Reacionarismo, instabilidade e possibilidades do cenário nacional

“A revolução social do século 19 não pode tirar a sua poesia do passado, mas apenas do futuro. Não pode começar consigo mesma antes de se limpar de toda a superstição perante o passado. As revoluções anteriores necessitam de reminiscências da história universal para dissimularem o seu próprio conteúdo. A revolução do século 19 tem que deixar os mortos enterrarem os seus mortos, para chegar ao seu próprio conteúdo. Ali, a frase ultrapassava o conteúdo; aqui, o conteúdo ultrapassa a frase.” (Karl Marx, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte)

POR ANTONIO SOLER [1]

A partir das eleições de outubro de 2014, instalou-se no país uma crise estrutural que, após dois anos de polarização política nacional, resultou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. O impeachment foi uma manobra palaciana reacionária que depôs um governo de colaboração de classes e colocou em seu lugar um governo (Michel Temer) neoliberal, o que só pode ocorrer porque não houve uma verdadeira resistência do lulismo durante esses dois anos de embate e de crise orgânica. A destituição de Dilma só foi possível pela aposta até o final na conciliação de classes, pois O PT após as eleições mudou completamente sua política, o que se configurou em um verdadeiro estelionato eleitoral, e alémm disso, não apelou à luta direta dos trabalhadores para enfrentar a direita que tomou massivamente as ruas.  

Com o impeachment um novo arranjo de poder institui-se, agora temos uma coalizão neoliberal composta unicamente pela velha oligarquia política que é apoiado pelo grande capital. A partir da imposição dessa nova coalizão se estabelece uma situação pré-reacionária. Situação na qual a classe trabalhadora está na defensiva, mas que convive com conjunturas favoráveis nas quais poderia ter superado a correlação de forças desfavorável. Podemos nessa situação pós-impeachment identificar quatro conjunturas: a primeira desfavorável após o impeachment que culminou com a imposição da “PEC da Morte” em 15 de dezembro de 2016; a segunda foi aberta com a onda de mobilizações em março de 2017 contra a reforma da previdência e se estendeu até a greve geral de 28 de abril; a terceira foi marcada pela retomada da ofensiva reacionária com a aprovação sem resistência da reforma trabalhista em 11 de julho e a quarta aberta com a manobra tática que tira a reforma da previdência da pauta e a substitui pela intervenção militar no Rio de Janeiro.

Em todos os principais eventos de luta de classes que podemos listar desde 2013 (lutas juvenis que inauguraram um ciclo político ainda presente); onda reacionária entre a eleição e retirada de Dilma do poder e as ameaças às liberdades democráticas e os direitos dos trabalhadores no governo Temer, temos como contraponto a resistência dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Resistencia essa que, em alguns momentos, chegou a colocar em questão o governo e sua política, mas que foi sistematicamente traída pela burocracia sindical. Não vivemos uma derrota histórica dos trabalhadores que justifique uma mudança cabal na situação ou ciclo político. Existe sim, uma situação política com fortes tendências ao estabelecimento de uma situação reacionária que pode levar à derrota por um longo prazo da resistência dos trabalhadores. Mas não podemos desconsiderar as contra tendências que se configuram na continuidade da crise econômica, no crescente descontentamento das massas e na capacidade de resistência dos trabalhadores e oprimidos, por isso no momento caracterizamos a situação como pré-reacionária.

Além de guardar o potencial de lutas, a atual situação aprofunda a crise do lulismo e abre possiblidades mais objetivas para a construção de uma alternativa de esquerda entre setores de massa. Nesse sentido, a construção da Frente Povo Sem Medo (FPSM), apesar de ter pouca ascendência sobre a classe operária, tem sido capaz de mobilizar importantes setores da classe trabalhadora e da juventude e a aliança eleitoral entre FPSM, PSOL e PCB, com Guilherme Boulos à frente, apesar de ainda limitada programaticamente, é a expressão política desse processo de recomposição da esquerda no Brasil que pode no próximo período oferecer um sério questionamento da hegemonia lulista no interior do movimento de massas.  

Um governo reacionário

Chegamos no segundo semestre de 2016 com a aliança governamental lulista desalojada do poder e substituída por um governo diretamente dos oligarcas tradicionais e da banca financeira, o que levou à uma mudança significativa na situação política nacional, pois a partir de então, a classe dominante como um todo está alinhada em torno de um arranjo político governamental abertamente reacionário. Processo esse que mesmo significando o desalojamento do governo de conciliação de classes como parte da ofensiva reacionária, não ocorreu sem passar pela conciliação entre a ofensiva reacionária e os chefes da burocracia. No dia 31 de agosto de 2016 teve fim o longo processo de impeachment contra Dilma Rousseff, mas apesar de ser destituída, Dilma não perdeu seus direitos políticos. Isso se deu porque foi feito um acordo com o MDB vinculado a Renan Calheiros e com a presidência do STF para que o processo de votação fosse dividido em duas partes: 1) perda do mandato e 2) a perda ou não dos direitos políticos.

O impeachment criou melhores condições para que os ataques contra a classe trabalhadora se efetivassem, o governo de conciliação de classes de Dilma, por mais que estivesse se inclinando a direita, não reunia o conjunto de condições para impor as contrarreformas. Como todo governo desse tipo traz em seu interior elementos (representantes burocráticos) que representam organizações operárias, o que torna esses governos ineficazes quando se trata de impor medidas regressivas de cunho histórico, pois se tratava de impor aos trabalhadores retrocessos estruturais na gestão do gasto público, na composição dos salários, nas condições de trabalho e aposentadoria. A questão é que em um cenário de profunda recessão, crescente desemprego, arrocho salarial e piora geral das condições de vida, impor mais sacrifícios não seria uma tarefa fácil, mesmo tendo o apoio unânime da classe dominante, dos meios de comunicação de massa e do imperialismo para realizar as contrarreformas.

As manifestações contra o impeachment e pelo “Fora Temer” logo nos primeiros dias que se seguiram a deposição de Dilma na cidade de São Paulo e em outros lugares já prefiguravam o que seria o governo Temer. O movimento foi tratado com uma tremenda brutalidade policial que queria colocar medo na juventude e na vanguarda da classe operária, isso porque apesar da vitória que a ofensiva reacionária acabava de obter, seguiriam batalhas políticas que só poderiam se resolver no campo da luta de classes, um campo que contou com a unidade da burguesia em torno das contrarreformas, da resistência de importantes setores, mas também da conciliação da burocracia, processo esse que poderemos ver nos desdobramentos do governo Temer.  A resistência diante do terror policial nas ruas de São Paulo protagonizada pela juventude, produtores culturais e artistas, praticamente um mês após o impeachment, fez recordar as manifestações que eclodiram em rebelião juvenil de junho de 2013 e até colocou a perspectiva de que uma nova rebelião pudesse se instalar nacionalmente.

A repressão na primeira semana de governo Temer causou vários feridos e detenções arbitrárias, o que produziu uma forte indignação na juventude, manifestada em diversos atos que culminaram na realização de uma grande manifestação popular e juvenil pelo Fora Temer no início de setembro, que reuniu milhares de manifestantes que demonstraram impressionante combatividade. Desta forma, no primeiro mês de mandato, Temer teve que ceder à pressão popular e retroceder na decisão de acabar com o Ministério da Cultura, destituiu três ministros por participação direta em tramas de corrupção na Petrobras. Porém, esses processos não se estenderam em nível nacional, não foram acompanhados por outros setores e a burocracia tratou de esvaziá-los, o que permitiu que Temer se mantivesse no poder, tivesse uma vitória eleitoral estrondosa em outubro de 2016 e avançasse com suas contrarreformas.

Enganaram-se tremendamente aqueles que pensavam – como o PSTU/LIT – que Temer seria um governo com “pés de barro” e que com apenas um empurrão cairia, pois apesar de ser um governo ilegítimo, envolto em escândalos de corrupção Temer saiu vitorioso dos primeiros embates dando condições para aprovar, no final de 2016, o que realmente importava: avançar na arquitetura de destruição dos direitos dos trabalhadores com a aprovação do teto de Gastos Primários da União.

Primeiras vitórias de Temer

No pós-impeachment, tivemos o aprofundamento da depressão econômica, o crescimento vertiginoso do desemprego, denúncias de corrupção contra Temer e a crise financeira dos Estados.[2] Mas, os elementos reacionários acabaram se impondo devido à unidade burguesa em torno das contrarreformas e ao papel de traição que cumpriu a burocracia lulilsta. Desta forma, no final do segundo semestre de 2016, abre-se uma conjuntura totalmente favorável ao governo quando o governo sai vitorioso no processo eleitoral e da votação do Projeto de Emenda Constitucional 55 (PEC55).

Nas eleições de outubro o MDB (partido de Temer) se manteve como o partido de maior implantação nacional, apesar de ter sofrido importantes derrotas na cidade do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas a base política de Temer como um todo sai das eleições fortalecida e o PSDB emerge como o grande ganhador. O PT, que voltou a fazer alianças com os agentes do impeachment acreditando que nas eleições de outubro poderiam manter as administrações municipais conquistadas na eleição anterior. Estratégia que fracassou retumbantemente e contribuiu para que o PT sofresse um recuo de 60% em relação às eleições municipais de 2012. Nos grandes cordões industriais do Brasil, foi a primeira vez que o PT não ganhou a eleição em nenhuma cidade do ABC Paulista desde o processo de redemocratização.[3]

A esquerda socialista, apesar de todas as adversidades, através do PSOL teve um crescimento relativo, projetou-se em amplos setores de massas, no Rio de Janeiro obteve mais de 2 milhões de votos para prefeito, ganhou a disputa eleitoral em duas cidades do Rio Grande do Norte, aumentou no número de vereadores e conseguiu milhares de votos em todo o país.[4]  Mesmo sendo derrotado no segundo turno no Rio de Janeiro, Belém e Sorocaba não se pode diminuir a importância dessas eleições para o partido que se consolidou como alternativa eleitoral à esquerda do lulismo. Assim, o PSOL saiu relativamente fortalecido das eleições, o que lhe permite agora alinhar em torno de si setores mais amplos, o que permite que surja como organização articuladora de um projeto que aponta para a superação da esquerda com o lulismo

Após as eleição de outubro de 2016 o governo e a direita reacionária saem extremamente fortalecidos. Há um processo de legitimação relativa do governo que permite sua sedimentação politica e abre´se espaço para a votação da PEC 55 e demais medidas contrarreformistas. Desta forma, após as eleições, instalou-se centralmente o debate em torno da votação da PEC 55 que institui o teto dos gastos primários. Após ter sido aprovada com folga na Câmara dos Deputados a proposta foi encaminhada para o Senado Federal. Nesse interim o Presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), foi afastado da Presidência no início de dezembro por decisão liminar do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim foi abeta uma profunda crise político-institucional pque se resolveu de forma favorável para Calheiros, governo e votação da PEC 55.

Calheiros com a Mesa Diretora do Senado decidiu não acatar a liminar. Nesse processo, o então Vice-Presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC) e a direção do PT foram decisivos na costura do acordo entre os “três poderes” para manter Calheiros na Presidência, pois, Viana declarou que se fosse mantida a decisão liminar do STF iria renunciar à Presidência do Senado, o que faria com que a Presidência caísse na mão de Romero Jucá, um dos principais articuladores do governo Temer e das contrarreformas. Dessa forma, após um acordo espúrio – que permitiu a votação da primeira contrarreforma do governo Temer – que envolveu o STF, Temer, MDB e PT, o Plenário do STF, derrubou a liminar e reconduziu Calheiros à Presidência do Senado. Viana ao não assumir a presidência do Senado, o que era o natural e desejável que fizesse para que a pauta do teto dos gastos não fosse votada, fez parte junto com seu partido (PT) do acordo para reconduzir Calheiros à Câmara. O que foi decisivo para a tramitação e aprovação da PEC 55 no dia 13 de dezembro.[5]

O roteiro político que envolveu o afastamento de Calheiros pela denúncia de corrupção acabou prefigurando qual seria o papel do lulismo diante da ofensiva reacionária que se seguiria nos anos seguintes. Mesmo na oposição ao governo reacionário de Temer, o lulismo atuou sistematicamente para conter qualquer processo de luta que questionasse a governabilidade, assim, traiu os trabalhadores no episódio da crise da Presidência do Senado, permitindo a votação da PEC 55, traiu a onda de mobilizações aberta em março de 2017, permitindo a contrarreforma política e a trabalhista, e traiu a luta em abril de 2018 contra a prisão de Lula. Postura que contribuiu de forma significativa para que a correlação de forças se mantivesse desfavorável para os trabalhadores, que permitiu o avanço das contrarreformas e que já está fazendo com que o próprio PT pague caro suas traições. A burguesia rompeu com o pacto social que marcou os anos 2000 e quer levar as contrarreformas até o final, para isso, tudo o que ameace essa estratégia tem que ser removido do caminho. Para isso, a institucionalidade (governo, legislativo e judiciário), apesar dos conflitos em torno da Operação Lava Jato, tem o apoio total da classe dominante no sentido de garantir as contrarreformas e que essas não retrocedam, pela via eleitoral ou da luta direta.

