Portaria do Governo quer retroceder no direito ao aborto previsto em lei

#EleNão, São Paulo, Setembro de 2018. Foto: REUTERS/Nacho Doce

Depois da menina de 10 anos, grávida vítima de estupro passar por um verdadeiro calvário institucional para ter seu direito a um aborto terapêutico garantido, o governo Bolsonaro dobra a aposta e dá um passo a mais em seu obscurantismo religioso e científico, trata-se da portaria que obriga médicos a avisarem a polícia sobre pedidos de aborto devido a estupros.

Vermelhas, 29 Agosto 2020

A Portaria nº 2.282/2020 é um recurso de investigação e controle do Governo na Saúde

Nesta sexta-feira (28) o Ministério da Saúde – sem ministro a três meses-, publicou uma portaria assinada pelo ministro interino, GENERAL Eduardo Pazuello, uma portaria que OBRIGA médicos e profissionais de saúde a notificarem a polícia quando mulheres vítimas de estupro desejarem realizar um aborto legal.

O governo Bolsonaro é um inimigo muito maior do que as direções femininas imaginam. Vemos isso de maneira exemplar, quando uma criança quase foi obrigada a parir graças a manobras de funcionários do governo e da ministra Damares Alves. E mesmo nesse momento dramático de risco a vida de uma criança já violentada pelo machismo, vimos algumas lideranças, coletivos feministas buscando alternativas através do diálogo com a institucionalidade, e não para a mobilização nas ruas.

A concessão do aborto em caso de estupro é um direito garantido por lei desde 1940, e algumas portarias podem ser criadas, dependendo do caso menos ou mais restritivas sobre as instruções para realização do procedimento. Em 2005, uma portaria retirou a “obrigatoriedade das vítimas de estupro de apresentarem Boletim de Ocorrência para sua submissão ao procedimento de interrupção da gravidez no âmbito do SUS’’, foi a (PORTARIA Nº 1.508, DE 1º DE SETEMBRO DE 2005), que trouxe mais dignidade as vítimas dessa violência.

Movimento Me too surgido no EUA, “Eu também” traduzido para o português incentivou vitimas a contarem
sobre estupros e assédios

A atual portaria publicada, no entanto, muda as regras de 2005 do ministério ao fazer restrições, que, na prática, buscam intimidar e expor as vítimas de violência sexual.

Passa a ser exigido agora a notificação à polícia pelo médico e demais profissionais de saúde dos hospitais que “acolherem a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”. Entretanto, muitas mulheres não denunciam os abusadores por medo ou por constrangimento, por isso essa medida sem sombra de dúvidas tem o intuito inibir as vítimas e se for possível criminaliza-las.

Além disso, em normas anteriores, a equipe médica era obrigada apenas a conversar com a vítima sobre possíveis complicações decorrentes do aborto, mas, agora, a nova portaria exigirá que um documento detalhado com os riscos decorrentes do aborto seja expresso pelo hospital e ASSINADO pela vítima.

Outra obrigatoriedade também colocada nessa portaria, muito desnecessária do ponto de vista do respeito ao estado emocional das mulheres nessa situação, refere-se ao médico ter que perguntar para a vítima se ela quer ver o embrião numa ULTRASSONOGRAFIA antes do abortamento legal. Tudo isso, deixa evidente portanto, que a nova portaria visa coagir e constranger enormemente as vítimas, além de tentar fazê-las desistir de obter um direito.

Como se não bastasse, toda a militância pró-vida bancada com dinheiro público atualmente, Bolsonaro usará a autoridade médica, que deveria estar incumbida exclusivamente de cuidar e dar toda a assistência sem julgamentos. Impondo que médicos sejam delatores de mulheres vítimas, de uma das violências mais brutais a um ser humano.

Os hospitais terão que dizer que o procedimentos é de risco, quando, na verdade, em circunstâncias de atendimento médico especializado, as chances de sequelas são muito baixas, nos casos de abortamento por sucção como o usado em diversos países a mulher é liberada a casa em menos de uma hora, fator que diminui enormemente o sofrimento emocional e possíveis traumas algumas mulheres.

Ao invés da nossa sociedade começar a naturalizar um procedimento clínico normal, tal como qualquer outro e extremamente importante para autonomia dos corpos femininos, a fim de evitar que centenas morram anualmente em abortos clandestinos, o governo busca a todo custo intimidar e debilitar emocionalmente as vítimas, com a intenção de fazer com que elas desistam do procedimento…

Resistir contra a implementação da pauta moral

Bolsonaro construiu e consolidou uma imagem vulgar e preconceituosa, como autêntica e popular, junto a seus apoiadores em cima dos absurdos que fala. Obviamente por um lado, essa personalidade gera revolta da esquerda em diversos momentos, mas fundamentalmente na esfera virtual, que ao não se transladar de maneira qualificada para às ruas se torna, mais difusão do governo do que um enfrentamento real a seus absurdos e principalmente as políticas que vem sendo impostas e materializadas, como o caso dessa fatídica Portaria.

O ABORTO É GARANTIDO LEGALMENTE PELO ESTADO EM TRÊS SITUAÇÕES: EM CASO DE GRAVIDEZ DECORRENTE DE ESTUPRO, QUANDO A GRAVIDEZ OFERECE RISCO A VIDA DA GESTANTE E EM SITUAÇÕES DE ANENCEFALIA DO FETO.

Sem a devida resistência – que só pode ser promovida pela articulação e mobilização do movimento feminista nas ruas -, houve de certa forma uma naturalização das atrocidades proferidas pelo presidente e seu secto, e o que consideramos ainda mais perigoso: um fortalecimento não previsto do conservadorismo e do machismo na consciência social.

Não há vitória sem luta

Por isso, na opinião das Vermelhass, o ato realizado pelo movimento feminista do Pernambuco, em frente ao hospital, representa um verdadeiro marco do movimento feminista em nosso país, o da necessidade de enfrentamento nas ruas. Esse é o caminho pois o governo avança sem livremente e ataca nesse momento, frente a mobilização e resistência colocado pelas companheiras do Pernambuco e tantas outras companheiras pelas as redes sociais em todo o país.

Como dissemos, a mobilização em frente ao hospital no Pernambuco, dia 16 de Agosto, foi intensa. Mas por um lado, vimos a indignação passiva por parte da imprensa, artistas, políticos progressistas e até mesmo de parlamentares eleitas com a pauta feminista, por outro lado, uma indagação real do movimento de mulheres combativo que desejava ir em massa para às ruas. Consideramos que essa foi uma grande vitória, do ponto de vista objetivo e subjetivo, pois, demonstrou que, quando o governo vai pra ofensiva as mulheres também devem radicalizar. E estamos em mais um momento assim.

O aborto não é caso de polícia mas de saúde pública!

Portanto, é fundamental não só um amplo repúdio a essa portaria, que representa mais uma ação policialesca contra nossos corpos, nossa subjetividade e nossas escolhas, mas compreender que, tem um fim político que deve ser considerado para nossa agenda de luta, o de retardar ainda mais o avanço da consciência das massas e da luta pela legalização do aborto em todos os casos e da realidade de que as ricas abortam, e as pobres morrem. Por isso, estamos articulando nas redes e voltando a nos mobilizar nas ruas, diante da elevação do nível da escalada misógina e autoritária de Bolsonaro e Damares nós mulheres precisamos reagir e lutar pelo direito de decidir!

Nenhum retrocesso a mais!

Aborto livre, legal e no hospital!

*Conheça nosso protocolo sanitário para manifestação na pandemia

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