Apesar dessa derrota, a classe trabalhadora, a juventude e as mulheres no Brasil não sofreram uma derrota histórica e podem resistir aos próximos ataques
ANTONIO SOLER
Depois de um pouco mais de 8 meses de tramitação, nesta quarta-feira (23), foi aprovada no Senado Federal a “reforma” da Previdência Social. A chamada “reforma” na verdade é uma terrível contrarreforma que terá impacto sobre a vida dos trabalhadores, das mulheres, negros e dos mais pobres, ou seja, sobre todos os setores mais explorados e oprimidos da nossa sociedade.
A “reforma” da Previdência aprovada estabelece idade e tempo mínimo de contribuição para homens e mulheres, sendo de 65 anos para homens e 62 para mulheres e no mínimo 25 anos de contribuição para aposentadoria proporcional.
Para obter vencimentos integrais o tempo mínimo de contribuição deverá ser de 40 anos. Ou seja, para que um trabalhador possa se aposentar com vencimentos integrais terá que trabalhar muito mais do que 40 anos, considerando a instabilidade e o tempo de desemprego pelos quais passa a maioria da nossa classe. Por isso foi rapidamente assimilado pelas massas que “com essa ‘reforma’ termos que trabalhar até morrer”.
Além disso, o projeto inicial queria reduzir pela metade benefícios – como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que paga R$ 998 para idosos acima de 65 e doentes que comprovem não ter outra fonte de renda -, aumentar a idade para a aposentadoria rural e tirar a Previdência da Constituição e transformá-las em lei ordinária para facilitar novos ataques no futuro e também impor essa contrarreforma aos servidores estaduais e federais, mas diante do rechaço popular essas propostas foram tiradas do projeto em sua tramitação na Câmara dos Deputados.
Enquanto ataca violentamente o conjunto da classe trabalhadora com sua contrarreforma através da PEC 6/2016, o governo poupa o que considera sua principal base de sustentação do projeto, tanto forças de repressão quanto militares. Em relação aos policiais federais e para os militares as mudanças serão muito mais brandas.
O governo, que alega falsamente que o “Estado iria quebrar” sem essa “reforma” para jogar todo o peso da “crise fiscal” sobre as costas dos trabalhadores/as, poderia cobrar as dívidas bilionárias dos grandes bancos e empresas que atingem cerca de R$ 500 bilhões. Além disso, a Previdência, e outros setores, poderia ser financiada cobrando impostos sobre as grandes fortunas, ganhos de capital e herança, rendas que praticamente não sofrem taxação no Brasil, bem como uma reforma de fato que reduzisse drasticamente os super salários e os privilégios de fato poderia resolver a questão sem atacar os trabalhadores e os mais pobres.
Com luta poderíamos ter derrotado essa contrarreforma
A resistência oferecida pelo movimento de massas desde o início do ano fez com que o governo e o congresso recuassem em vários pontos para que a PEC pudesse tramitar e ser aprovado. Assim, em seu projeto original, a PEC 6/2019 o governo propunha a criação de um novo sistema previdenciário baseado na capitalização para ir substituindo o histórico sistema de repartição brasileiro que é uma conquista de décadas de luta e baseado na solidariedade entre as gerações.
Sistema esse que foi implementado no Chile no início da década de 1980 e que beneficiou enormemente o capital financeiro internacional e que tem levado à miséria os trabalhadores, um dos motivos inegáveis da atual rebelião popular que vive esse país na atualidade.
A “economia” prevista originalmente de R$1,2 trilhões pelo governo, com a tramitação foi reduzida para R$800 bilhões devido a resistência oferecida pelos trabalhadores. Mas não podemos deixar de considerar que a votação dessa contrarreforma significou uma derrota para a classe trabalhadora com a aprovação de uma idade mínima de 65 anos e 40 anos de contribuição para garantir vencimentos integrais, fazendo com que a maioria dos trabalhadores tenham que se aposentar com vencimentos parciais no final da vida.