Resistência em 2017

Iniciamos o ano de 2017 com uma situação política claramente favorável para o governo e sua base de sustentação. Após o impeachment Temer sai vitorioso das eleições municipais de outubro, aprova a “PEC da Morte” (PEC 55) e consegue se livrar das primeiras denúncias de corrupção. Mas o primeiro semestre deste ano foi marcado também pela possibilidade de repelir definitivamente as medidas reacionárias de Temer e até de colocá-lo para fora do governo. Possibilidade essa que mais uma vez foi vetada pela sistemática política traidora da burocracia lulista.

Diferentemente da PEC 55, a reforma da previdência entrou no imaginário popular com um terrível ataque aos trabalhadores, como uma reforma injusta que apenas afetaria os de baixo. Isso somado à crise econômica, à impopularidade crescente de Temer e às denúncias seguidas de corrupção fizeram com que uma nova conjuntura política nacional fosse aberta. Uma conjuntura de resistência mais poderosa que obrigou a burocracia a se posicionar e convocar um dia nacional de lutas para o dia 15 de março (15M). Além de grandes atos, houve bloqueios de estradas, paralisação de condutores, servidores públicos e operários. E nos lugares em que a polícia reprimia piquetes e cortes de rodovias, como no caso dos portuários de Santos, fez-se uma forte resistência e indignação.[6]

A partir daí um foi aberta uma nova jornada de lutas que contou com o dia 30 de março em que milhares de servidores públicos foram às ruas contra a reforma da previdência em São Paulo. Em seguida a greve geral de 28 de abril (28A) reafirmou que havia condições para fazer uma luta mais continuada com o governo, não fosse a burocracia. Para quem pensava que a classe trabalhadora havia sofrido uma “derrota histórica” com o impeachment e que, portanto, seria incapaz de responder de forma massiva e combativa às contrarreformas de Temer, essa greve geral demonstrou outras a possibilidade de reverter a correlação de forças.

No 28A as cidades amanheceram desérticas, tal clima apenas foi contrastado com a ação de diversos grupos de ativistas que queimaram pneus e bloquearam rodovias. Em quase todas as cidades do país a greve geral foi gigantesca, com paralisação de operários das fábricas, condutores do metrô e trem e trabalhadores estatais, totalizando cerca de 50 milhões em todo o país. A força dessa Greve Geral foi inegável sendo a mais importante desde a greve geral de 14 e 15 de março de 1989, porém, a burocracia lulista e congêneres após o 28A tirou o pé do acelerador, pisou no freio e desviou a rota… Ao invés de organizar imediatamente a próxima Greve Geral, desenvolve uma política de organizar atos por “Diretas Já”, desvinculados da luta pelo “Fora Temer” e contra suas “Reformas”.

Em 17 de maio devido a publicação da gravação da conversa nada republicana de Joesley Batista com Temer (tema que iremos desenvolver mais a frente) é aberta uma circunstância política que sinalizava selar de vez a sorte de Temer, inverteria a correlação de forças e superaria a ofensiva reacionária. Após a publicação dessa conversa se colocou a expectativa de renúncia de Temer. Expectativa de queda imediata frustrada após seu pronunciamento, no qual afirma que não iria renunciar, mas ao mesmo tempo diz que a denúncia “trouxe de volta os fantasmas da crise política ainda de proporção não dimensionada”.

Meios de massa apresentaram visões opostas sobre a gravação, parte da base aliada rompe com o governo e o STF autoriza a investigação oficial do presidente. A classe dominante ficou profundamente dividida diante da continuidade do governo Temer a partir da publicação da gravação feita pelo presidente da JBS.  Mas fator decisivo que faltou para que esse evento redundasse na derrubada de Temer foi exatamente a mobilização popular freada pela burocracia depois do 28A. Perdeu-se assim uma oportunidade de ouro para inverter a situação reacionária aberta com o impeachment, mas por pressão popular e da crise no governo, a burocracia foi obrigada a convocar uma nova ação.

A Marcha à Brasília no dia 24 de Maio (24M) demonstrou grande espírito de combatividade. Contou com 150 mil manifestantes e foi duramente reprimida pelo governo. Porém a combatividade da juventude permitiu que os manifestantes ficassem por horas resistindo sob gás lacrimogêneo e balas de borracha, resultando em 49 feridos. A PM de Brasília não foi suficiente para deter a força do movimento, assim, Temer que já tinha se recuperado do vazamento das gravações com Batista, autoriza o emprego de forças armadas para reprimir o movimento.

Só após esse lapso de tempo é que a burocracia estabelece 30 de Junho (30J) como próximo dia de Greve Geral e, mesmo assim, com uma série de manobras. Em primeiro lugar, no sentido de tirar o caráter de greve geral dessa data e a transformar em parte de uma “jornada de lutas”. Depois, tendo que mantê-la por pressão da base e das organizações mais combativas. A burocracia sindical não jogou peso no sentido convocá-la e organizá-la de fato. Exemplo disso foi a desmarcação, em última hora, da participação de categorias fundamentais, como a dos rodoviários e dos metalúrgicos do ABC Paulista.

As manobras e as traições das frações da burocracia têm razões diferentes, mas que se combinaram na hora de desmobilizar os trabalhadores. De um lado a Força Sindical (FS) e a UGT – burocracias diretamente ligadas aos partidos burgueses tradicionais – puxaram abertamente o freio da convocação da greve, pois negociam abertamente com Temer a permanência do imposto sindical no interior da “reforma trabalhista”. De outro, a CUT (dirigida pelo PT) e CTB (dirigida pelo PC do B) também cumpriram um papel nefasto, pois manobraram as datas, não denunciaram o papel da FS e UGT, não jogaram peso na convocação e não organizaram de fato a Greve Geral.

Apesar da importante paralisação de categorias nacionais (servidores federais, petroleiros, correios e outros), estivadores, rodoviários, fábricas importantes e metroviários em algumas capitais, o 30J não chegou a se constituir como Greve Geral, obviamente não teve o peso político correspondente a um fenômeno dessa magnitude. Assim, as principais capitais do país não amanheceram paralisadas, rodovias importantes não foram interditadas por força da classe trabalhadora, atos multitudinários não tomaram conta das capitais, piquetes e greves não ocorreram nos principais cordões industriais, como ABC, por exemplo.

O enfraquecimento dessa jornada de lutas não ocorreu pela falta de disposição dos trabalhadores e da juventude, mas pelas manobras burocráticas dos aparatos. Assim, uma conjuntura de meses de forte resistência da classe trabalhadora, com demonstração do potencial de luta no 28A e de grande combatividade da juventude e de setores do movimento sindical no 24M, acabou ficando sem conexão com um plano de continuidade da mobilização, o que permitiu que o governo retomasse a ofensiva com a contrarreforma política e a contrarreforma trabalhista.

Tivemos a partir de meados de 2017 uma nova conjuntura marcada pelo avanço das medidas reacionárias do governo. Eventos que vão da aprovação da contrarreforma trabalhista à liminar de um Juiz de Brasília que autoriza pesquisa e terapias de reversão da homossexualidade, a chamada “cura gay”. Isso tudo sem deixar de passar pela Medida Provisória que permitiria atividades de mineração na Reserva Nacional de Cobre e Associados, que diante da pressão o governo foi obrigado a recuar momentaneamente, e pela declaração de um General do Exército de que uma intervenção militar pode ser usada para solucionar o problema de corrupção no Brasil.

No dia 11 de julho o Senado aprovou a contrarreforma trabalhista. Um projeto de lei que ataca direitos históricos dos trabalhadores ao alterar mais de cem artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Um dos principais ataques dessa “reforma” é permitir que a negociação entre trabalhadores e patrões – mesmo que individualmente, sem a intermediação dos sindicatos – não esteja de acordo com a CLT. Além disso, o princípio segundo o qual na relação entre capital e trabalho é o lado do trabalho o que estruturalmente precisa ter a proteção do Estado cai totalmente por terra. Ou seja, na prática essa contrarreforma permite que os direitos consolidados na legislação possam ser alterados se uma correlação de forças desfavorável for imposta nos próximos anos para uma determinada categoria ou para o conjunto da classe trabalhadora.

Essa mudança na CLT somada à terceirização de todas as atividades significam um retrocesso histórico na legislação trabalhista e aumentam de forma qualitativa a exploração sobre a classe dos trabalhadores. Destaque-se que estas alterações foram realizadas por um congresso cheio de deputados eleitos pelos esquemas de caixa dois que favorecem as grandes empresas, dominado pelas bancadas da bala, da bíblia e do boi, com centenas de deputados envolvidos em esquemas de corrupção. 

Como parte da retomada da ofensiva patronal tivemos a aprovação da “reforma política” no dia 5 de outubro. Essa contrarreforma que estabelece o fundo público de campanha, a proibição de coligações nas eleições proporcionais e cláusula de barreira tem por objetivo impedir a representação no parlamento dos legítimos representantes dos trabalhadores, proteger e reeleger os políticos burgueses envolvidos nos esquemas de corrupção, alijando ainda mais as massas das decisões políticas.

A criação do fundo público de campanha na mão de uma legislatura de clara orientação reacionária tem o objetivo de fortalecer o monopólio dos partidos burgueses. Além disso, as doações de terceiros poderão ser feitas até o montante de até 10% da renda bruta do doador, isso de acordo com a renda do ano anterior da eleição. Com a justificativa de combater a fragmentação na representação política – hoje temos 39 legendas partidárias no Brasil -, a cláusula de barreira exigirá para que os partidos tenham tempo de TV e acesso ao fundo partidário no mínimo 1,5 % de votos em 9 Estados a partir da eleição de 2018, porcentagem esta que chegará a 3% em 2030.

O sentido dessa “reforma” não é ideologizar as eleições e o sistema político, objetiva sim, fortalecer a posição dos partidos burgueses e as frações da classe dominante que já monopolizam o poder político. É uma “reforma” construída para assegurar e fortalecer a hipertrofia do poder econômico sobre o processo político e jogar em uma espécie de exilio político os partidos que de fato representam os interesses imediatos e históricos dos trabalhadores.  

Feminismo em lugar de destaque     

Na ofensiva reacionária em que vivemos os direitos mais básicos estão sendo atacados. Esse reacionarismo ataca principalmente as mulheres trabalhadoras, negando-as o direito aos seus corpos e escolhas[7] Mas da mesma forma que em várias partes do mundo as mulheres têm ocupado um lugar de destaque na luta de classes e cumprido por vezes o papel de catalisar as demais demandas dos explorados e oprimidos.

Nesse cenário de ofensiva reacionária, uma “Comissão Especial” da Câmara Federal dos Deputados aprovou no dia 08 de novembro de 2017, proposta de projeto de lei (PEC 181/2011), que visa proibir o aborto em qualquer caso, inclusive os casos de estupro ou quando há risco de morte da mulher, situações onde o aborto é previsto em lei.

Essa votação foi, na verdade, um golpe contra as mulheres, pois foi embutido um “jabuti” (uma emenda que nada condizia com a matéria a ser votada) no projeto.  A proposta original versava sobre a ampliação da licença-maternidade de mães de bebês prematuros, ou seja, conteúdo totalmente distinto ao aprovado. Votação que indignou o movimento de mulheres que foi às ruas logo em seguida, dando muita visibilidade ao tema e obrigando o legislativo dar um passa atrás na tramitação desta PEC. Da mesma forma o movimento feminista derrotou a nefasta tentativa de proibir a “pílula do dia seguinte”.

