Artigo publicado em Sin Permiso – sinpermiso.info – 19/04/2019
POR MICHAEL ROBERTS
A recente reunião do FMI e do Banco Mundial em Washington declarou uma vez mais que a economia mundial está desacelerando e a perspectiva de recessão é mais provável. Em meio a um panorama sombrio da maioria das principais economias avançadas e sinais de que as tarifas mais altas estão prejudicando o comércio, os economistas do FMI reduziram seu prognóstico de crescimento mundial ao nível mais baixo desde a crise financeira mundial de 2009 : “uma desaceleração do crédito e uma recuperação precária”, segundo o FMI.
O FMI estima que a economia mundial crescerá 3,3% este ano, taxa menor do que 3,5% que tinha prognosticado para o ano de 2019 em janeiro. Em seis meses é a terceira vez que o FMI rebaixou sua previsão. A nova economista chefe do FMI Gita Gopinath acredita que a economia mundial entrou em “um momento delicado”. E fez um perspicaz prognóstico: “Se os riscos de uma desaceleração não se materializam e a política de apoio posta em marcha é eficaz, o crescimento global deve recuperar-se.No entanto, se qualquer dos principais riscos se materializa, então as esperadas recuperações das economias estressadas, das economias altamente endividadas podem descarrilhar”. Assim, por um lado ou por outro…
Junto com a perspectiva do FMI, a Brooking institution, privada, tornou público também sua análise sobre a situação da economia mundial, concluindo, a partir do seu índice de acompanhamento da atividade, que o mundo entrou em uma “desaceleração sincronizada” que pode ser difícil reverter. O índice de acompanhamento Brookings-FT para a recuperação econômica mundial (Tigre) compara indicadores da atividade real, dos mercados financeiros e da confiança dos investidores com suas médias históricas para a economia global e para países concretos. Os principais índices retrocederam significativamente desde o final do ano passado e estão em seus níveis mais baixos, tanto para as economias emergentes quanto para as avançadas desde 2016, o ano de rendimento econômico mundial mais débil desde a crise financeira.
Brooking não crê que seja iminente uma recessão, porém “todos os setores da economia mundial estão perdendo impulso”. Apesar de não estarmos em uma recessão global ainda, é evidente a partir dos últimos dados das principais economias que ainda estamos na Longa Depressão, como defini este período desde 2009. Frances Coppola, a economista heterodoxa, também escreveu que o capitalismo está bloqueado por uma longa depressão e faz uma série de apontamentos similares às minhas sobre suas consequências. Porém, sobre as causas, Coppola, como outros keynesianos, apega-se à ideia de um “estancamento secular”, quer dizer, que a depressão se deve a uma falta crômica “de demanda”. Os leitores habituais dos meus artigos sabem que não considero que esta seja uma explicação adequada das crises e depressões. Em uma economia com fins lucrativos, é a rentabilidade do capital que importa.
E o novo informe de Estabilidade Global do FMI oferece mais apoio à minha interpretação causal da longa depressão. Confirmando o que demonstrei empiricamente antes, o FMI considera que a rentabilidade empresarial (medida pelas ganâncias corporativas em relação com o balanço patrimonial) nas principais economias não recuperou os níveis de 2008. De fato, a rentabilidade do capital está muito abaixo dos níveis do final de 1990
Esta longa depressão tem características similares à depressão do final do século XIX e da Grande Depressão da década de 1930. A primeira foi superada por uma série de crises, que finalmente permitiram aumentar a rentabilidade, e a segunda através de uma guerra mundial. Creio que a atual depressão terá uma evolução mais parecida com a do século XIX.
A baixa rentabilidade explica, sobretudo, porque o investimento empresarial tem sido débil desde 2009. Os lucros obtidos são destinados à especulação financeira: para fusões e aquisições, a recompra de ações e ao pagamento de dividendos. Também tem ocorrido a acumulação de dinheiro vivo. Tudo isso porque a rentabilidade da inversão produtiva segue sendo historicamente baixa.
