Uma instituição da hegemonia mundial dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial.
Com a decadência da Grã Bretanha como potência hegemônica do imperialismo mundial, a primeira metade do século XX esteve cruzada pela disputa de quem a substituiria: Estados Unidos ou Alemanha. As duas guerras mundiais, com o consequente desaparecimento físico de dezenas e dezenas de milhões de pessoas, deram a primazia indiscutível aos ianques. A nova hegemonia mundial se consagrou “institucionalmente” com a criação de três organismos: o FMI, o Banco Mundial e o apêndice dos dois primeiros a ONU.
Bretton Woods
Ao fim das grandes guerras, EEUU representava cerca de 50% do PIB mundial. Só este dado é suficiente, mais do que suficiente, para entender como conseguiu impor seu indiscutível predomínio. É claro que esta assombrosa cifra se deve tanto ao desenvolvimento próprio da economia estadunidense como à completa destruição da Europa, produzida na Segunda Guerra Mundial, com suas principais potências (as velhas donas do mundo: Grã Bretanha, França e Alemanha) absolutamente esgotadas. Assim, no complexo hoteleiro de Bretton Woods, os funcionários da administração Roosevelt, em 1944, sentaram os seus aliados para negociar as condições de sua submissão e, por consequência, a do resto do mundo.
O primeiro acordo, eufemisticamente falando, para não dizer “imposição incondicional”, foi a transformação do dólar na moeda mundial por excelência. Jamais a libra esterlina, ou qualquer outra, chegou a ter este peso. Até aquele momento, as moedas nacionais perdiam o seu caráter local ao medir-se com a mercadoria internacional sem fronteiras: o ouro. Formalmente, eles continuaram fazendo isso por mais algumas décadas (até a crise do dólar com a Guerra do Vietnã), mas ninguém importou ou exportou sem passar pelo dólar. Os europeus velhos e orgulhosos não tiveram escolha a não ser aceitar essa nova realidade, morder os lábios e calar a boca devido às condições econômicas do pós-guerra. O “Plano Marshall” estava em pleno andamento. Esse plano foi o resgate dos EUA às potências esgotadas pela Segunda Guerra Mundial, com empréstimos de bilhões de dólares para a reconstrução de tudo o que foi destruído durante seis anos de catástrofe. Os ingleses, franceses e alemães, para sua reconstrução, tiveram que aceitar dinheiro da América do Norte para comprar tudo o que precisavam de seu próprio credor. Um “negócio da china”! Vender o que você produz com dinheiro emprestado por você ao comprador, com os juros correspondentes. As economias europeias viram suas artérias inundadas por jovem e forte sangue verde. Imagine o resto do mundo.
O que era “de fato” também se fez “por direito”, os acordos estabeleceram a onça padrão de ouro = 35 dólares, transformando a moeda ianque na referência com a qual todas as outras deveriam ser medidas. Também foram criadas duas grandes organizações financeiras supranacionais para garantir essa nova ordem: o Banco Mundial e o FMI, ambos baseados na capital dos EUA. Porque Deus está em toda parte, mas atende em Washington.
O FMI foi criado como uma entidade supostamente independente. Como o nome indica, é um “fundo” para o qual os Estados membros contribuem para “ajudar” a “sustentar sua estabilidade cambial” em caso de possíveis crises. Cruamente falando, é uma correia de transmissão da política econômica dos Estados Unidos para os países dependentes. A representação em seus órgãos diretivos está desenhada proporcionalmente ao tamanho da economia de cada país e à contribuição inicial que eles fazem no momento da criação do “fundo”. No momento da sua criação, os EUA tinham 31% dos votos … são necessários 85% para qualquer decisão importante, essa porcentagem lhes confere poder de veto absoluto. Para deixar claro o primado completo de Washington, à essa porcentagem de peso seguia-se a dos britânicos, com apenas 14%. Se não conseguirem fazer negócio por si só, os ianques, que criaram uma agência com a qual podem impor a orientação que desejarem a qualquer país ao qual emprestam dinheiro, o fazem dispondo dos fundos de outros países e, além disso, justificam que tal coisa é a mais democrática que possa haver ou, em termos macristas, algo que “fazemos entre todos”.