De forma geral, a luta das mulheres tem sido uma poderosa força política. Além do episódio da luta contra a PEC do Cavalo de Tróia, na história recente, o movimento feminista tem sido fundamental para resistir ao avanço das pautas reacionárias no congresso, com destaque para a chamada primavera feminista em 2016, que conteve o avanço naquele momento de todo e qualquer direito contraceptivo, além de pautar a necessidade da luta contra a reforma da previdência e outras.

Em todo o mundo as mulheres tem se levantado e colocado à frente de várias lutas imprescindíveis para a resistência da classe trabalhadora, dos jovens e dos oprimidos. Desta forma, pela combatividade crescente do movimento de mulheres no Brasil os principais ataques desferidos pela ofensiva reacionária contra as mulheres foram até o momento repelidos. Mas além de resistir de forma vitoriosa, até então, ao contrarreformismo desse governo, o movimento de mulheres tem sido importante aglutinador de demandas que escapam aos temas tradicionais do movimento feminista.

2018: autoritarismo e instabilidade 

Após ter conseguido em 25 de outubro de 2017 se livrar na Câmara dos Deputados da segunda denúncia feita pela PGR, Temer continua à frente do governo, mas perde as condições para dar continuidade à pauta reacionária no Congresso, pois gastou seu capital político com a compra de votos para que não fosse caçado e os deputados não se dispunham a votar uma reforma tão impopular em um momento tão próximo das eleições nacionais. Desta forma, para continuar existindo politicamente, o governo faz um giro em sua orientação. Retira a “reforma da previdência” da pauta e no dia 12 de fevereiro de 2018 assina o Decreto de Intervenção Federal no Rio de Janeiro e nomeia um general do exército como interventor federal com plenos poderes sobre a segurança no Estado. Essa foi uma medida de teor bonapartista (autoritário) diante da derrota da proposta de contrarreforma da previdência, pois permitiu que o governo retomasse a ofensiva com uma manobra não menos reacionária no campo da segurança, o que deu sobrevida ao governo e o coloca em sintonia com um setor da população que girou abertamente para posições protofascistas.

Levando em consideração que as Forças Armadas (FA) são o núcleo central do poder de qualquer instância do Estado, obviamente que o poder político no Rio passou, com o decreto, diretamente para um chefe das FA. Pezão que foi eleito vice-governador e assumiu o governo depois da renúncia de Sergio Cabral – que está cumprindo pena por um megaesquema de corrupção no estado – perdeu efetivamente o poder político no Estado. A intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro impôs um regime político bonapartista no Estado, mas tem uma forte incidência sobre todo o país. Assim, apesar do recuo em relação à reforma da previdência, fortalece os setores mais reacionários da sociedade, a repressão sobre pobres, marginalizados, movimentos sociais e esquerda. Dentro desse cenário, ocorreu a execução de Marielle Franco – vereadora pelo PSOL na cidade do Rio de Janeiro – e de seu motorista Anderson Gomes no dia 14 de março.  Depois da morte de Chico Mendes em 22 de dezembro de 1988 em Xapuri (Acre), essa execução política foi a que mais comoveu o país e o mundo, e não foram poucas as lideranças tombadas no campo e nas cidades sob encomenda.

Não há dúvidas de que esse foi um crime político e composto por uma intrincada rede de responsabilidades diretas e indiretas que perpassa todas as corporações e escalões da segurança pública brasileira. Trata-se de um crime perpetrado por uma organização criminosa que conta com a participação de policiais militares e que só pode ter ocorrido em meio ao avanço da ofensiva reacionária que para poder impor sua economia e política no próximo período precisa derrotar definitivamente a classe trabalhadora. Por isso, essa não é mais uma execução política apenas, tem por objetivo, junto com a intervenção federal militar e a prisão de Lula, criar as condições para que as próximas eleições signifiquem o fim definitivo da instabilidade vivida desde 2013.  

Uma vergonhosa rendição  

A prisão de Lula no começo de abril foi um lance decisivo na situação política pré-reacionária vivida desde o impeachment de Dilma. Não impõe de pronto outra situação, mas sem dúvida estabelece um grau no aprofundamento na ofensiva reacionária em que vivemos, pois é mais uma manobra política reacionária que quer impor de antemão um resultado eleitoral em outubro que garanta a pacificação social e o contrarrerformismo nos próximos anos.

Em julho de 2017 o Juiz Federal Sergio Moro proferiu sentença que condenava Lula em primeira instancia a 9 anos e 6 meses de prisão. Essa pena é relativa ao suposto recebimento de propina no valor de R$ 2,4 milhões da empreiteira OAS na forma de um apartamento no Guarujá (litoral paulista). Dizemos suposto porque não existem provas cabais que comprovam que Lula é de fato proprietário do apartamento.

De forma muito mais célere do que o convencional, o TRF 4 (sediado em Porto Alegre – RS) realiza o julgamento em segunda instância no dia 24 de janeiro do corrente ano. O tribunal condenou Lula por 3 votos a 0 pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão. Com os pedidos de habeas corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a defesa de Lula recorre ao STF que cede à pressão dos setores mais reacionários – particularmente da cúpula militar – e nega o pedido de habeas corpus preventivo de Lula por 6 votos a 5. Confirmando toda a parcialidade do processo que envolve essa prisão, sem respeitar o direito ao último recurso, no dia de 5 de abril o TRF-4 deu aval para que o Juiz Moro decretasse que deveria se entregar à PF até as 17 horas do dia 6 de abril. 

Após a decretação da ordem de prisão, Lula se dirige para a Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e aí fica concentrado até o desfecho tragicômico da sua prisão. Imediatamente centenas de militantes do movimento social dirigem-se ao local.[8] A partir daí transcorreram 3 dias de um impasse político poucas vezes vistos na história recente do Brasil. Mesmo diante da vacilação da burocracia em relação ao que fazer perante a ordem de prisão, a ampla maioria dos ativistas que se concentraram no entorno do Sindicato queriam resistir. Mas, depois de dias de tensão diante da possibilidade de confronto direto com a repressão, de prisões e do aprofundamento da crise política nacional, Lula declara que irá acatar a ordem de prisão. Opções táticas existiam para que Lula não fosse preso e para que o movimento pudesse se fortalecer em torno da luta contra a sua prisão.  

O problema que se colocou nesse episódio não foi tático, mas estratégico. Melhor dizendo, da inabalável estratégia de conciliação de classes que representa, dissemina e invariavelmente, põe em prática esse setor.[9] Ou seja, assistimos nesse momento o “eterno retorno” da traição lulista, pois a resistência à prisão, com qualquer tática, tinha potencial para se transformar em uma poderosa luta nacional que criaria um movimento poderoso de desestabilização das forças reacionárias em curso e viraria o jogo político.

Golpe ou manobra reacionária

Durante os anos que se seguiram ao impeachment várias polêmicas surgiram no interior da esquerda, discussões que vão da caracterização do caráter da operação Lava Jato [10] ao papel do movimento de mulheres. Mas aqui não temos a pretensão de dar conta dessa série de questões, por isso vamos nos deter no debate sobre a caracterização do atual ciclo, do impeachment, da atual situação política e da relação entre táticas e estratégia socialista no atual cenário político nacional.  

O impeachment de Dilma foi uma manobra palaciana reacionária, pois diferentemente de cenários como o hondurenho ou paraguaio, Dilma e PT acabaram aceitando a manobra que os desalojaram do poder sem ao menos oferecer uma resistência real, isso mesmo tendo plenas condições para tal, condição que não ocorreu com seus vizinhos Manuel Zelaya em 2009 ou contra Fernando Lugo em 2012.

No caso de Honduras, a Corte Suprema decretou a destituição de Zelaya, que a partir daí foi preso e expulso ilegalmente de seu país pelas FA, porque queria fazer um plebiscito com o objetivo de convocar uma Assembleia Constituinte. Foi retirado de sua residência na capital, detido e enviado para Costa Rica. Deportação que não estava prevista na ordem judicial e nem é autorizada pela Constituição deste país. Ação que não deixou sombras de dúvida sobre o teor golpista do judiciário associado com as forças armadas. Nesse caso, houve uma efetiva resistência pelo presidente deposto que voltou de forma clandestina para o seu país, se refugiou na embaixada brasileira e chamou a resistência popular. Por fim acabou capitulando, mas foi mil vezes mais longe do que Dilma ou o PT no enfrentamento com o que de fato foi um golpe de Estado. Em relação ao caso Paraguaio em junho de 2012, houve um verdadeiro processo relâmpago a pedido do partido oposionista contra o presidente eleito que foi acusado de apoiar movimentos camponeses armados. Todo o processo de destituição do presidente durou apenas 24 horas e o presidente e seus advogados tiveram apenas 2 horas para fazer a sua defesa. Processo que foi votado em um congresso no qual Lugo tinha minoria, ratificado pelo Tribunal Superior Eleitoral e acatado sem nenhuma resistência do presidente deposto.

Essas foram destituições marcadas pelo mesmo processo que levou ao impeachment de Dilma, ou seja, uma ofensiva burguesa visando destituir o governo de colaboração de classes para que um governo “normal” da burguesia pudesse ocupar o comando central do Estado, para que medidas estruturais regressivas sejam impostas. Porém existem diferenças bastante significativas entre os três casos, Zelaya foi expulso do poder em um típico golpe de Estado, foi preso e deportado, resistiu e acabou capitulando. Lugo também sofreu um golpe palaciano inexorável, diferentemente de Zelaya, capitulou de cara. Já Dilma passou por um processo distinto pois teve plenas condições de repelir o “golpe”, a manobra palaciana, pois foi processada em meses e a presidente e seu partido apostaram – e continuam apostando – na conciliação com os “golpistas” até o final. 

Para compreender o contexto que permitiu o impeachment de Dilma, sua natureza é importante voltar a Junho de 2013. Nesse processo o primeiro reflexo de Dilma foi atacar as mobilizações, depois tentou as desviar com a proposta de um plebiscito político e, finalmente, tentou pacificar a situação com propostas vãs de um plano nacional para atender a demanda do transporte público. Mas nada disso funcionou, durante a Copa das Confederações houve uma série de manifestações massivas contra a realizações dos jogos que se transformavam em batalhas campais nas proximidades dos estádios de futebol. Mas mesmo com o recuo das grandes mobilizações, a situação política continuava apontando para a polarização social com o aumento do número de greves e com a radicalização desses conflitos. Com a aproximação da Copa do Mundo, o governo se inclinou totalmente no sentido de construir um pacto nacional com a burguesia para reprimir duramente as lutas juvenis, lutas populares e greves. Mas, ao reprimir o movimento social, o lulismo acabou gerando as condições favoráveis para que a classe dominante realizasse uma dura disputa eleitoral em outubro de 2014 e retomasse a ofensiva nas ruas.

A partir daí, Dilma e o PT não foram capazes de fazer frente à onda reacionária que permitiu o impeachment, porque além de atacar diretamente Junho, abrindo assim as portas do inferno, depois das eleições de outubro de 2014 assumiu totalmente o programa neoliberal com o qual polemizou na campanha e afirmou de pés-juntos que não iria tomar medias contra os trabalhadores em seu segundo governo. Ao contrário disso, depois que assumiu, passou a aplicar um duro ajuste neoliberal e ataques políticos contra o movimento social com o aumento de taxas de juros, contingenciamentos milionários no orçamento federal, restrição do acesso ao seguro desemprego. E mesmo diante da iminência de perder o governo, Dilma não fez nenhuma inflexão política para tratar de recuperar o apoio entre as massas, ao contrário, dobrou a aposta na tentativa de recuperar o apoio da classe dominante criando instrumentos legais para congelar o salário dos servidores federais e sancionando a “Lei Antiterrorismo”. Perdeu, assim, seu mandato com a popularidade inferior a 4% e sem resistir efetivamente à ofensiva reacionária, aceitou sem lutar o jogo de cartas marcadas do processo de destituição.

No final do processo de julgamento acabou fazendo um acordo explicito com o congresso e o judiciário. Dilma perde seu mandato, mas em um acordo com o MDB e STF não perdeu seus direitos políticos. Acordo incomum para quem acabava de ter sofrido um impeachment por crime de responsabilidade, mas que tinha como condição manter o lulismo no campo da defesa irrestrita da ordem vigente para que aceitasse “democraticamente” a manobra reacionária e mantivesse suas bases dentro dos estreitos limites da institucionalidade e esperasse as eleições de outubro de 2018.

