Venezuela| O 23 de fevereiro, ofensiva golpista sob a mascara de uma suposta “ajuda humanitaria”
Claudio Testa[1], 16 fevereiro, 2019
Juan Guaidó, o autoproclamado “presidente da Venezuela”, lançou uma provocação golpista para o próximo dia 23 de fevereiro. Seu objetivo é levar provavelmente a incidentes sangrentos e assim legitimar os pretextos para uma intervenção militar direta do imperialismo ianque e/ou de alguns de seus fantoches latino-americanos, como os governos da Colômbia e do Brasil.
Para isso, tenta aproveitar-se do desastre que o “madurismo” levou à Venezuela e, especialmente, às massas trabalhadoras e populares.
Neste dia -23 de fevereiro- Guaidó celebra um mês de sua auto-proclamação, em janeiro passado, como presidente “paralelo” da Venezuela votada por ninguém. Ou melhor, votada por Trump, que move os fios de Guaidó, e pelo bando de lacaios regionais que acompanham e aceitam incondicionalmente a voz de seu senhor do norte.
Uma operação para aproveitar-se do desastre madurista
Como dissemos, trata-se da distribuição, principalmente nas fronteiras da Colômbia, mas também na capital, Caracas, de uma certa quantidade de “ajuda humanitária” que ainda está indefinida de várias maneiras. Não se sabe bem o que é essa “ajuda” (comida, remédios ou o quê?), Nem seu tamanho, nem quem contribui e distribui além de Guaidó e seu “governo” invisível.
A única coisa clara é que por trás de tudo isso o governo dos EUA age diretamente, desde Trump até seus operadores civis e militares na área (incluindo seus fantoches da Colômbia e talvez do Brasil) … com o boneco venezuelano Guaidó à frente.
“A preocupação aumenta“, diz uma revista internacional, “considerando que várias das principais entidades internacionais que lidam com a ajuda humanitária negaram categoricamente estar envolvidas. O presidente da Cruz Vermelha Internacional na Colômbia, Christoph Harnisch, disse à imprensa que o carregamento “não é uma ajuda humanitária”, já que foi encomendado por um “governo imposto” (em referência ao autoproclamado Guaidó) na Venezuela, sem a aprovação das autoridades legítimas.
“Além disso, a organização Cáritas [administrada pelo Vaticano] também comunicou sua posição contra o envio, descrito pelo governo venezuelano como a montagem de um espetáculo na fronteira colombiana. A Caritas argumenta que qualquer “possibilidade de ajuda humanitária” é guiada por “protocolos internacionalmente aceitos” e “não atende a interesses políticos”. [RT, reproduzido por Aporrea, 13/02/2019]
Recordemos que há alguns dias Washington anunciou com grande alarde a instalação de cerca de 4.000 soldados dos EUA na fronteira da Colômbia com a Venezuela … Eles também farão parte dos distribuidores da “ajuda humanitária” que, até agora, também viria exclusivamente dos EUA? Para isso, as tropas coloniais ianques vão operar, com um pé no território colombiano e outro no venezuelano?
Um argumento final confirma a natureza provocativa da “grande demonstração de força” da operação anunciada por Guaidó:
Quando alguns jornalistas lhe perguntaram como seria possível fazer a distribuição em Caracas, longe de Cúcuta[2] ou de outras fronteiras, Guaidó os levou a um grande depósito clandestino, onde as caixas da suposta ajuda já estão. É impossível ter feito essa acumulação, sem um apoio material fenomenal que só o imperialismo ianque poderia fornecer.
É claro que tanto isso quanto o que Guaidó pode ter acumulado nas fronteiras é muito pequeno em relação às necessidades do povo em uma situação atroz. Mas ele faz parecer àquelas massas como preocupado por essa situação, que sob o desastroso governo de Maduro não faz mais que piorar.
É essa catástrofe social, que se agravou nos últimos meses e multiplicou o descontentamento, que hoje dá asas aos setores de oposição mais direitistas, agentes diretos dos Estados Unidos, como Guaidó.
Por que vem encorajarando-se o imperialismo ianque e seus setores relacionados na Venezuela?
