Pressionado pelas pesquisas eleitorais e aproximadamente há menos de um ano da ida dos brasileiros às urnas, Bolsonaro realinha a sua política e coloca em curso uma tentativa de recuperação para o próximo período, mantendo um cenário, todavia de incertezas, possibilidades e perigos.
Renato Assad
No dia de ontem, terça-feira (9), em segundo turno, a PEC dos Precatórios – os Precatórios são as dívidas da União reconhecidas, isto é, tramitadas e julgadas, para com pessoas físicas e jurídicas – foi votada e aprovada na Câmara Federal dos Deputados. Essa alteração na constituição favorece um realinhamento político de Bolsonaro e sua política populista para implementar o Auxílio Brasil – uma manobra política com objetivo eleitoral de (re)aproximação com o subproletariado. O texto agora será enviado ao Senado.
No primeiro turno da votação da PEC – vale lembrar que qualquer emenda à constituição precede de dois turnos de votação – com 312 votos favoráveis e 144 votos contrários o cenário para a sua aprovação já se desenhava e na tarde de ontem tivemos a sua confirmação com a votação em segundo turno, com uma maior margem, 323 votos favoráveis e 172 contrários.
A PEC dos Precatórios tem como objetivo o parcelamento da dívida da União já tramitada e julgada que deveria ser paga em 2022 – o valor da dívida é de aproximadamente 90 bilhões de reais. Em sua ampla maioria, as pessoas à espera do pagamento da União são servidores públicos como os professores, trabalhadores da saúde e servidores do baixo escalão do Estado nacional – algo que já no primeiro momento configura um calote com estes setores.
Isto significa, na prática, uma manobra político-econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes para, ao mesmo tempo, judicialmente não furar o teto dos gastos e garantir uma política assistencialista com o Auxílio Brasil. Segundo o relator do texto, Hugo Motta (Republicanos-PB), a PEC atua em duas frentes: o limite para o pagamento de precatórios e a revisão do teto de gastos. “Desses dois pilares, sai o espaço fiscal para podermos garantir o pagamento desse novo Bolsa Família, que agora se chamará Auxílio Brasil, para essas 17 milhões de famílias”, disse o Deputado.
A partir do auxílio, o governo tem como interesse exclusivo a sua (re)inserção nos setores mais vulneráveis e em piores condições materiais, nesta dura conjuntura que não conseguem garantir um nível mínimo de subsistência – aquilo que chamamos de subproletariado. Um giro de caráter eleitoral que para nada podemos descartar uma eventual recuperação de Bolsonaro.
É certo que o governo promove ao país uma agenda ultra capitalista com uma série de ataques históricos aos trabalhadores e trabalhadoras. Justamente por isso, e a partir de seu recuo tático após o 7 de setembro – o seu ensaio golpista -, a sua funcionalidade ao capital financeiro é, todavia, presente. A classe dominante, apesar de apresentar divisões internas, ainda sustenta o governo Bolsonaro, assim como os militares e o centro político fisiológico, o “centrão”. Nada melhor poderia exemplificar esta situação do que o áudio vazado da fala de André Esteves, dono do BTG e uma das caras da classe dominante nacional: “se (o presidente) Bolsonaro ficar calado, é favorito”. Mas não será reeleito se ficar “malucão”.
Contudo, o Brasil, como laboratório de uma brutal ofensiva neoliberal em um cenário de uma grave crise econômica – a qual pode vir a configurar uma situação de estagflação nos próximos meses –, já cristaliza uma histórica, e talvez impensável, marca no aumento da carestia em geral, fator importante para a queda da popularidade de Bolsonaro. Sobre esta contraditória equação de funcionalidade ao capital financeiro e perda de popularidade pelo regresso histórico na condição de vida dos de baixo, Bolsonaro aposta, então, nesta manobra populista sem romper efetivamente com o teto de gastos: parcelar as dívidas da União e implementar o Auxílio Brasil no valor de 400 reais, com o agora extinto Bolsa Família.
Bolsonaro pode se recuperar para 2022?
Como já alertamos aqui, na verdade o fazemos sistematicamente, dentro de um período abertamente reacionário o quadro político de um equilíbrio permanentemente instável, junto com suas possibilidades e perigos, totalizam a equação conjuntural hoje. De maneira alguma podemos subestimar ou superestimar o bolsonarismo e as suas intenções. Isto é, não está descartada uma eventual recuperação de Bolsonaro com este novo realinhamento político-eleitoral. Vale lembrar que em seu ensaio golpista não entraram em cena as bases das forças policiais e militares, que poderiam qualitativamente intensificar a desfavorável correlação de forças, e assim permitir ao presidente condições políticas para um possível fechamento do regime. Algo que configuraria uma derrota histórica aos explorados e oprimidos.
Por outro lado, achar que Bolsonaro já seria cachorro morto e que, a partir das pesquisas eleitorais, o cenário político se manteria uniforme é nada mais do que desarmar a luta para o próximo período – tudo indica que a tendência à polarização e os choques políticos se intensifiquem para o próximo ano.
Sobre esta totalidade política de indefinições e contradições cotidianas, bastante generalizada por minha parte, é que devemos pensar e agir politicamente. O primeiro passo, o que dará possibilidades para alavancar um processo político que possa contrapesar a relação de forças com o governo e seus ataques, é evitar qualquer uma das faces do impressionismo: nem o derrotismo, tampouco, o facilismo. Sobre esta permanente tarefa, inconcebível aos formuladores mecânicos e esquemáticos, romper com a lógica eleitoral da burocracia lulista e transversal ao campo progressista poderá ser decisivo para alavancar dois processos: a derrota categórica de Bolsonaro e do bolsonarismo e a edificação de lutas que superem o caráter de ampla vanguarda, ou seja, a inserção de setores da classe trabalhadora na luta pelas ruas e o seu protagonismo.