Uma parte significativa dos analistas caracterizam o impeachment como golpe porque não havia base legal para o processo: “Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores!”[11]

Os defensores da tese de “golpe” mormente apontam para o fato de que houve ilegalidade do processo porque não havia base legal para caracterizar as “pedaladas fiscais” como crime de responsabilidade (conjunto de infrações que podem levar a destituição) da presidente…No caso do impeachment de Fernando Collor de Melo em 1992, no que pese que – como todo político burguês – essa é uma figura asquerosa, as alegações de crime de responsabilidade também eram bastante frágeis. O principal motivo de sua destituição foi que Collor perdeu sua base política, foi questionado de forma massiva nas ruas – apesar de também serem contra a corrupção, ao contrário de Dilma, as mobilizações de massa eram contra o neoliberalismo e por diretas, tinham uma plataforma progressista – perdendo assim sua base de sustentação no Congresso. Obviamente, que de forma diferente do processo do início dos anos 1990, o impeachment de Dilma teve sentido oposto, foi parte fundamental da contraofensiva reacionária que se montou para sufocar a onda de mobilizações de Junho de 2013 e teve o objetivo precípuo de impor as contrarreformas.

Consideramos que não haviam razões legais para destituir Dilma, porém o processo de destituição em lugar nenhum ocorre apenas por razões legais, mas sempre a razão central é política. Por isso, considerar o impeachment como um golpe é uma conclusão a nosso ver unilateral, que não leva em consideração o conjunto dos aspectos políticos envolvidos, que politicamente só tem servido para embelezar a narrativa petista e para tentar redimir o lulismo perante setores de massas que romperam com essa corrente.

Em nossa opinião o impeachment de Dilma não pode ser caracterizado como um “golpe”, mas sim como uma manobra palaciana reacionária que contou abertamente com a capitulação lulista. Para que se tenha um golpe de Estado de fato, militar ou palaciano, é necessário realizar uma manobra política, após a qual não pode haver retorno a situação anterior sem enfrentamento real entre os lados em conflito. No exemplo clássico de golpe de Estado, o que foi dado por Luís Bonaparte na França em 2 de dezembro de 1951, karl Marx nos fornece também critérios clássicos para caracterizar um golpe. A classe dominante e seus representantes parlamentares depois de ter “traído” o povo, a revolução de fevereiro de 1948, ter sufocado os levantes populares com o uso da força nos dois anos que se seguiram fevereiro e ter se amedrontado diante do fortalecimento de Bonaparte, acabou por ser arrancada do poder e ter suas conquistas políticas retrocedidas às formas mais antigas da dominação.

No golpe do sobrinho de Napoleão Bonaparte em 2 de dezembro “a revolução de fevereiro é escamoteada por um truque de um trapaceiro, e o que parece derrubado não é já a monarquia, mas as concessões liberais que lhe tinham sido arrancadas por lutas seculares(…)Assim responde ao co up de main de fevereiro de 1948 o coup de Tête de dezembro de 1951.”[12] Ou seja, o que foi um golpe real contra a monarquia e o Estado antigo em base a um processo de mobilização popular radicalizada em 1848 é sucedido por outro golpe, só que desta vez um golpe de estado contrarrevolucionário dado por um usurpador que tem como base social os setores mais atrasados e decadentes da sociedade. Além disso, dezembro de 1951 caiu sobre a república burguesa como um “raio em céu sereno”, a república burguesa “desapareceu como uma fantasmagoria, perante o passe de mágica de um homem que nem os sus próprios inimigos reconhecem como bruxo”[13] e assim “os pontífices da ‘religião e da ordem’ veem-se expulsos eles próprios a ponta pé das suas cadeiras políticas, arrancados da cama no meio da noite do nevoeiro, encafuados em camburões, metidos nos cárceres ou enviados ao exílio”.[14]

Diferentemente deste exemplo clássico e dos exemplos recentes na América Latina, Dilma e o petismo tiveram à disposição meses para enfrentar o “golpe”, as mobilizações massivas da direita e o processo de impeachment, mas não mudaram um milimetro sequer sua orientação política. Apostaram na tentativa de recapturar as frações da classe dominante que estavam deixando o apoio ao governo com medidas reacionárias em vez de fazer um giro popular em seu governo para que pudessem apelar para que as grandes massas trabalhadoras urbanas fossem ao socorro do governo. Ou seja, a “resistência” ficou no estreito limite da resistência institucional enquanto a direita tradicional fazia todo um movimento combinado de lutas de rua, manobras palacianas e realinhamento político com a classe dominante para esvaziar o apoio ao governo.[15] É claro que nenhuma direção reformista leva a luta até o final, principalmente tratando-se de uma direção operário-burguesa como o lulismo, porém o desalojamento do PT do governo federal ocorreu à luz do dia sem que uma resistência ocorresse de fato contra as forças políticas reacionárias.

Se na história os grandes fatos e personagens se repetem duas vezes, na primeira como tragédia e na segunda como farsa (MARX, 2008), no caso das traições recentes da burocracia lulista – desde o impeachment de Dilma até a prisão de Lula, passando por uma série de traições no meio do caminho – temos a predominância de outro gênero teatral. Em todos esses processos houve uma combinação entre tragédia e farsa, pois as traições burocráticas são trágicas na medida em que ao dirigirem o movimento de massas o desarma para a resistência, permitindo que o reacionarismo dê passos importantes. Mas ao mesmo tempo são grandes farsas, comédias de erro, na medida em que o colaboracionismo não tem espaço nenhum no atual cenário político nacional, o que leva à desmoralização e decadência.

Ao aceitar a manobra reacionária do impeachment sem uma resistência real, o lulismo calculava que poderia voltar ao poder após as eleições de 2018. Mas esse cálculo político se demonstrou totalmente incorreto, pois a manobra reacionária na qual o PT se submeteu é parte de uma ofensiva burguesa mais global, que visa estabelecer um patamar de exploração e de opressão historicamente superior contra a classe trabalhadora. Projeto que não poderia ficar apenas no impeachment, mas tem que avançar para restrições das garantias democráticas visando criar condições para sufocar qualquer possibilidade de reversão das contrarreformas. Como vimos, o lulismo tem contribuído de forma significativa para o fortalecimento da ofensiva reacionária. Mas, apesar dos sofrimentos que essa corrente tem causado para a classe trabalhadora e para os oprimidos, já está pagando caro suas traições e tende a um tremendo retrocesso político, o que abre um espaço histórico sem igual para a esquerda socialista disputar a direção de setores de massas no próximo período.

Instabilidade é o pano de fundo

Uma das polêmicas mais importantes na esquerda nos últimos anos ocorre em torno da questão da continuidade ou não do ciclo político (etapa) aberto em Junho de 2013. Tema que tem grande importância porque não podemos analisar o cenário e tirar linhas ajustadas perdendo a bússola mais estrutural da realidade ou desconsiderando que a conjuntura, e mesmo a situação política, estão sobrepostas com temporalidades mais estruturais da luta de classes. Essa sobreposição de temporalidades permite que dentro de situações desfavoráveis conjunturas diversas ocorram com momentos inesperados de explosões (pequenas ou grandes) sociais, radicalização e mobilização que podem ter um caráter transcendente, revertendo assim a situação por ora desfavorável.

Voltando a Junho, podemos afirmar que essa rebelião estudantil significou a quebra de um ciclo de pacificação social imposto pelos sucessivos governos de colaboração de classes compostos pelo petismo e por frações da classe dominante. Esse pacto social que foi ao poder em 2002, no que pese a resistência à “Reforma da Previdência” de Lula no primeiro ano de seu governo, as crises políticas motivadas pelos esquemas de corrupção e uma série de lutas pontuais que não chegaram a se nacionalizar, permitiu um longo período de estabilização política nacional, tirou as decisões política das ruas e cooptou importantes movimentos sociais.

Vivemos então todo um ciclo com situações e conjunturas distintas, mas marcado pela estabilidade política de fundo por mais de dez anos, mas que em meados do primeiro mandato de Dilma começou a ser questionado pela recessão econômica mundial, que atinge em cheio a América Latina e o Brasil a partir de 2012, pelas greves massivas e radicalizadas dos operários que trabalham em condições totalmente aviltantes nas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC – obras gigantescas de infraestrutura com grande impacto socioambiental), pela alta da inflação alimentar e pelo mal-estar social causado pelas péssimas condições da ampla maioria da população. Como se pode ver, Junho não foi um raio em céu aberto, mas fruto de um acumulado de problemas sociais e políticos de diversas ordens. No entanto, com as mobilizações massivas e vitoriosas da juventude contra o aumento das passagens entramos em um novo ciclo de polarização e instabilidade mais amplo da luta de classes que dura quase cinco anos e que já atravessou diversas situações e conjunturas políticas.

Desde as gigantescas mobilizações estudantis contra o aumento das passagens até a derrota da greve dos Metroviários de São Paulo – junho de 2014 – foi aberta uma situação de ofensiva das lutas da juventude e dos trabalhadores. Mas, a partir da derrota dos Metroviários, da unificação da burguesia e do governo Dilma em torno de uma megaoperação repressiva contra as lutas salariais e para reprimir os movimentos contra a Copa do Mundo, uma nova situação política foi aberta. Essa nova situação foi caracterizada por uma polarização entre a direita reacionária e o governo de conciliação de classes. Situação que foi enquadrada pelo aprofundamento da crise econômica recessiva, pelo giro neoliberal do governo Dilma e pela ação massiva da nova direita que passa a se organizar no MBL e congêneres. É verdade que o ciclo de polarização aberto em Junho de 2013 sofreu uma série de revezes, principalmente a partir da situação política aberta em agosto de 2016 com o impeachment de Dilma. Mas, apesar de importantes derrotas sofridas desde então, o elemento central do ciclo aberto em 2013 – instabilidade política, polarização social e potencialidade de explosões massivas – não foi suplantado.

A discussão em torno da questão da permanência ou não de um ciclo de polarização tem importância e consequências práticas. Por mais que tenhamos que tirar linhas políticas para as conjunturas concretas e não olhando para o passado ou para o futuro, não perder a dimensão que os marxistas trabalham com temporalidades políticas sobrepostas, operação que procura captar a conjuntura concreta, mas sem perder de vista que essa tem os seus elementos condicionados pela situação política, pela etapa e período histórico em que vivemos. É necessário compreender que conjunturas ou situações adversas como as que estamos vivendo nesse momento, podem ocorrer sem que o ciclo político mais de fundo seja alterado, ou vice-versa. Assim para que não nos impressionemos com situações ou conjunturas adversas não se pode “perder de vista que todo recorte que façamos de um determinado momento da realidade opera sempre em um contexto mais amplo que permanece para determinar o limite das coisas. Porque, definitivamente, essa captura dos momentos, essa caracterização da conjuntura ou situação na qual vamos atuar, é parte do ABC do que fazer político.”[16] Essa sobreposição de temporalidades políticas permite que dentro de situações desfavoráveis, conjunturas diversas possam ocorrer e com momentos de explosões (pequenas ou grandes) e de radicalização  que podem surgir e reverter a situação.

Uma derrota de longo prazo do movimento operário e sua pacificação política mais estrutural pode ser imposta através de uma série de derrotas parciais, uma derrota política mais geral ou mesmo através de uma desmoralização causada por um governo de colaboração de classes. Não sofremos uma derrota de conjunto ou de um setor importante da classe trabalhadora que impactasse de forma a estabilizar a situação. Mas a pacificação também pode ocorrer através de governos “progressistas” que em determinadas situações muito especificas podem tirar os conflitos das ruas por um longo período de tempo. Desta forma, não houve uma derrota mais estrutural da classe trabalhadora que permita, e se não fosse o papel da burocracia lulista dentro ou fora do poder nestes últimos anos, estarmos certamente em uma situação de  polarização político-social muito superior a que vivemos agora. [17] Não podemos afirmar que o ciclo mais geral de instabilidade e polarização aberto em junho tenha se fechado. Depois da onda de mobilizações juvenis de 2013 passamos ao menos por três situações políticas: uma favorável até meados de 2014; uma de polarização até o impeachment e outra desfavorável com o estabelecimento do governo reacionário de Temer. Mas isso não significa que já havia mudado o ciclo político aberto em Junho de 2013, pois para tanto seria necessário uma derrota mais estrutural que impusesse uma mudança mais de fundo na correlação de forças entre as classes.

