Sobre a desistência de Marcelo Freixo de sua pré-candidatura pelo PSOL

Freixo 50 em campanha a prefeitura do Rio

O deputado federal divulgou no sábado(16) em suas redes sociais um comunicado dizendo que abria mão da pré-candidatura a prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSOL, notícia que foi recebida com espanto por milhares de pessoas, inclusive pela base do partido.

Gabriel Mendes

A evolução do Covid-19 no mundo tem hoje o Brasil como principal, senão um dos principais países onde o vírus avança em número de infectados e mortos, a pandemia coloca uma série de incertezas, começando por quanto tempo serão necessárias medidas de isolamento social para diminuir a velocidade de disseminação e o avanço do número de infectados. 

Rio de Janeiro e São Paulo são os estados que estão na dianteira de uma tragédia potencializada pela ação coordenada de frações da burguesia que apostam na lógica do lucro acima das vidas e tem sua expressão negacionista-genocida no governo Bolsonaro. 

Estamos num contexto onde o calendário regular do ano está em dúvida, recentemente tivemos aprovado o adiamento do Enem, as aulas estão paralisadas em todos os níveis e também as eleições municipais deste ano podem ser adiadas.

Nesse contexto Marcelo Freixo retirou sua pré-candidatura a prefeito pelo PSOL, decisão que foi recebida com espanto por milhares de pessoas, inclusive pela base do partido. Na noite de sexta (15) o jornal O Globo divulgou uma nota anunciando a decisão, em primeira mão, no dia seguinte, o deputado federal fez uma publicação em suas redes sociais com o título “Pela unidade em defesa da democracia e dos direitos do povo brasileiro”, onde procurou explicar alguns motivos que o levaram a tomar essa decisão.

Um dos argumentos colocados é a defesa de uma ampla aliança, necessária devido à conjuntura, com a formação uma “frente antifascista” para as eleições municipais de 2020. Essa é uma posição que Freixo vêm defendendo há algum tempo, que tem projeção no interior do PSOL mas está longe ser a posição majoritária, por isso faz parte do debate programático no interior do partido entre tendências e o conjunto dos filiados. A formação de tal frente tem como objetivo impor derrotas eleitorais aos candidatos associados ao bolsonarismo, para isso se concretizar é colocada a  necessidade de alianças inéditas em prol da proclamada unidade contra o fascismo, o que significa, derrotar o fascismo nas eleições de 2020 e posteriormente em 2022.

Aqui voltamos numa caracterização da conjuntura que leva a desdobramentos na ação política. A afirmação de que o fascismo venceu com a eleição de Bolsonaro em 2018 ou que está em vias de acontecer, com possibilidade de fechamento do regime, foi tornada justificativa para alianças eleitorais com partidos da ordem como os que são colocados como “campo progressista”.

Não se trata de menosprezar o perigo que é Bolsonaro, um presidente que ataca não apenas os direitos conquistados pelos trabalhadores, mas que atua com evidente intenção de fechar regime democrático burguês. O que vamos reforçar aqui é que há grande diferença entre defender unidade na ação com todo o “campo progressista” – através de mobilizações ou mesmo frentes parlamentares no Congresso Nacional – e uma aliança eleitoral como a proposta, que incluiria numa mesma coligação partidos como PSOL, PT, PCdoB, PDT, Rede, PSB e PV. 

Há aí uma variedade de trajetórias entre esses partidos, alguns deles que há muitos anos deixaram de construir organizações por uma perspectiva de independência de classe, garantindo expressão popular através do controle burocrático que exercem pelas centrais sindicais e alguns movimentos populares, outros então nem sequer surgiram com a perspectiva de organização das e dos trabalhadores. No Rio de Janeiro esse arco de alianças defendido por Freixo ganha contornos próprios, afinal coloca em xeque a política que levou o PSOL a posição de destaque que ocupa hoje no estado.

Numa breve volta no tempo, é preciso lembrar que o Rio foi colocado por sucessivos governos como moeda de troca para acordos nacionais. Antes mesmo dos governos Lula e Dilma o PT renunciou a um projeto político próprio para ficar na sombra de figuras como Antony Garotinho ou de partidos como o (P)MDB, apoiado pelos governos federais petistas que apoiaram ativamente a eleição de Sérgio Cabral (ex-governador) e Eduardo Paes (ex-prefeito) na troca por apoio a candidatos petistas como o ex-senador Lindbergh Farias.

Quanto ao PDT, partido que governou o estado três vezes – duas delas com Leonel Brizola à frente – é preciso destacar que aqueles que se mantém reivindicando o legado do brizolismo há anos não estão mais nas fileiras do PDT, ilustração da guinada a direita da legenda que descaracteriza sua ligação histórica ao trabalhismo é o fato que na última eleição estadual o candidato do Partido Democrático Trabalhista apoiou no segundo turno Wilson Witzel (PSC), o governador que comemora como gol assassinatos e assiste de helicóptero o genocídio da população negra. É verdade que a decisão do ex-candidato do PDT não foi apoiada pela direção nacional do partido, o presidente Carlos Lupi declarou que o partido apoiaria Eduardo Paes, do DEM de Rodrigo Maia.