O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções
Os reis “pela graça de Deus”, os britânicos “pela civilização”, os espanhóis “pela santa fé cristã”, os nazistas “pela pátria”, o FMI “pela cooperação econômica internacional”, os Estados Unidos ” pela graça de Deus, pela civilização, pela santa fé cristã, pela pátria e pela cooperação econômica internacional ”, cada forma de dominação sempre teve sua respectiva apresentação no mercado para manter as aparências. O Fundo Monetário Internacional também possui, é claro, um guarda-roupa inteiro de disfarces de cordeiro.
Segundo sua página oficial seus objetivos são:
“Fomentar a cooperação monetária internacional.
Facilitar a expansão e crescimento equilibrado do comércio internacional.
Fomentar a estabilidade cambial.
Coadjuvar em estabelecer um sistema de pagamentos multilateral.
Disponibilizar (com as garantias adequadas) recursos para os países membros que experimentam desequilíbrios de suas balanças de pagamentos. ”
Não soa bonito? É interessante como em um texto escrito a coisa mais importante pode estar localizada gramaticalmente em um local muito subordinado, especificamente entre parênteses: “(com as garantias adequadas)”. O FMI, como qualquer outra instituição financeira digna desse nome, nunca concedeu empréstimos ou assistência sem essas “garantias” políticas e econômicas. Ninguém empresta nada sem ter certeza de que será devolvido, muito menos pessoas tão inteligentes quanto quem administra o Fundo Monetário Internacional.
Em geral, as garantias que exige são sempre, como dissemos, de dois tipos: a econômica, que garante que o dinheiro será devolvido e as políticas, que dão segurança de como elas serão obtidas e devolvidas. Lamentamos decepcionar os sonhadores que acreditam sinceramente na cooperação econômica internacional, mas o ouro tem um frio coração metálico.
Uma história negra de submissão e crise
Curiosamente, o acordo da Argentina com o FMI há um ano e meio tem um conteúdo simbólico mais importante (além do material) do que se pode acreditar à primeira vista. A crise argentina do final dos anos 90 e início dos anos 2000 foi o retrato chocante do rosto do FMI como um credor sem piedadel.
Entre 1976 e 1982, o FMI possuía vários homens de confiança em gabinetes militares, entre os quais José Martínez de Hoz como Ministro da Economia e Adolfo Diz e Domingo Cavallo como Diretores do Banco Central. O Fundo foi muito generoso com seus agentes argentinos, concedendo um total de cerca de 500 milhões de dólares em empréstimos no primeiro ano e meio do governo de fato. Naqueles anos, foi promovida uma política de privatização das empresas estatais mais lucrativas e liberalização das importações, eliminando as restrições tarifárias e cambiais. Assim, a indústria argentina competia diretamente com os Estados Unidos, sem mediação de nenhum tipo, colocando toda a indústria nacional à beira da falência.
Até 1982, essa orientação havia significado uma verdadeira catástrofe e Cavallo organizou, com a permissão de seus bons amigos em Washington, o resgate dos grandes capitalistas à beira da falência. O Estado emprestou, após um novo endividamento externo com novos juros, os montantes necessários para evitar o colapso de várias grandes empresas. Como qualquer empréstimo, ele vinha formalmente com juros, mas, como estavam abaixo da inflação e das desvalorizações, na verdade significavam uma nacionalização bruta das dívidas privadas. O Grupo Macri, com excelentes relações com Cavallo, foi um dos beneficiários de uma política liberal tão sábia. Assim, a dívida externa da Argentina passou de 7 bilhões de dólares em 1976 para o número assustador de mais de 40 bilhões em 1982, pouco menos de 600% a mais.
Durante todos os anos 80, essa hipoteca de um país inteiro acorrentou a política econômica da democracia reconstituída. No final do alfonsinismo, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Brady, considerou que não era ruim dar alguma ajuda aos seus países satélites e decidiu trocar as dívidas de vários deles pelos “títulos Brady”. Isso significava pagar a dívida com novas dívidas e novos juros. A boa disposição de um banqueiro sempre tem aquele aroma de caridade cristã. Nunca devemos perder de vista esses fatos toda vez que ouvimos a frase “dívidas devem ser pagas”, uma regra moral perfeitamente aplicável ao comum dos mortais, jamais para um empresário da riqueza dos Macri, e quem disser o contrário não é mais que um invejoso .