Uma situação transitória

Essa discussão das temporalidades políticas e da definição do atual ciclo é decisiva para a nossa caracterização da atual situação política, que não nos impressionemos com conjunturas e situações adversas para que em nosso radar político concreto tenhamos claro quais as dificuldades e riscos reais da atual situação.  

Para compreender qual a origem da atual situação temos que fazer um breve recuo e nos remeter a situação posta logo após o impeachment de Dilma, pois  diferentemente da anterior polarização entre as forças reacionárias e governo de conciliação de classes, o pêndulo gira mais à direita e assume o comando do Estado uma coalizão governista que passa a impor duras contrarreformas que afetam o conjunto dos trabalhadores, mas esse processo não significou a imposição de uma situação de pacificação, estabilidade ou de derrota histórica dos de baixo.

No início do governo Temer surgiu uma conjuntura de forte resistência juvenil com mobilização espontânea, que realizou atos massivos e dos artistas que ocuparam por um mês sedes regionais do ministério da cultura. Mas após essa primeira onda de resistência, pesou a manobra reacionária palaciana e o governo e sua base de sustentação saem extremamente fortalecidos das eleições de outubro. Abre-se uma conjuntura totalmente favorável para o governo lhe permitindo impor a votação da PEC 55 em dezembro de 2016. 

No primeiro semestre de 2017 uma conjuntura mais favorável no interior dessa situação é construída a partir do debate em torno da “reforma da previdência”. A crescente crítica à “reforma da previdência”, o desemprego massivo, o arrocho salarial e a precarização geral das condições de existência reaquecem a luta contra o governo e uma conjuntura favorável de alguns meses em que a possiblidade de frear as contrarreformas e/ou derrubar o Temer do poder. Mas, essa conjuntura de resistência efetiva não durou porque a política da burocracia lulista adiou por dois meses a continuidade da mobilização contra as reformas. O “atraso” para a convocação da segunda greve geral e das demais centrais em negociar o imposto sindical com o governo, permitiram que a coalisão reacionária se recompusesse. Desta forma, foram aprovadas nesse vácuo de mobilização a “reforma trabalhista”, a “reforma política” e as denúncias da PGR não foram acatadas pela Câmara dos Deputados.  

Com a impossibilidade de votar a “reforma da previdência”, o governo tem como saída a intervenção militar no Rio de Janeiro no mês de janeiro de 2018. Evidentemente que essa é uma medida bonapartista em resposta a impossibilidade de votar um ataque brutal com a proximidade das eleições, impopularidade da proposta e resistência latente dos trabalhadores. Complemente essa situação de ofensiva a execução de Marielle em 14 março e a prisão de Lula em 7 de Abril.

A execução de Marielle apesar de provavelmente ser fruto de uma iniciativa localizada de um setor da milícia no Rio de janeiro, é uma execução política que tem repercussão histórica e que não pode ser pensada fora do contexto da intervenção militar e do endurecimento da situação brasileira. Já a prisão de Lula com o aval do STF sob pressão do comando das forças armadas se que burocracia oferecesse nenhuma resistência – reafirmamos que alternativas táticas haviam – que permitisse colocar em questão a escalada bonapartista se configura como uma traição histórica do lulismo e que tem repercussões transcendentes para a correlação de forças e para a democracia formal.

A prisão de Lula às vésperas das eleições é pedra angular para o fortalecimento da “Lava Jato” e do “bonapartismo de toga”, fortalece a correlação de forma desfavorável porque causou mais uma vez o corte de um processo de mobilização que tinha dinâmica de massificação. Tira Lula das eleições com o objetivo de antemão controlar o resultado do pleito de outubro, para que o próximo governo seja continuidade pura e simples do contrarreformismo de Temer. Por isso a traição da burocracia lulista se assemelha a traição das grandes lutas operárias que poderia ter derrubado a ditadura militar na década de 1980 ou diante da greve nacional dos petroleiros em 1995, na qual Lula e a direção da CUT, interviu no sentido de suspender o movimento grevista abrindo um longo processo de refluxo político da classe trabalhadora que atravessou mais de uma década.   

Passando brevemente pela questão da unidade burguesa em torno do governo, durante esses dois anos que se seguiram ao impeachment, assistimos uma clara divisão entre setores que defendiam – no momento de aproximação das eleições o debate Inter burguês em relação da substituição ou não do governo meio que já ficou no passado – que Temer ficasse a frente do governo e outro que entendia que sua permanência inviabilizaria que as reformas avançassem até o final. Apesar de dividida nessa questão secundária, pode-se dizer, em relação à conveniência da continuidade de Temer no governo, a unidade da classe dominante em torno da necessidade imperiosa de aplicar as contrarreformas é unânime, o governo conta com uma maioria no Congresso alinhada com as medidas regressivas, maioria que se pode manter em meio à crise porque é financiada eleitoralmente pela grande burguesia e teme o desdobramento das investigações de corrupção.[18]

A capacidade de avançar contra os interesses dos trabalhadores desse governo não vem apenas do apoio unânime da classe dominante às contrarreformas, ao contrário, tem se apoiado de uma forma decisiva nas traições e manobras sistemáticas da burocracia sindical e política. Lula, PT e CUT são corresponsáveis pela atual situação política que mantém uma correlação de forças desfavorável. Durante os seus governos fizeram contrarreformas, fizeram gestões para tirar os conflitos sociais da cena e atacaram duramente o movimento social criando as condições para o impeachment em 2016. Além disso, de forma mais conjuntural, a traição da greve geral de abril de 2017 impediu a continuidade de uma dinâmica de mobilização ascendente do conjunto da classe trabalhadora e, recentemente, a rendição de Lula diante da sua prisão política fechou momentaneamente a possiblidade de uma reação massiva ao avanço do bonapartismo e das forças reacionárias.

Fazemos esse recuo para pontuar que temos uma dinâmica política que tende para uma situação reacionária, mas que por razões econômicas e políticas está prenhe de contradições e de contra tendências que precisam ser postas em baila. Vamos recorrer aqui a um texto clássico no qual Leon Trotsky chama a atenção para o método dialético que leva em consideração a totalidade dos fenômenos na passagem de um estado político para outro. Em relação às situações políticas afirma que há uma variedade delas e que “em nossa época de capitalismo em decomposição são as situações intermediárias, transitórias: entre uma situação não-revolucionária e uma situação pré-revolucionária, entre uma situação pré-revolucionária e uma situação revolucionária…ou contrarrevolucionária. São precisamente estes estados transitórios que têm uma importância decisiva do ponto de vista da estratégia política” [19]

Essa luta entre tendências favoráveis e desfavoráveis para a mobilização ainda não  não se resolveu, o que coloca uma situação de permanente instabilidade política que pode gerar processos inesperados e explosivos de resistência e reversão da situação. Desconsiderar essa contradição estrutural no interior da atual situação política – desconhecendo que estamos em uma situação de desequilibrou dinâmico da correlação de forças – pode levar mesmo que de forma inconsciente a uma orientação fatalista que desarma para as tarefas fundamentais que estão postas no momento, o que tem repercussões políticas diretas. Esse foi notoriamente o caso da prisão de Lula, numa política mínima de resistência (mesmo que fosse o pedido de exílio em alguma embaixada estrangeira) agravaria a situação de instabilidade à enésima potência com repercussões de difícil previsão. Por isso, não denunciar essa rendição em uma circunstância que poderia virar o jogo, é politicamente muito grave e revela o quanto uma avaliação mecânica, que não considera as contradições da realidade, pode levar ao fatalismo e a capitulação à burocracia.

Como vimos anteriormente, podem haver várias situações ou conjunturas políticas no interior de uma mesma etapa ou ciclo político. Para se impor uma situação reacionária é necessário derrotar o conjunto da classe trabalhadora através de um grande golpe ou por uma série de derrotas parciais. Para Nahuel Moreno “uma etapa revolucionária não pode deixar de sê-lo se a burguesia não derrotar duramente, na luta, nas ruas, o movimento operário. Porém, a burguesia, se tiver margem, pode manobrar, pode convencer o movimento operário que deixe de lutar. Assim se abriria uma situação não-revolucionária, porém a etapa continuaria sendo revolucionária, porque o movimento operário não foi derrotado. Inclusive, a burguesia pode reprimir, sem chegar aos métodos de guerra civil, o movimento operário e impor derrotas que o fazem retroceder, abrindo uma situação reacionária, porém continuaria estando dentro da etapa revolucionária. Por exemplo, o governo de Gil Robles, que ocorreu no meio da revolução espanhola, iniciada em 1931, foi um governo reacionário que reprimiu duramente o proletariado e criou uma situação reacionária.” [20]

Temos enquanto corrente política diferenças em muitos pontos com a síntese que o autor faz das revoluções desse período, principalmente no que diz respeito a avaliação de que as revoluções do pós-guerra se consubstanciaram como revoluções socialistas objetivas – toda a experiência histórica do século XX demonstrou que revoluções tipicamente socialistas só podem ocorrer a partir de uma tomada de consciência política da classe trabalhadora em nível nacional, consciência que não paira no ar, mas se manifesta concretamente em organização partidária, em organismos de poder democráticos e em sua autodeterminação diante das demais classes sociais. Em relação à caracterização da atual situação política, guardando as devidas proporções com a situação espanhola da década de 1930, pensamos que o critério utilizado po Moreno para definir uma situação reacionária é correto, para que se imponha uma situação reacionária é necessário que uma derrota e um recuo prolongado da classe trabalhadora, situação essa que não se apresenta atualmente.

Para tomar alguns exemplos da história política recente, na segunda metade dos anos 1990, nos anos que se seguiram à derrota da greve nacional dos petroleiros em 1995 e ao avanço do neoliberalismo, colocou-se uma situação reacionária que durou cerca de 5 anos. Já no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 essa situação começou a ser quebrada com uma série de mobilizações contra o governo FHC. Nesse momento, o movimento de massas poderia ter protagonizado uma rebelião popular da mesma forma que na maior parte dos países da América Latina, porém a eleição de Lula em 2002 serviu como governo de colaboração de classes preventivo. Os governos de Lula, mesmo tomando medidas progressistas, acabaram impondo uma situação política com fortes elementos reacionários, pois puderam estabelecer mais de dez anos de pacificação dos trabalhadores. Criou a ilusão de que houve ascensão social para milhões de pessoas, de que conquistas estruturais poderiam se obter sem um duro enfrentamento com a classe dominante, de que se poderia fazer política do ponto de vista dos trabalhadores nos gabinete e poderia prescindir-se das ruas para fazer política.    

Fazemos essa digressão para dizer que uma situação reacionária não é fruto automático de um governo reacionário ou mesmo que um governo progressista não pode impor uma situação deste gênero. Uma situação reacionária se estabelece fundamentalmente a partir do momento em que o governo, a classe dominante e a burocracia conseguem impor uma situação de estabilidade, de pacificação social e de derrota mais prolongada do conjunto da classe trabalhadora. Não há dúvida de que estamos hoje em uma ofensiva burguesa, diante de um governo ultrarreacionário e da imposição de medidas regressivas. Mas, também, não podemos desconsiderar que estamos em uma situação de transição, uma situação intermediária, pois é necessário não apena derrotas episódicas para impor uma derrota mais de fundo. Derrota essa que permita pacificar a situação política e colocar uma situação de estabilidade política estrutural, ou seja, uma situação abertamente reacionária.

Em nossa visão, estamos em uma situação política transitória da luta de classes, na qual há um avanço da ofensiva reacionária que se apoia na unidade da classe dominante em torno das contrarreformas e nas traições sistemáticas da burocracia política e sindical. Como a situação atual carrega muitos elementos de contradição, instabilidade e polarização, não está descartado que lutas imediatas, localizadas ou parciais possam dar vazão a um processo de generalização da resistência e se tornar um polo de atração e disseminação nacional da resistência com capacidade de fazer frente e reverter a ofensiva reacionária em curso. Assim, por termos diante de nós uma tensão entre tendências distintas, o que exige nossa total atenção e abertura para conjunturas inesperadas, denominamos a atual situação política como pré-reacionária. Vivemos um deslocamento na direção de uma situação reacionária, mas não se trata de uma dinâmica irreversível, de um fatalismo histórico…pois a classe dominante não conseguiu, até o momento, impor derrotas estruturais à classe trabalhadora ou ao movimento social como um todo. Assim, não podemos perder de vista a potencialidade que está contida na nervura política atual, dentro desse cenário de irresolução das principais questões nacionais, no sentido de eclodir lutas mais radicalizadas e generalizadas.