Essa é sem dúvida uma proposta de frente que vai no caminho contrário do que o PSOL construiu até agora, afinal o partido atua cotidianamente em diversas lutas sociais associadas a atuação de suas bancadas parlamentares, num contraponto à política fisiológica praticada por sucessivos governos que, principalmente no Rio de Janeiro, levaram ao empobrecimento geral da população, sucateamento generalizado dos serviços públicos, ações policiais que matam a juventude trabalhadora negra nas favelas e ao avanço das milícias no controle de bairros inteiros, que estão associadas com a ascensão da família Bolsonaro na política nacional. 

Houve muita confusão a partir da declaração de Freixo, justamente porque ali ele reafirma a necessidade de uma frente ampla unificada nacionalmente e de um nome que expresse unidade nas eleições municipais 2020. 

O que acontece é que não é necessário ser nenhum profundo conhecedor da política carioca pra saber que se existe uma candidatura do “campo progressista” que teria condições de atrair uma frente ampla de partidos políticos, inclusive os do tipo que descrevemos acima, seria justamente a candidatura de Marcelo Freixo, colocado em segundo lugar pelas pesquisas de opinião, esteve em disputas anteriores onde chegou ao segundo turno e é a principal expressão eleitoral do PSOL, além de ter contribuído na formação de várias figuras psolistas, entre elas a companheira Marielle Franco. Nesse sentido a decisão é contraditória justamente em relação a sua proposta principal.

Após a publicação oficial nas redes sociais uma enxurrada de mensagens de solidariedade e apoio vieram de uma série de figuras públicas e parlamentares, muitas delas o elogiando por abrir mão de projeto pessoal, Manuela D’ávila por exemplo afirmou: “Seu gesto em defesa da unidade política e da superação de divergências menores é uma manifestação em defesa do Brasil e da democracia.”.

uma série de problemas a serem colocados, primeiramente a necessidade de questionar qual seria o “ponto de vista pessoal” a ser considerado nessa decisão. O companheiro, que foi eleito deputado estadual pela primeira vez em 2006 e desde então é uma referência política da esquerda tem seu espaço consolidado na política estadual e mesmo nacional, mesmo se não for candidato a prefeito na próxima eleição. 

Outro ponto é que o “gesto” de Freixo – que trouxe interpretações de que a atitude está acima de interesses pessoais e/ou mesquinhos – está longe de ser um gesto simbólico, primeiramente porque coloca em xeque uma construção partidária ao apontar que há possibilidade de não ter candidatura própria do PSOL numa das principais capitais do país. Além disso o mesmo afirma que continuará atuando politicamente para que “em vez de cuidar exclusivamente da minha campanha, eu possa trabalhar pela formação dessa aliança [frente ampla] nas eleições municipais deste ano”¹ nesse sentido falta dizer que candidato ele apoia e qual o partido.

Diante desse cenário entendemos que não dá para simplesmente compreender a decisão de Freixo, é preciso reafirmar a necessidade que o PSOL apresentar candidatura própria para a prefeitura do Rio de Janeiro, assim como para todas as demais capitais do país.

O companheiro, se quiser, pode e deve continuar defendendo sua proposta de “frente antifascista” para as eleições municipais nas instâncias do PSOL, posição na qual não está sozinho e tem apoio interno de outros companheiros e companheiras.

Nós do Socialismo ou Barbárie, além de outras correntes e militantes independentes do PSOL, continuaremos defendendo unidade na ação nas ruas contra o governo negacionista-genocida de Bolsonaro, incluídos aí um amplo espectro de partidos, ativistas, movimentos sociais e centrais que afirmam defender a democracia contra as ameaças de fechamento do regime. Nas eleições insistiremos na construção de uma alternativa independente dos patrões e pela superação do lulopetismo, por isso defenderemos alianças com partidos da esquerda socialista como PSTU, PCB e UP, pois, de outra forma não podemos construir uma alternativa política socialista.

Há uma série de impasses colocados com o avanço do Covid-19, inclusive nos debates internos que estavam previstos para acontecer no 7º Congresso do PSOL e foi adiado para 2021, entretanto isso não deve impedir que as instâncias se reúnam virtualmente para discutir e encaminhar alternativas para a esquerda socialista. Dois companheiros se mantém pré-candidatos, é preciso diante disso realizar debates abertos para o conjunto da militância e reforçar que a escolha da candidatura e das alianças deve ser feita pela base e não por cima dela.

¹https://www.facebook.com/MarceloFreixoPsol/photos/a.397084743665121/4112401592133399/?type=3&theater

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