Como o resumo Gillian Tett no FT: “o FMI calcula que as empresas estadunidenses pagaram dividendos aos acionistas e recompras de ações que equivaliam 0,9% dos ativos do ano passado, o dobro do nível de 2010. Não é de estranhar que os mercados de ações dispararam (deixando de lado as oscilações do final do ano passado). As empresas também têm utilizado este arsenal para aumentar significativamente as fusões e aquisições: este tipo de acordos absorveram fluxos de caixa equivalentes a 0,4% dos ativos de 2019, em comparação com praticamente zero em 2011. No entanto, o volume de fluxo de caixa gasto com inversão de capital, pelo contrário, se mantém igual desde 2012, situando-se em torno de 0,7% de todos os ativos – menos que o fluxo de caixa destinado ao pagamento de dividendos aos acionistas”. Ou, como assinala o informe do FMI: “Os grandes lucros nos Estados Unidos foram utilizados para o pagamento de dividendos e o aumento de riscos financeiros”. Porém não, parece, para aumentar o investimento.
O outro fator chave na longa depressão tem sido o aumento da dívida, especialmente da dívida empresarial. Diante da baixa rentabilidade, as empresas têm acumulado mais dívida para financiar projetos ou especular. As grandes empresas como Apple ou Microsoft podem fazê-lo porque tem reservas de dinheiro em que se apoiar se alguma coisa não der certo; as empresas menores apenas podem aguentar esta espiral de dívida porque as taxas de juros se mantem em patamares históricos mínimos, por tanto, o serviço da dívida segue sendo viável – sempre e quando não haja uma queda das vendas e lucros.
Novamente, o informe sobre a Estabilidade Global do FMI resume a situação. “Na maioria das economias avançadas, a capacidade de serviço da dívida no setor empresarial melhorou durante a recente recuperação cíclica. Os balanços parecem suficientemente fortes para sustentar una desaceleração econômica moderada ou um endurecimento gradual das condições financeiras. No entanto, os níveis da dívida em geral e os riscos financeiros vem aumentando, e a solvência dos devedores se deteriora em relação com a classificação dos títulos como investimentos e os mercados de crédito valorizados. Uma desaceleração significativa ou endurecimento importante das condições financeira poderia levar a uma revisão importante dos preços dos riscos de crédito e tornar mais difícil o serviço da dívida das empresas endividadas. Na medida em que as condições monetárias e financeiras sigam sendo favoráveis, é provável que a dívida continue aumentando a médio prazo, na ausência de medidas de política econômica, aumentando o risco de um ajuste mais duro no futuro”.
Cada crise tem um detonador diferente ou causa imediata. A recessão internacional de 1974-5 foi provocada por um forte aumento dos preços do petróleo e o abandono dos EUA do padrão dólar-ouro. A crise de 1980-2 foi provocada por uma bolha imobiliária na Europa e uma crise industrial nas principais economias. A recessão de 1990-2 foi provocada pelos preços de petróleo e a guerra do Iraque. A leve recessão de 2001 foi resultado da exploração da bolha dot.com. E a Grande Recessão se iniciou com o colapso da bolha imobiliária nos EUA e a, consequente, restrição do crédito provocada pela diversificação internacional dos derivativos de crédito. Porém, atrás de cada uma destas crises se encontra o movimento de queda da rentabilidade do capital produtivo e, finalmente, uma desaceleração ou diminuição da massa de lucro.
Desta vez acredito que o detonador será a dívida empresarial, já que as empresas conseguem acumular um excesso de créditos baratos e quando os lucros caem e os juros sobem, tornam-se insolventes. O economista marxista Eric Toussaint, do CADTM, está de acordo. “Esta montanha da dívida corporativa privada será um elemento primordial da próxima crise financeira”. E assinala que “à medida que as taxas de juros sobem, o valor da dívida corporativa cai. Quanto maior é a proporção da dívida coorporativa desvalorizada em relação aos ativos de uma empresa. O valor do capital corporativo cai também e pode chegar a um ponto em que já não pode cobrir suas obrigações. Em 2016 Apple informou às autoridades dos EUA que no caso de um aumento de 1% das taxas de juros, perderia US$4.800 milhões. Por suposto, da mesma forma que outras companhias, Apple pediu créditos para financiar seus empréstimos. Em 2017 Appe já tinha se endividado em US$ 28 bilhões, colocando sua dívida total em US$75 bilhões. Isto, através de um efeito dominó, poderia produzir uma crise de dimensão similar à da crise financeira dos Estados Unidos no período 2007-2008”.
Como disse a economista chefe do FMI: o capitalismo está em um momento delicado.