Constantinopla (Istambul), 1930.
Espero que o leitor não me leve a mal se, para terminar esta obra, tentar formular as minhas conclusões essenciais duma forma concisa e sem recear as repetições.
1. A teoria da revolução permanente exige na atualidade a maior atenção da parte de todo o marxista, porque o desenvolvimento da luta ideológica e da luta de classes faz definitivamente sair esta questão dos domínios das recordações de velhas divergências entre marxistas russos, para a colocar como a questão do caráter, do nexo interno e dos métodos da revolução internacional em geral.
2. Para os países de desenvolvimento burguês atrasado e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a resolução íntegra e efetiva das suas tarefas democráticas e de libertação nacional somente pode ser concebida por meio da ditadura do proletariado, que se coloca à cabeça da nação oprimida e, primeiro de tudo, das suas massas camponesas.
3. Não só a questão agrária como também a questão nacional atribuem ao campesinato, que constitui a enorme maioria da população dos países atrasados, um papel excepcional na revolução democrática. Sem a aliança entre o proletariado e os camponeses, as tarefas da revolução democrática não podem ser realizadas; nem sequer podem ser seriamente colocadas. Mas a aliança destas duas classes não poderá realizar-se a não ser através duma luta implacável contra a influência da burguesia liberal nacional.
4. Quaisquer que sejam as primeiras e episódicas etapas da revolução nos diferentes países, a aliança revolucionária do proletariado e do campesinato só é concebível sob a direção política da vanguarda proletária organizada em partido comunista. O que significa, por sua vez, que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que se apóia na sua aliança com o campesinato e que, em primeiro lugar, decide das tarefas da revolução democrática.
5. Encarada em seu sentido histórico, a antiga palavra de ordem bolchevique “ditadura democrática do proletariado e do campesinato” exprimia exatamente as relações, acima caracterizadas, entre o proletariado, o campesinato e a burguesia liberal. Isto foi demonstrado pela experiência de Outubro. Mas a antiga fórmula de Lênin não antecipava quais seriam as relações políticas recíprocas do proletariado e do campesinato no interior do bloco revolucionário. Em outras palavras, a fórmula admitia conscientemente um certo número de incógnitas algébricas, que, no decurso da experiência histórica, deviam ceder o lugar a elementos aritméticos precisos. Esta experiência provou, em circunstâncias que excluem qualquer outra interpretação, que o papel do campesinato, qualquer que seja a sua importância revolucionária, não pode ser um papel independente e ainda menos um papel dirigente. O camponês segue o operário ou o burguês. Isso significa que a “ditadura democrática do proletariado e do campesinato” não é concebível a não ser como ditadura do proletariado arrastando atrás de si as massas camponesas.
6. Uma ditadura democrática do proletariado e do campesinato, como regime distinto, pelo seu conteúdo de classes, da ditadura do proletariado, só seria realizável no caso em que fosse possível por de pé um partido revolucionário independente que exprimiria os interesses da democracia camponesa e pequeno burguesa em geral; um partido capaz de, com a ajuda do proletariado, conquistar o poder e lhe determinar o programa revolucionário. A história moderna, designadamente a da Rússia durante os últimos vinte e cinco anos, mostra-nos que o intransponível obstáculo que se opões à formação dum partido camponês consiste na falta de independência econômica e política da pequena burguesia (campesinato) e na sua profunda diferenciação interna, que permite que as suas camadas superiores se aliem à grande burguesia quando dos acontecimentos decisivos, sobretudo quando por ocasião de guerra ou de revolução, ao passo que as camadas inferiores se aliam ao proletariado, obrigando as suas camadas médias a escolher entre as duas forças. Entre o regime de Kerensky e o poder bolchevique, entre o Kuomintang e a ditadura do proletariado, não existe nem pode existir nenhum regime intermediário, isto é, nenhuma ditadura democrática dos operários e dos camponeses.
7. A tendência da Internacional Comunista para impor hoje aos países do Oriente a palavra de ordem da ditadura democrática do proletariado e do campesinato, há longo tempo ultrapassada pela história, não pode ter outro sentido que não seja reacionário. Na medida em que esta palavra de ordem é oposta à ditadura do proletariado, contribui politicamente para a dissolução e decomposição do proletariado nas massas pequeno-burguesas e cria assim condições favoráveis à hegemonia da burguesia nacional, logo ao fracasso da revolução democrática. A incorporação desta palavra de ordem no programa da Internacional Comunista significa trair efetivamente o marxismo e as tradições bolchevistas de Outubro.
8. A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, se encontra muito rápida e inevitavelmente colocada perante tarefas que a forçarão a fazer incursões profundas no direito de propriedade burguês. No decurso de seu desenvolvimento, a revolução democrática transforma-se diretamente em revolução socialista e torna-se assim uma revolução permanente.
9. A conquista do poder pelo proletariado não completa a revolução; limita-se a iniciá-la. A construção socialista só é concebível na base da luta de classes à escala nacional e internacional. Dado o domínio decisivo das relações capitalistas na arena mundial, esta luta conduzirá inevitavelmente a erupções violentas, isto é, a guerras civis internas e a guerras revolucionárias no exterior. É nisso que consiste o caráter permanente da própria revolução socialista, quer se trate de um país atrasado que acabe de realizar a sua revolução democrática, quer dum velho país capitalista que já passou por um longo período de democracia e de parlamentarismo.