Derrota que, no que pese a ofensiva reacionária e a forte unidade da classe dominante, da grande mídia e dos partidos burgueses em torno dela, poderia ter sido evitada, amenizada ou, ao menos, enfrentada à altura com uma direção do movimento digna desse nome.
As centrais sindicais e políticas, notadamente a CUT e o PT, não construíram um calendário de lutas que garantisse um processo constante de mobilização, a paralisação nacional do dia 14 de junho não foi chamada de forma que os trabalhadores tivessem um dia ativo de lutas, no ABC paulista nem um ato foi convocado pela direção da CUT regional, fato esse que estendeu-se por todo o país.
Depois que a “reforma” da Previdência foi aprovada na Câmara dos Deputados, nenhuma luta foi chamada pelas organizações dos trabalhadores e setores da oposição, os mesmos governadores do PT, negociaram pontos da reforma em troca de alíquotas maiores do Pré-sal.
A traição é tão descarada que nem mesmo manobras regimentais de obstrução foram utilizadas para adiar a sua votação. A situação é de tamanha desmoralização que sequer as centrais mais combativas ou partidos de esquerda, como CSP-Conlutas, Intersindical, PSOL e PSTU, respectivamente, cumpriram o papal de manter a luta contra essa contrarreforma em sua tramitação no Senado, tendo iniciativas de chamar a luta mesmo diante da negativa das grandes centrais sindicais.
Essa postura, de responsabilidade central da CUT e do PT, evidentemente, permitiu que a fosse aprovada por ampla maioria e que o próprio Senado retomasse a inclusão dos funcionários estaduais e municipais em um projeto paralelo que está ainda por ser votado.
Aproveitar os bons ventos que vêm do Chile para construir uma direção à altura da luta
Em uma situação em que não há uma derrota estrutural ou histórica dos trabalhadores e dos oprimidos – como demonstrou muito bem as lutas dos funcionários públicos contra a “reforma” da Previdência e depois a dos estudantes contra os cortes de verbas -, a negociação da reforma e o recuo das direções do movimento de massas diante do avanço da contrarreforma da Previdência é uma traição sem igual.
Pois além de possibilitar uma vitória categórica da classe dominante nesse tema especifico, pode levar a desmoralização dos trabalhadores e preparar novos ataques, tal qual a proposta da “reforma administrativa” que dentre outras maldades quer reduzir o investimento no setor público, demitir funcionários concursados e acabar com o regime de cargos públicos, o que tende a precarizar ainda mais o atendimento ao conjunto da população.
Assim, como dito anteriormente, a classe trabalhadora no Brasil tem acumulado derrotas pela política da sua direção, mas não sofreu nenhuma derrota histórica que a impeça de resistir à altura. Da mesma forma que em outros países da América Latina e do mundo, em que rebeliões populares protagonizadas pelo movimento dos trabalhadores e dos estudantes estão fazendo o chão tremer contra os ataques dos seus respectivos governos e classes dominante, com outra direção podemos enfrentar e derrotar esse governo e suas contrarreformas.
Por essa razão, a máxima unidade de ação e frentes para lutar contra as próximas contrarreformas desde a base com a CUT e o PT em momento algum – como fazem setores da direção do nosso partido (PSOL) – pode se confundir com unidade política ou com frente político eleitoral.
Diante da contrarreforma da Previdência as direções dessas organizações posam de lutadores e defensores dos trabalhadores, mas demonstraram-se mais uma vez que não podem ter a confiança dos trabalhadores e dos oprimidos. Mas, como ainda dirigem a maioria dos aparatos, precisamos combinar a exigência constante para que mobilizem, por um lado, e denúncia concreta diante das traições direção dessas organizações, por outro.
Esse alinhamento passa, também, e necessariamente, por manter a total independência política, programática e eleitoral, do contrário, perdemos totalmente a mais do que necessária estratégia de superar essas direções junto ao movimento de massas para que possamos enfrentar os ataques, passar para a ofensiva e avançar nas tarefas anticapitalistas e socialistas nas próximas etapas da luta de classes.