 que acabamos de re-publicar em Izquierdaweb, onde tentamos fumigar todas as falsas ilusões proto-chavistas.
Tradução: José Roberto