Estratégias em disputa

Os temas da unidade de ação, da frente única e da frente de esquerda socialista ganham peso decisivo a partir de Junho de 2013. Desde o início dessa grande onda de mobilizações juvenil até as mobilizações mais atuais contra a prisão de Lula, em nossa opinião, há um emprego bastante equivocado dessas táticas “frentistas”. Em todo esse período foi necessária uma combinação de táticas que impulsionassem mobilizações massivas contra os ataques do governo, que contribuíssem para a construção de uma ferramenta de organização da classe trabalhadora e que possibilitasse dar passos para a construção de uma frente a política e independente. 

A polarização da situação, novos fenômenos em ebulição, giros conjunturais repentinos colocam as linhas políticas, a armação estratégica e a composição das correntes inevitavelmente em teste. Grandes possibilidades e grandes riscos surgem nesse cenário para a esquerda socialista, o que torna o emprego das táticas em sua combinação com as estratégias uma questão central. Pois mais dramáticos se tornam os erros que cometemos em seu emprego e que geralmente leva a um alto custo político e organizativo.  

Nesse sentido, Perry Anderson em seu um ensaio  [21] sobre o pensamento de Antonio Gramsci, da razão a Trotsky em relação ao pensamento estratégico no sentido de que esse se colocou contra “cualquier teoria estratégica que fetichara ya fuera la manobra o la posicion como principio imutable o absoluto(…) Em otras palavras, posicion y manobra tenian uma relación necesariamente complementaria em toda estrategia militar. Descartar uma u outra era instar a la derrota y a la capitulación.”[22] Por outro lado, a formulação de guerra de posição é desconsiderar o caráter necessariamente repentino dos processos revolucionários, o que exige rapidez e mobilidade no ataque para não se perder as oportunidades de tomar o poder. E mais, qualquer luta importante no estado burguês o aparato armado da repressão supera inexoravelmente os aparatos ideológicos da representação parlamentar para voltar a ocupar a posição dominante na estrutura de poder (ANDERSON, 1981). Assim, tendo como referência esse grande pensador estratégico que foi Trotsky, Anderson faz uma bela síntese sobre a estratégia revolucionária que tem sentido transcendente a mera tomada de poder, porque é uma lição para o dia a dia da política do que fazer político. Obviamente que não estamos hoje, em nenhum país do mundo, nos  limiares da revolução ou da contrarrevolução, porém o ensinamento dos grandes pensadores da luta de classes no sentido de que a ação exige alternância entre estratégias defensivas, para não se cair em aventuras infantis, e estratégias ofensivas, para não se perder as oportunidades de reverter a situação de avanço reacionária posto hoje no Brasil é fundamental.

Temos visto sim, em algumas correntes, a presença de grande flexibilidade tática que muitas vezes perde a força estratégica e em outros casos nenhuma flexibilidade tática e muito menos estratégica. Assim, dentro do tripé da combinação tática entre unidade de ação, frente para lutar e frente de esquerda, vimos operar duas vertentes importantes. Uma de cariz sectária que subutilizou a unidade de ação e desprezou as táticas de novas frentes de luta e de frente de esquerda em sua necessária combinação, o que inevitavelmente levou esses setores para a marginalização, e outra que fez o uso dessas táticas, mas que acabou perdendo em muitas ocasiões força estratégica e deslizando ao oportunismo ao se furtar do emprego sistemático das denúncias, exigências e disputa com o lulismo desde a base dos principais setores da classe trabalhadora.

A unidade de ação com a burocracia se colocou como única forma viável para lutar contra as medidas regressivas de Temer, a frente única para lutar que ampliasse os limites organizativos da Conlutas como o meio necessário para organizar as lutas, dar vasão a um novo momento de reorganização do movimento e disputar um setor que começa a se descolar da burocracia e, finalmente, a construção da frente política de esquerda para oferecer uma alternativa estratégica ao lulismo, corrente essa que começa depois de décadas de traição a pagar politicamente o preço.

Na esquerda socialista, o setor capitaneado pelo PSTU representa a perspectiva sectária dentro dessa situação pré-reacionária que vivemos desde o impeachment de Dilma. Por cegueira política que tem razões profundas complexas que não podemos desenvolver aqui, esse setor foi incapaz de identificar que a ofensiva reacionária requer, necessariamente, a utilização sistemática e combinada dessas táticas. Além de não desenvolver a tática de unidade de ação com a burocracia, porque esse setor se comporta como se a Conlutas – bastião de classismo e independência dos patrões e da burocracia – fosse uma ferramenta suficiente na luta de classes. Essa central é necessária, mas totalmente insuficiente em meio a terrível ofensiva que vivemos, pois reúne pouquíssimos sindicatos e setores que não são os mais dinâmicos da luta. Daí a importância de iniciativas para construir frentes para lutar que possam ampliar nossa capacidade de mobilização e disputa de setores mais amplos com a burocracia.

O sectarismo sistêmico dessa corrente acaba de se configurar ao desprezar por completo a necessidade de construção de frentes de esquerda socialistas, como se fossem os únicos revolucionários da face da Terra, o único setor a ser construído e que não é necessário somar forças com outras correntes para a árdua luta de superação do lulismo entre os setores de massa da classe trabalhadora, da juventude e do movimento como um todo. Desprezam a lição básica de que a luta pela hegemonia política da classe trabalhadora requer, obrigatoriamente, construir acordos entre organizações de esquerda para disputar com o reformismo/neoreformismo os amplos setores que depositam confiança nele.

O outro setor citado acima – genericamente a direção do PSOL e algumas de suas correntes internas – compreende a necessária utilização de toda essa combinação tática, porém o faz de maneira problemática, sem força estratégica e capitulando a pressão dos aparatos quando não se coloca de forma clara como alternativa política e organizativa ao lulismo. Diferentemente do PSTU, o PSOL acertou mais nas táticas políticas desde o impeachment. Identificou corretamente que um governo fruto desse processo não significaria mais do mesmo, que depor um governo de colaboração de classes e colocar em seu lugar um governo burguês reacionário não seria trocar seis por meia dúzia, que teria consequências profundas na correlação de forças e por isso teríamos que lutar contra o impeachment. Mas ao caracterizar o impeachment como “golpe” perde a justa proporção do processo real e contribui com a narrativa e a “redenção lulista” no interior do movimento de massas.

Diferentemente do setor sectário, faz parte de todas atividades de unidade de ação contra Temer, constrói frente alternativa para lutar (FPSM) e frente política eleitoral (VAMOS), mas sem que isso signifique a disputa desde a base, sem se diferenciar dos métodos da burocracia e sem apresentar um alternativa anticapitalista, respectivamente.[23] Ou seja, por sua perspectiva democrático-popular esse setor tem acertos táticos mas perde o empuxe estratégico que permitiria apresentar uma alternativa pela esquerda  em toda a linha, o que requer em termos bem práticos, uma narrativa própria de todo o processo, um balanço e uma alternativa programática de superação radical da velha direção do movimento, uma organização estruturada democraticamente desde a base em que nos principais momentos da luta de classes apresentasse suas bandeiras, propaganda, agitação e colunas partidárias independentes da burocracia.

A política no centro das atenções

Como vimos, estamos em uma situação política que enceta uma grande alternância de conjunturas, obrigando-nos a uma utilização combinada das consignas de unidade de ação, frente para lutar e frente de esquerda. Mas não trata-se apenas de saber adequar essas consiginas à cada conjuntura concreta da luta de classes, é necessário que as mesmas sirvam para darmos o combate estratégico para superar a direção burocrática entre os trabalhadores e os oprimiidos, o que exige a luta por fazer penetrar na consciência de setores de massa um postulado programático superador e alternativo ao lulismo.

Durante esses dois anos de governo Temer, período que se colocou uma correlação de forças desfavorável para os trabalhadores, vivemos conjunturas desfavoráveis que permitiram a aprovação de contrarreformas no Congresso mas, também, vivemos conjunturas favoráveis nas quais importantes setores da classe trabalhadora, da juventude e das mulheres colocaram-se em luta massiva contra a ofensiva reacionária.

Essas conjunturas exigiram combinações distintas de consignas. Por vezes, colocava-se a necessidade de priorizar consignas defensivas, como a “Nenhum Direito a Menos” contra a PEC 55 no final de 2016. Já, quando se construiu uma forte mobilização contra a “reforma da previdência” no primerio semestre de 2017, colocou-se a necessidade de levantar diretamente consignas democráticas e de poder, como “Assembleia Constituinte”, “Eleições Gerais” e “Fora Temer”. 

Como parte das manobras burocráticas para desviar a mobilização, o PT lançou uma campanha por diretas “Diretas Játotalmente descolada da luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e por uma saída política global para a crise política. A direção do PSOL, infelizmente, acompanha essa linha e não levanta a necessidade de uma combinação de consignas entre Diretas Já, Nenhum Direito a Menos, Eleições Gerais e Assembleia Constituinte. Mas perder um momento conjuntural favorável para reverter a situação, evidentemente, é uma operação muito mais complexa do que apenas não ter levantado uma ou outra consigna. Assim, o ótimo momento aberto no 28A em 2017 foi perdido por uma série de outras manobras burocráticas do lulismo diante da retomada da ofensiva reacionária.

Na presente conjuntura de ataques bonapartistas, o PT levanta exclusivamente a bandeira de “Lula Livre”, desconsiderando olimpicamente o cojunto das necessidades dos trabalhadores. Desta forma, o PSOL para se constituir como partido independente na atual situação tem a obrigação de apresentar um sistema de consignas que represente os interesses dos trabalhadores de conjunto: fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, justiça pela execução de Marielle, liberdade para Lula e por um plano econômico dos trabalhadores por emprego, salário e serviços públicos. Ou seja, a nosso ver, as necessidades (políticas e econômicas) mais sentidas da nossa classe que só podem ser conquiistadas enfrentando politicamente esse governo e oferecendo uma alternativa ao lulismo.

Outra questão que consideramos fundamental nesse debate sobre bandeiras é a luta para superar o economicismo no interior da esquerda socialista. Nos últimos anos defendemos sistematicamente a necessidade de apresentar uma saída global a cada conjuntura de crise política e que permitia vislumbrar uma alternativa independente dos trabalhadores. A maior parte das correntes da esquerda do PSOL quando se apresenta uma conjuntura favorável se limitam a consigna Fora Temer e Nenhum Direito a Menos.

Não apresentam saídas globais para crises globais, uma perspectiva que acaba caindo no economicismo. Já o PSTU e congêneres, pelo dogmatismo, desconsideram a correlação de forças concretas entre as classes e apresentam consignas intangíveis para a situação concreta (Conselhos Populares e Governo dos trabalhadores). Em momentos de crise política global se limitar às palavras de ordem “negativas” é, em última instância, aceitar os termos do jogo proposto pela classe dominante, pois não contribui em nada para que os trabalhadores encontrem um eixo de mobilização para unificar as suas lutas, realizar a experiência concreta com a institucionalidade e superar os limites do atual regime. Por isso, temos apresentado nesses momentos de acirramento das crises a bandeira da Assembleia Constituinte a partir da mobilização de baixo (voltaremos a esse tema mais abaixo).

Nesse momento pré-eleitoral o tema do programa ganha centralidade total. Durante o segundo semestre do ano passado em parceria com o PSOL e outros setores, a FPSM inspirada em experiência do Podemos da Espanha, cria uma plataforma digital (VAMOS) e realiza uma série de debates presenciais com o objetivo de construir um programa. Como resultado destes debates, foram construídas diretrizes programáticas em consonância com a concepção programática do MTST e da maioria do PSOL. Nesse processo, foram sistematizadas propostas corretas, medidas que vão da suspensão de todas as contrarreformas do governo Temer, do atendimento às necessidades imediatas dos trabalhadores e dos oprimidos, da organização desde baixo até o rechaço de governar – como fez o PT e o PC do B – em aliança com as oligarquias políticas tradicionais.