Para 1989, a cadeia das dívidas e os números da economia em vermelho nos trouxeram uma taxa de inflação anual de mais de 3.000%. E o FMI se ofereceu para nos dar sua mão caridosa novamente, levando o velho e conhecido Domingo Cavallo ao Ministério da Economia com o presidente Carlos Saúl Menem. Não está totalmente claro quem nomeou quem. O Plano de Conversibilidade foi a origem dessa equipe. Sem nos determos nos detalhes técnicos, teremos que lembrar que os anos 90 foram os anos 90, com desemprego em massa, empobrecimento generalizado das massas trabalhadoras, reformas trabalhistas de superexploração, privatizações e um festival de mais e mais dívidas. Se viveu apenas um breve estágio de estabilização que pareceu tornar o “menemato” e seu neoliberalismo algo muito duradouro.
Até o ano 2000, o FMI supervisionou de maneira suave e direta as contas do estado e enviou um “escudo” de US $ 40 bilhões ao governo para evitar a explosão que pairava sobre a cabeça do país. Todos sabemos como isso terminou, com o ponto final da conversibilidade e De la Rúa em 2001. Uma das consignas mais populares da rebelião popular (NT.: o Argentinazo) foi que o FMI deveria sair da Argentina para sempre. Com a desvalorização do peso de 3 para 1, somado ao auge das “commodities”, o kirchnerismo pôde sustentar uma situação de crescimento que lhe permitiu acalmar as gigantescas ondas do Argentinazo entregando algumas concessões às massas. Mas sua política inquestionavelmente capitalista visava alocar os milhões e milhões de dólares que entraram no país para que as exportações de soja pagassem ao FMI em vez de transformar as bases estruturais da Argentina. Foi uma questão de tempo até que os problemas explodissem.
No entanto, Dujovne nos disse que “nós aprendemos e o FMI também aprendeeu”. Digamos de passagem que ainda é curioso dizer “aprendemos”, referindo-se aos responsáveis pelos acordos com o FMI nos anos 90 na primeira pessoa do plural. Isso vai além da maneira óbvia em que ele toma como tolos todos aqueles que se dignam prestar atenção ao que ele diz, como se políticas de ajuste, condições de trabalho precárias, dívida brutal e excessiva, demissões em massa e privatizações fossem o produto de um erro, de uma espécie de mal-entendido. Eles devem realmente acreditar que todo mundo que tem um patrimônio de menos de um milhão de dólares é um membro em potencial de sua equipe de macacos amestrados carregando balões coloridos.
Bem, se o FMI aprendeu coisas novas, é algo realmente recente, porque não há vestígios na Grécia de uma orientação muito diferente à da Argentina em 2001. Após três programas de “resgate”, as políticas de ajuste levaram a Grécia ao fundo do abismo, à beira do qual estamos graças a Macri e sua “equipe”: novamente, cortes salariais, privatizações, ajustes e um longo, escuro e desastroso etc… : taxa de desemprego de 25% (51% entre os jovens), 45% de aposentados pobres, 40% de crianças abaixo da linha da pobreza, 10% vivendo em “insegurança alimentar” (maneira elegante de dizer “fome”); Esses são os negros números de como o FMI vem aprendendo a tratar países em crise.
A imagem que o macrismo quer nos vender é absolutamente ridícula: o FMI é um credor e, como Shylock, exigirá sua “libra de carne”.
O grego aposentado Dimitris Christoulas decidiu tirar a própria vida em frente ao parlamento helênico como forma de protesto. Para concluir essas linhas, fazemos nossas as palavras na nota encontrada em seu bolso:
“O governo … aniquilou qualquer chance de sobrevivência para mim, que se baseava numa pensão muito decente que eu pagara sozinho, sem nenhuma ajuda do Estado por 35 anos. E dado que minha idade avançada não me permite reagir de outra maneira (embora se um compatriota grego empunhasse um kalashnikov, eu o apoiaria) não vejo outra solução senão fim a minha vida dessa forma digna para não acabar remexendo no lixo para sobreviver. Creio que os jovens sem futuro um dia pegarão em armas e pendurarão de cabeça para baixo os traidores deste país na praça Syntagma, como fizeram os italianos com Mussolini em 1945 na Piazza Poreto, em Milão.”
Dimitris Christoulas, 4 de abril de 2012
Tradução: José Roberto Silva