10. O triunfo da revolução socialista é inconcebível nos limites nacionais. Uma das causas essenciais da crise da sociedade burguesa reside em que as forças produtivas por ela criadas não podem se conciliar com os limites do Estado nacional. De onde surgem as guerras imperialistas por um lado e a utopia dos Estado Unidos burgueses da Europa por outro. A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e completa-se na arena mundial. Assim, a revolução socialista torna-se permanente num sentido novo e mais amplo do termo: só está acabado com o triunfo definitivo da nova sociedade sobre todo o nosso planeta.
11. O esquema do desenvolvimento da revolução mundial antes traçado elimina a questão dos países “maduros” ou “não maduros” para o socialismo, segundo a classificação pedante e morta que estabeleceu o atual programa da Internacional Comunista. Na medida em que o capitalismo criou o mercado mundial, a divisão mundial do trabalho e as forças produtivas mundiais, preparou o conjunto da economia mundial para a transformação socialista.
Os diferentes países atingirão essa fase a ritmos diferentes. Em certas circunstâncias países atrasados podem chegar à ditadura do proletariado mais rapidamente do que países avançados, mas atingirão o socialismo mais tarde do que estes.
Um país colonial ou semicolonial atrasado, cujo proletariado não esteja suficientemente preparado para agrupar a sua volta o campesinato e para conquistar o poder, é, por esse mesmo fato, incapaz de levar a bom termo a revolução democrática. Em compensação, num país em que o proletariado chegue ao poder no seguimento de uma revolução democrática, o destino ulterior da ditadura e do socialismo dependerá menos, no fim das contas, das forças produtivas nacionais do que do desenvolvimento da revolução socialista internacional.
12. A teoria do socialismo num só país, que surgiu como conseqüência da reação contra Outubro, é a única teoria que se opõe de uma maneira profunda e conseqüente à teoria da revolução permanente.
A tentativa feita pelos epígonos para limitar, sob os golpes da crítica, a aplicação da teoria do socialismo num só país unicamente à Rússia devido às suas particulares propriedades (a extensão territorial e as riquezas naturais) não melhora nada e pelo contrário agrava tudo. A renúncia a uma atitude internacional conduz inevitavelmente ao messianismo nacional, isto é, ao reconhecimento de vantagens e particularidades específicas que permitem a um país desempenhar um papel a que outros não poderiam elevar-se.
A divisão mundial do trabalho, a dependência da indústria soviética em relação à técnica estrangeira, a dependência das forças produtivas dos países avançados em relação às matérias-primas asiáticas, etc., tornam impossível a construção de uma sociedade socialista autônoma, isolada, num qualquer ponto do mundo.
13. A teoria de Stálin-Bukárin não só opõe de forma mecânica a revolução democrática à revolução socialista, a despeito das experiências das revoluções russas, como também separa a revolução nacional da revolução internacional. Coloca as revoluções dos países atrasados perante a tarefa de instaurar o regime irrealizável da ditadura democrática, que opõe à ditadura do proletariado. Introduz assim, em política, ilusões e ficções, paralisa a luta do proletariado pelo poder no Oriente e entrava a vitória das revoluções coloniais.
Do ponto de vista da teoria dos epígonos, a conquista do poder pelo proletariado constitui, por si só, a realização da revolução (para os “nove décimos”, segundo a fórmula de Stálin); inaugura a época das reformas nacionais. A teoria da integração do kulak no socialismo e a teoria da “neutralização” da burguesia mundial são, por conseqüência, inseparáveis da teoria do socialismo num só país. Essas teorias aparecem juntas ou juntas caem.
A teoria do nacional-socialismo degrada a Internacional Comunista, de que se utiliza como arma auxiliar na luta contra a intervenção militar. A política atual da Internacional Comunista, o seu regime e a escolha dos seus agentes, corresponde perfeitamente à sua decadência e à sua transformação em tropa auxiliar, que não se destina a resolução de tarefas independentes.
14. O programa da Internacional Comunista, obra de Bukárin, é eclético de uma ponta à outra. É uma tentativa desesperada para conciliar a teoria do socialismo num só país ao internacionalismo marxista, apesar deste ser inseparável do caráter permanente da revolução mundial. A luta da Oposição Comunista de Esquerda na Internacional Comunista por uma política justa e um regime são, está indissoluvelmente ligada à luta por um programa marxista. Por sua vez, a questão do programa é inseparável das duas teorias opostas: a teoria da revolução permanente e a teoria do socialismo num só país. O problema da revolução permanente ultrapassou desde há muito tempo o quadro das divergências episódicas entre Lênin e Trotsky, divergências que, para mais, foram inteiramente esgotadas pela história. Trata-se da luta entre as idéias fundamentais de Marx e Lênin, por um lado, e o ecletismo dos centristas, por outro.
TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente. Edição No. 25. Lisboa: Antídoto, 1977, p. 201-208.