O imperialismo e a burguesia pró-ianque aproveitaram totalmente a catástrofe madurista. Em um artigo anterior, publicado em Socialismo ou Barbarie No. 502 (31/01/2019) “Algumas considerações sobre o golpe imperialista”, explicava-se detalhadamente “a insondável catástrofe do madurismo”, que favoreceu profundamente aos golpistas:
“Dá a impressão de que apesar do ódio histórico das massas pelos esquálidos, a profunda despolitização sofrida na última década, a completa degradação de suas condições de vida, a fome, a fadiga com as palavras vazias de madurismo, desgosto pela burocracia chavista e pela burguesia bolivariana, o desgosto social contra aqueles que lucram com a miséria e a falta de comida, o repúdio da corrupção endêmica do capitalismo de Estado bolivariano, a soma de tudo isso, é o que explica, pelo menos por enquanto, a falta de reação popular a um golpe de Estado que se apresenta com tanto descaramento … “. (Roberto Sáenz, “Algumas considerações sobre o golpe imperialista”)
Mas vamos sublinhar que essa pintura global, de uma situação extremamente perigosa, que pode facilitar o triunfo do atual golpe de Estado, é agravada por um fato: que esse desastre político foi o começo de um processo que não começou ontem, mas sim que foi “in crescendo”.
O “madurismo”, apoiando-se politicamente nas derrotas das tentativas opostas de derrubá-lo à força (o último em 2017, com suas guarimbas[3] assassinas), conseguiu montar um sistema de “clientelismo” que garantiu a uma parte importante da população um mínimo de subsistência. Através dos chamados “sacos CLAPS”[4], dos “carnets de la patria”[5] e outros mecanismos miseráveis mas eficazes, ele conseguiu construir uma estrutura clientelista que parecia relativamente sólida.
Sem conhecer bem as causas, há muitos dados no sentido de que isso se foi deteriorando progressivamente. Este ano, atingiu o limite e pesou sobre a crise política e seu curso.
Embora a vanguarda da rebelião da oposição não seja precisamente os mais pobres, a atitude, no mínimo prescindente dos setores de massas que outrora foram fervorosos chavistas, é de enorme importância.
Não sabemos porque o madurismo, ao longo dos últimos tempos, foi deteriorando cada vez mais o asistencialismo e a situação de muitos setores que antes podiam pelo menos sobreviver com esse clientelismo da miséria.
Talvez Maduro e sua gangue, tendo conseguido a reeleição presidencial, acreditassem que tudo estava nos trilhos … e poderiam, então, esfomear um pouco mais a população. Mas nessa mesma votação, o alto grau de abstenção – que enfatizamos na época – foi um aviso severo de que o descontentamento alçava vôo.
Outro fato que confundiu muitos foi também a enorme crise da antiga oposição. Mas não ocorreu a Maduro & Cia que o imperialismo poderia encontrar substituições mais eficazes, mais furiosas e mais a direita.
A caminho de 23 de fevereiro
Agora, as mudanças que durante um período pareciam imperceptíveis, tiveram um catalisador: a operação golpista de Juan Guaidó, com o imperialismo ianque e os governos latino-americanos da direita respaldando-o.
Aproveitam, como apontamos, uma perigosa situação pré-existente, que é a responsabilidade fundamental de Maduro e sua gangue governante, de descontentamento, confusão política, desmobilização e, até mesmo, ilusões de alguns setores populares no desconhecido Guaidó.
No entanto, seria um grande erro dar como certo o que ainda hoje é um grave perigo e não uma realidade.
Devemos nos unir para rejeitar incondicionalmente esse golpe de Estado que colocará a Venezuela novamente aos pés do imperialismo ianque, que novamente se apoderará da renda do petróleo em sociedade com a burguesa esquálida e mergulhará ainda mais na miséria. os trabalhadores e setores populares.
Mas também, simultaneamente, isso requer agir com total independência em relação à gangue Maduro. A rejeição ao golpe de Estado não pode implicar qualquer apoio a estas pessoas, que não só encheram os seus bolsos à custa da miséria popular, mas que são os responsáveis pelo triunfo de um golpe imperialista.
Tradução: José Roberto
[1]Líder histórico da esquerda argentina. Pensador e líder da Corrente Socialismo ou Barbárie. Autor do livro “Palestina: 60 anos de limpeza étnica”
[2]Cúcuta, município fronteiriço da Colômbia. Constitui de fato uma cidade só com as urbanizações venezuelanas de San Antonio e Ureña. É por isso que geralmente é chamado por esse nome o conjunto de cidades.
[3]NT.: Bloqueios de ruas realizados por grupos violentos de apoio à oposição
[4]NT.: Cestas de alimentos, em grande parte importados do México, vendidas a preços populares (R$ 47,30 em média) pelos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP)
[5]NT.: Carteiras de Identidade eletrônicas, não obrigatórias, que dão acesso aos mais necessitados a beneficios sociais, monetários e de compra, por. ex., de gasolina a preços muito baixos.