Mas o resultado das discussões da VAMOS peca por não fazer um balanço dos governos petistas, por não considerar que as medidas progressivas mais imediatas, tais com a reforma urbana ou a estabilidade no emprego, só podem realizar-se com a tomada de medidas anticapitalistas que passam necessariamente pela mobilização revolucionária dos trabalhadores e pelo enfrentamento com o Estado burguês. Quer dizer, a plataforma peca pelo método gradualista (reformista) que cria um fosso entre as tarefas imediatas e as de transição, que desconsidera que para que tenhamos conquistas mínimas ou democráticas cada vez mais será necessário lutar por medidas anticapitalistas e de poder dos trabalhadores. Alguém em sã consciência pode acreditar que vamos garantir a redução da jornada de trabalho sem redução de salário – constante no documento final da VAMOS – sem uma duríssima luta contra os patrões, seus representantes políticos e seu Estado?

Mesmo quando apresenta a questão da necessidade de reformas politicas e econômicas, apesar de colocar corretamente a necessidade de estabelecer consultas populares para os temas importantes para que se avance na democracia participativa, desconsidera a necessidade de lutar pela Constituinte Democrática e Soberana. Um dos critérios políticos fundamentais de todos os clássicos da nossa tradição é de que os comunistas devem atuar dentro das instituições até terem forças para dissolver o parlamento burguês[24]. Ao analisar os processos revolucionários na China da década de 20, Trotsky critica duramente os preconceitos em relação a palavra de ordem Assembleia Constituinte, afirmando que mesmo que houvesse sovietes na China isso não anularia a necessidade de lutar pela Constituinte, ao contrário, a possibilidade de agitação na “tribuna livre” contribuiria para a luta pela direção dos sovietes porque as massas só podem aprender pela própria experiência que é necessário superar as formas de dominação política da classe dominante. Em relação à formulação de seu conteúdo e forma contamos com uma indicação de Lenin que guarda grande atualidade, pois afirma que para ser realmente uma Assembleia Constituinte, seu processo eleitoral deve garantir a livre agitação política, expressar a vontade popular e possuir de fato poder para impor a vontade popular.[25]

A proposta de Constituinte em nada se assemelha com a de “Constituinte Política” que apresentou o governo Dilma e o PT durante as jornadas de Junho de 2013 com o objetivo de tirar o movimento de massas das ruas. A proposta de Constituinte Democrática e Soberana tem como objetivo mobilizar amplamente as massas trabalhadoras e estudantis para colocar em questão toda a estrutura econômica, social e política. Apenas em sua luta concreta as massas ultrapassam as bandeiras democráticas. Esse é um critério estratégico para um país como o Brasil, no qual a solução das questões democráticas conserva um peso central na realidade social e política. Desta forma, os argumentos contra a Assembleia Constituinte acabam a serviço de escamotear uma deriva economicista, pois, da mesma forma que outras consignas democráticas, em momentos de ascenso essa consigna pode contribuir para unificar, politizar e permitir a experiência superadora de amplos setores de massas com os limites da democracia burguesa. 

Riscos e possibilidades 

Estamos em uma ofensiva reacionária que só pode ser pensada a partir da unidade burguesa em torno das contrarreformas e pela traição sistemática da burocracia em momentos de mobilização que poderiam significar uma viragem da correlação de forças.

Apesar dos ataques sofridos pela classe trabalhadora nos últimos anos, vivemos ainda sobre o signo da polarização política aberta com a onda de mobilizações de Junho de 2013, pois não sofremos uma derrota histórica da classe trabalhadora que fizesse a realidade política voltar à normalidade vista nos anos de dominação lulista. Todavia, a partir do impeachment de Dilma foi estabelecida uma ofensiva burguesa que se não for contida levará à derrota profunda da classe trabalhadora, à desmobilização do movimento social e à estabilização política. 

Há uma tendência a se estabelecer uma situação reacionária, apesar da resistência e da oscilação de conjunturas mais e menos favoráveis aos trabalhadores, se não houver a reversão da dinâmica política. Desde o impeachment estamos em uma situação marcada pelo avanço das contrarreformas. Uma situação na qual a correlação de forças é claramente desfavorável, permitindo a imposição de contrarreformas e de uma perigosa inclinação autoritária do governo, do judiciário e das forças armadas com a intervenção militar no Rio de Janeiro, a morte de Marielle e a prisão de Lula. Mas a tendência a um cenário reacionário, impermeável à polarização é apenas parte da realidade que é composta de contra tendências que não podemos desconsiderar.

Não estamos em uma situação política que impôs uma derrota de longo prazo à classe trabalhadora. Estamos em uma posição defensiva, mas conjunturas ou circunstâncias que colocam a possibilidade de reverter a correlação de forças surgiram por diversas vezes durante os dois últimos anos de forma inesperada, mas invariavelmente a burocracia colocou todo o seu peso para conter ou desviar os processos de mobilização. Mesmo sob fogo cerrado da classe dominante, a resistência da classe trabalhadora não foi sufocada, permitindo o surgimento de importantes lutas ou mesmo ondas de indignação, o que é pano de fundo para esse momento de recomposição e faz com que setores que até então estavam ligados umbilicalmente ao lulismo comecem um processo de descolamento em direção a um alinhamento eleitoral progressivo apesar ainda dos seus limites políticos, programáticos e organizativos.

Caracterizamos assim que, apesar de claramente desfavorável não estamos em uma situação reacionária em que as possibilidades de polarização se fecharam por um período relativamente longo de tempo, mas sim em um processo de deslocamento político, que nesse sentido nos coloca em um momento de situação política pré-reacionária pelas contradições que esta enseja. Nesse cenário precisamos encontrar quais são os caminhos que nos permitam vencer a ofensiva burguesa ora em curso. A contrarreforma da previdência a partir da proximidade das eleições de outubro foram interrompidas, porém substituídas por medidas não menos reacionárias. A intervenção militar no Rio de Janeiro, a prisão de Lula e a execução de Marielle são o tripé da atual da conjuntura aberta no início do ano. Somado a esses elementos a recessão econômica mantém altíssimos índices de desemprego, arrocho salarial e piora geral das condições de vida.

Conjunto de fatores que retroalimentam uma instabilidade política que a classe dominante quer fechar usando preferencialmente a legitimação eleitoral em outubro para que novas medidas contrarreformistas possam ser impostas a partir de 2019. No entanto, a classe dominante e seus representantes políticos não ficam inertes esperando o processo eleitoral de outubro. Uma série de medidas reacionárias – com ênfase para as apontadas acima – estão sendo tomadas para criar as condições para que a crise econômica se reverte a partir de um patamar qualitativamente superior de opressão e exploração possa se estabelecer sobre a nossa classe. Mas o processo eleitoral será o caminho preferencial de legitimação da nova fase de ofensiva reacionária que a classe dominante quer impor a partir do próximo ano.

A disputa eleitoral esse ano ocorre de maneira mais complexa do que em 2014. Não passa pela simples continuidade de um governo de colaboração de classes (social-liberalismo) ou pelo estabelecimento de um governo burguês normal (neoliberalismo puro e duro). Como sabemos, essa disputa foi vencida em 2014, pela primeira opção, que traiu a confiança popular, o que fortaleceu a ofensiva reacionária e criou as condições para que a partir de uma manobra reacionária o governo eleito fosse substituído pela segunda opção.

Hoje o setor reacionário da classe dominante está fragmentado entre uma candidatura fascista (Bolsonaro) e uma burguesa convencional (Alckmin).[26] Por outro lado temos o neodesenvolvimentismo dividido entre uma candidatura burguesa nacionalista de Ciro Gomes (PDT) e entre partidos operários-burgueses de Lula (PT) e de Manuela d’Ávila (PCdoB) por outro. Na verdade, com Lula praticamente fora das eleições, esse setor terá sua projeção eleitoral reduzida significativamente, podendo ainda no primeiro turno chamar o voto em Ciro. Do outro lado, a esquerda socialista também se encontra dividida, porém a candidatura de Boulos (MTST, PSOL e PCB) é resultado de um processo de conformação de uma frente de esquerda que irá apresentar um projeto não apenas eleitoral alternativo ao lulismo – que precisa se estender mais amplamente entre os setores independentes e ganhar contornos anticapitalistas mais claros – que tende a ter um alcance político e orgânico superior aos conquistados nas eleições passadas.[27] 

Então, com a crise política que abalou tanto PT quanto PSDB – partidos que tem suas principais figuras públicas ou presa (Lula) ou sendo processada (Aécio) – coloca um ano eleitoral em que o debate político foge dessa polarização binária que disputa a política nacional há 30 anos entre neoliberalismo versus reformismo sem reformas. Mas, como qualquer processo político, a vitória de um projeto eleitoral só pode se confirmar no campo mais real – concreto – da luta de classes. Ou seja, não basta eleger candidato/a ou coalisão x ou y para que se estabeleça na prática determinado projeto, é no enfrentamento entre as classes que isso se impõe de fato. A reeleição de Dilma, seguida da traição de suas propostas eleitorais, da conquista das ruas pela direita em 2015, da sua falência política a partir daí e do impeachment em 2016 são um exemplo recente do que estamos dizendo. Porém, obviamente que as eleições são um fator importante para legitimar determinado projeto, por isso não pode ser de forma nenhuma desprezada. Isso principalmente em um momento em que no campo reacionário a candidatura que aparece na frente das pesquisas em um patamar eleitoral de cerca de 20% é a de um fascista (Bolsonaro). Candidatura que, apesar de tender a desidratação durante a campanha, é um importante sinal de alerta para a importância da disputa eleitoral esse ano para a classe trabalhadora. De outro lado, por mais que Lula tenha capacidade de transferir votos mesmo estando preso, é fato que o lulismo reduzirá de forma significativa o alcance eleitoral nas próximas eleições, o que coloca para a esquerda socialista sem abrir mão de sua perspectiva independente e anticapitalista a tarefa de disputar a influência eleitoral – e política mais geral –  dos setores que estão se desgarrando da burocracia lulista. Ou seja, estamos em um cenário que tendo em vista a polarização e instabilidade que está presente na atual situação política pode encetar desdobramentos explosivos para os próximos meses. A tendência em ampliar as lutas econômicas e políticas no segundo semestre desse ano devido às campanhas salariais de importantes categorias, notadamente os servidores públicos que procurarão aproveitar a aproximação das eleições para pressionar os governos estaduais e federal, a indignação crescente com o desemprego, o arrocho salarial e a piora a olhos vistos dos serviços de saúde, educação e transporte e a insuportável opressão da juventude e dos mais pobres, agravadas com as políticas de militarização das favelas e regiões periféricas colocaram mais pressão sobre a conjuntura antes das eleições.

O que para nada significa que haverá algum processo explosivo que colocará necessariamente uma conjuntura mais favorável para a classe trabalhadora. Mas não podemos descartar que em meio a piora geral das condições de vida, lutas localizadas de categorias ou de setores populares possam polarizar a situação. Esse processo de luta direta diante das terríveis condições objetivas pode, a partir de um possível realinhamento eleitoral mais esquerda de um setor da classe trabalhadora com Lula fora das eleições, potencializar a alternativa eleitoral da esquerda que por sua vez pode retroalimentar as lutas diretas.

Tudo isso obviamente são hipóteses políticas de olho em um cenário mais favorável para os trabalhadores e para a esquerda. Existem outros cenários que também podem ser desenhados e que são menos favoráveis. Porém, independente dos cenários possíveis, o que não podemos de forma alguma perder de vista em nossa estratégia é que conjunturas explosivas como as vividas durante os dias que antecederam a prisão de Lula não estão descartadas. Mais do que isso, temos que apostar que ressurjam e tenham um desdobramento que não bloqueie o potencial de luta contido pelas sucessivas traições da burocracia. Por isso, insistimos que temos que desenvolver estratégias que combinem uma agitação sistemática para impulsionar a luta dos trabalhadores de forma independente através da exigência que a burocracia convoque a luta, não apenas pela soltura de Lula, mas pela suspensão da intervenção militar no Rio de Janeiro e por justiça pela execução política de Marielle. Porém, além dessas bandeiras que se consolidaram precisamos ter atenção para as lutas em defesa do emprego, dos salários e das condições de trabalho que tendem a ganhar nos próximos meses, assim precisamos exigir a unificação das campanhas salariais, a construção de um calendário comum de mobilização que tenha como eixo a recomposição salarial, a redução da jornada de trabalho e a suspensão das contrarreformas.

Boulos e PSOL precisam apresentar nas atividades de unidade de ação com uma linha política que dê conta dos ataques políticos e econômicos de Temer. Para que essas consignas sejam apresentadas de forma a disputar realmente parte significativa do movimento essa agitação não pode ficar restrita às redes sociais, é necessário que sejam levadas aos atos, assembleias, reuniões e toda e qualquer atividade do movimento. Para isso a campanha eleitoral tem que se expressar fisicamente através panfletos, faixas, colunas e falas que se diferenciem em todas as instâncias com lulismo.

Obviamente que da mesma forma que apenas fazer denúncias sem exigir que a burocracia mobilize é um exercício político sectário e estéril, não fazer uma intensa campanha de denúncias quando a burocracia trai concretamente e não apresentar sistematicamente desde a base uma alternativa de fundo à burocracia, acaba sendo um oportunismo não menos estéril. Dizemos isso não apenas por digressão, mas porque diante da prisão Lula muitos setores da esquerda socialista não “viram” alternativa que não a rendição, acabando não realizando a devida denúncia de uma linha que acabou consolidando uma conjuntura mais favorável para a ofensiva reacionária.     

A experiência mais recente demonstrou, mais uma vez, que não há como avançar na luta política nacional sem superar a hegemonia lulista entre os setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude. Por isso nossas táticas de unidade de ação, de frente para lutar e frente de esquerda devem estar a serviço das estratégias de mobilização permanente dos trabalhadores contra a ofensiva reacionária em todas as suas dimensões, da organização das massas de forma autônoma e independente da burocracia e da construção de um partido socialista de orientação revolucionária que ganhe cada vez mais influência das massas.

Sem uma linha política que impulsione o desenvolvimento dessas três condições estratégicas, a perspectiva de superação política dessa hegemonia pela esquerda não passará de fabula. Dessa forma, apesar da insuficiência estratégia e programática, pensamos que a aliança político-eleitoral realizada entre MTST, PSOL e PCB é extremamente progressiva e abre caminho para a construção de uma alternativa de massas. Mas para que não seja a reprodução repaginada do reformismo sem reformas precisa dar passos no sentido de abrir real disputa no interior das massas, rompendo definitivamente com a “diplomacia” política com a burocracia.

Com a eclosão de greves, ocupação, eleições sindicais e outras formas de luta no segundo semestre, a campanha de Boulos tem que se ligar diretamente aos processos de luta. A unidade de ação não pode seguir na estratégia levada pela direção do PSOL de não se diferenciar do lulismo em nome da “unidade”, é necessário que a nossa frente político-eleitoral apresente sistematicamente uma alternativa pela esquerda, que se coloque fisicamente como alternativa e que dispute para valer setores de massa com a burocracia.

De outra forma, nossa campanha não servirá para contribuir com o processo de luta e nem para a disputa eleitoral, é necessário demonstrar para amplos setores que nossa solidariedade com Lula não significa em hipótese alguma um sinal de igualdade política, ética ou organizativa. Ao contrário, iremos fracassar tanto do ponto de uma campanha ligada as lutas e que possa impactar eleitoralmente um setor de massa, quanto do ponto da sedimentação de um caminho para superar a hegemonia da conciliação de classes, do reformismo sem reformas e da burocracia lulista entre setores-chave da classe trabalhadora e dos oprimidos.

Notas:

[1] Quero agradecer a Sara Vieira pela inestimável revisão do texto e a José Roberto Santos pela leitura e comentários antes da publicação.

[2] No final de 2016 Temer surge em um depoimento do dono da Construtora Odebrecht pedindo contribuição financeira ilegal no valor de 10 milhões em forma de propina para financiar a campanha eleitoral de 2012.

[3] O que para um partido que teve origem na maior onda de mobilização operária da história – final dos anos 1970 e início dos 1980 – significa um realinhamento político-eleitoral da significação histórica.

[4] O PSTU foi o maior derrotado nesta eleição, não chegou a obter 80 mil votos para prefeito e sai menor da votação do que nas eleições de 2012. Certamente esse não é o seu maior problema porque votos vão e vem a depender da conjuntura e de outros fatores, o problema central não é sua votação, mas sim a linha política sectária que se nega sistematicamente a constituir alianças eleitorais no interior da esquerda socialista, mesmo sob uma tremenda ofensiva reacionária.

[5] Com essa modificação na legislação, o gasto público primário (pagamento de juros e amortizações da dívida estão preservados) pode crescer de acordo com a inflação do ano anterior. Quer dizer, apesar das necessidades crescentes da população o orçamento para isso será congelado em termos reais, os banqueiros e grandes investidores terão sua cede de lucro parasitário saciada em detrimento da redução de verbas para saúde, educação, saneamento e etc. Essa emenda tem como consequência uma redução significativa nos gastos com educação e saúde, o que impacta a profundamente a parcela mais pobre da população e estimula negócios privados nas duas áreas. A decisão de congelar os gastos públicos ameaça, contudo, o conjunto de políticas que permitiram a redução da pobreza. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu que em 2036 a assistência social contaria com “menos da metade dos recursos necessários para manter a oferta de serviços nos padrões atuais”, por exemplo

[6] Apesar da riqueza política do 15M em todo o país, foi na Avenida Paulista onde ocorreu o ponto alto dessa jornada de lutas, pois contou com 200 mil manifestantes que ocuparam praticamente toda a avenida. A mobilização esteve marcada pela massividade e vontade de lutar que recordou as jornadas de Junho de 2013.

[7] No Brasil a cada onze minutos uma mulher é estuprada e a cada 2 horas uma mulher é vítima de feminicídio.

[8] Quase nenhuma presença organizada da classe operária de São Bernardo do Campo e região foi verificada durante esses dias. Isso apesar de Lula estar “refugiado” na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos e de se tratar da possibilidade de prisão do seu líder de maior expressão e com altíssima popularidade. Apesar da grande afluência da militância de esquerda que contou com quase todas as organizações políticas, sindicais e populares que somaram milhares em torno do Sindicato e em vários atos pelo país, não foi verificada uma presença de amplas massas nessa ação. Elemento esse que certamente não pode ser desconsiderado da análise e da linha tática que deveria ser colocada em ação a partir daí. 

[9] Da mesma forma que em várias outras situações mais ou menos dramáticas da luta de classes, desde que surgiu como fenômeno político com influência de massas no final dos anos 1970, o lulismo sempre opta pela conciliação com a classe dominante, pelo respeito a “ordem” estabelecida – mesmo quando era ditatorial – e pela não aposta no desenvolvimento até o final das possibilidades da luta dos trabalhadores. 

[10] Apesar da relativa autonomia em relação a oligarquia política tradicional, a Lava Jato tem sido totalmente funcional à ofensiva que objetiva impor as contrarreformas estruturais. A tática de apoiar as ações da Lava Jato por setores de esquerda – notoriamente a do Movimento Esquerda Socialista (MES) –  está a serviço de tentar aproximar um setor da classe média abandonando para isso a perspectiva classista. Significa uma enganosa perspectiva que deseduca a militância ao transferir para o Estado burguês e seus agentes uma tarefa contra ele mesmo. Ou seja, varrer o sistema político da corrupção cabe única e exclusivamente à classe trabalhadora, seus partidos e organizações políticas em um processo revolucionário e construtor de uma nova institucionalidade política. Nos momentos decisivos decidem a favor da ofensiva reacionária, do impeachment, das contrarreformas, tremem diante das forças armadas e que acabaram por criar as condições para a prisão política de Lula. Assim, nosso sistema de consignas em relação à corrupção tem que partir da necessidade de identificar que a corrupção é inerente ao sistema capitalista e deve ser combatida com a expropriação dos bens dos empresários e políticos burgueses envolvidos.

[11] Michael Löwy. Da Tragédia à farsa: o golpe de 2016 no Brasil, p.64. In Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo Editorial, 2016.

[12] Karl Marx. O 18 de brumário de Luís Bonaparte, p. 211. In A revolução antes da revolução. Editora Expressão Popular, 2008.

[13] Idem, p.214.

[14] Idem, p. 223.

[15] Diante dessa polarização entre governo e direita, a classe trabalhadora industrial não participou do processo, pois ficou premida entre dois polos que não representavam os seus interesses. Assim, os atos contra o impeachment foram basicamente realizados pela militância petista e por outros setores da esquerda, pois a direção lulista não chamou à ruptura com a linha neoliberal de Dilma, não apresentou uma proposta de governo alternativa e, muito menos, ações mais contundentes contra a ofensiva.

[16] Roberto Sáenz. Ciência y arte de la politica revolucionaria, p.26. Editora Antídoto.

[17] Dinâmica essa que mais uma vez demonstra a incapacidade histórico-estrutural do reformismo em defender os interesses dos trabalhadores e da juventude, principalmente quando as condições políticas colocam uma real polarização entre as classes, permitindo assim que as forças reacionárias que estiveram à frente do processo de impeachment assumissem o governo.

[18] O governo tem vários instrumentos para garantir a compra de votos dos parlamentares, além disso, a eventual queda do governo pelas denúncias de corrupção poderia afetar diretamente um número considerável de congressistas.

[19] Leon Trotsky. Aonde vai a França, 70. Editora Desafio, 1994.

[20] Nahuel Moreno. As Revoluções do Século XX. https://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/mes/revolucoes.htm

[21] Perry Anderson. As antinomias de Antonio Gramsci. Editorial Fontamara, 1981.

[22] Idem, p. 119.

[23] O lançamento da Frente Povo Sem Medo (FPSM) – aposta do MTST e do PSOL – foi um grande acerto, pois se apoia em um setor que está à frente das mobilizações na atualidade, podendo assim criar condições de unidade de ação menos desiguais com a burocracia lulista. O outro acerto foi apostar na criação da VAMOS como uma tática para construir uma frente de esquerda e aproximar setores para a construção programática que possibilitou a candidatura Boulos.

[24] Lênin. O esquerdismo, doença infantil do comunismo. In Constituinte e revolução socialista, p. 105.

[25] Lênin. As tarefas democráticas do proletariado revolucionário. In Constituinte e revolução socialista, p. 16.

[26] Efetivamente não existe nesse momento um movimento e/ou um partido fascista de massas na realidade brasileira. Mas não podemos desconsiderar que uma ideologia protofascista tem se apoderado de setores amplos das massas com repercussão na vida política nacional, fenômeno que pode avançar para expressões mais extremadas em um cenário de aprofundamento da crise. Assim, o fato de uma personagem que defende diretamente posicionamentos a favor da violência de classe, racista, machista e homofóbica contar com 20% de intenção de votos tem que merecer muita atenção esforços seguidos de combate.

[27] Teremos que dar uma imensa batalha para que a candidatura Guilherme Boulos assuma abertamente um programa anticapitalista e se torne plenamente independente. Por isso, nos diferenciamos de parte dos setores que têm a opinião de que estamos diante de um fenômeno totalmente progressista, pois desta forma, acabam, não dando a batalha para que esse processo contraditório, problemático e arriscado, deveras, encaminhe-se para a esquerda. Assim, pensamos que os setores que fazem uma apologia acrítica a essa aliança desarmam as bases partidárias para as batalhas que precisam ser dadas no próximo período. Apesar das mediações, trata-se de um processo progressista a construção dessa frente entre MTST, PSOL e PCB. Estamos diante de um passo que pode ser histórico para a recomposição da esquerda socialista no Brasil, para a necessária ruptura com o lulismo entre setores mais amplos da classe trabalhadora e dos oprimidos e para a construção do PSOL.

 

Referências:

Anderson, Perry. As antinomias de Antonio Gramsci. Editorial Fontamara, 1981.

Lênin. Constituinte e revolução socialista, com textos de Leon Trotsky em apêncide. Coleção Revolução Permanente. Lisboa, 1975. 

Marx, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. In A revolução antes da revolução. Editora Expressão Popular, 2008.

Nahuel Moreno. As Revoluções do Século XX. https://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/mes/revolucoes.htm

Sáenz, Roberto. Ciência y arte de la politica revolucionaria. Editora Antídoto.

Trotsky, Leon. Aonde vai a França. Editora Desafio, 1994.

Da Tragédia à farsa: o golpe de 2016 no Brasil. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo Editorial, 2016.