Ser vista como mulher na sociedade pode ser muito desgastante. É preciso viver sempre em alerta, pensar que a qualquer momento pode ocorrer uma violência, e que seu próprio corpo está potencialmente e constantemente em risco de invasão. Esse desconforto, se potencializa quando a o gênero se intersecciona com questões de raça, sexualidade e classe.
Por Maria Cordeiro
Nesse sentido, algo tão simples como sair da aula em um dia qualquer pode se transformar em um pesadelo. Foi o que aconteceu na última quinta feira, dia 22 de agosto, quando ocorreu uma tentativa de estupro e assalto nos arredores da torre do relógio contra uma estudante moradora do CRUSP indo para sua casa. Assim como a fantasmagórica torre brilha no breu da praça, é gritante a negligência da reitoria e da prefeitura da cidade universitária em relação à qualidade de vida de seus estudantes. Há anos o movimento de mulheres na USP vem pautando a necessidade de elementos de infraestrutura básica que confiram um mínimo de segurança. Essa demanda se coloca de forma mais sensível para as alunas trabalhadoras, do noturno, que precisam se deslocar nas ruas escuras da cidade até um ponto de ônibus e então esperar, muitas vezes, por mais de meia hora para o circular chegar.
Outro aspecto não menos relevante dessa discussão é que não se exime de forma alguma a culpa do violentador nessa complexa dinâmica, mas sim, num contexto objetivo, transformações infra estruturais que visem o amparo para as vítimas de saírem de situações de risco precisam ser promovidas urgentemente, além do aprofundamento de um debate sobre gênero, patriarcado e capitalismo dentro da universidade e fora dela.
É importante salientar que o aumento do policiamento no campus não é a solução para o problema da segurança. Primeiramente, visto que a violência do dia 22 ocorreu a pouquíssimos metros da base da PM, ao lado da praça do relógio, algo que não impediu que a tentativa de estupro ocorresse. Outro fator importante é que a polícia, principalmente a Polícia Militar presente hoje no campus, é agente da violentíssima repressão do Estado contra a população negra e trabalhadora. Com traços da ditadura de ‘64, a Polícia Militar promoveu verdadeiras chacinas, legitimadas pelo governador ultradireitista Tarcisio de Freitas como a operação Escudo e Verão na Baixada Santista no começo deste ano. Dentro da USP a Polícia desempenha a mesma função, tendo como alvo principalmente alunes negres e moradores do CRUSP, moradia estudantil. Outro recente e assustador caso da violência policial dentro da cidade universitária foi a entrada em 2023 de um policial civil armado com um fuzil dentro da moradia, procurando por uma estudante e apontando sua arma para ela. Esses casos não são isolados e evidenciam como o aumento do policiamento dentro da USP não é a solução para o problema da violência de gênero, mas sim é um fator que aumenta a insegurança, principalmente de estudantes negres, mulheres e moradores do CRUSP.
Essa recusa a olhar para o bem estar de metade do corpo discente, docente e técnico é apenas um dos flancos em que a reitoria, com seus bilhões em caixa e livro de contas fechado, promove uma experiência desigual de se estudar e trabalhar na maior universidade da América Latina. É crescente o descaso e a tentativa de expulsão da juventude trabalhadora, feminina e negra da universidade. Alguns exemplos desse movimento são a negligência completa da direção com os moradores do CRUSP, que é profundamente precarizada. Além disso, no início do ano houve tentativa da mudança de horário do turno das aulas do noturno para as 19:00h. Apesar de revertido pela pressão estudantil, esse ataque nega aos estudantes, sobretudo os que trabalham, o direito à janta e impede que muitos consigam chegar de seus trabalhos a tempo. Outro fator de expulsão da USP de mulheres e pessoas responsáveis por crianças da universidade é a falta de apoio institucional como creches ou infraestrutura que acolha mães e crianças para que essas pessoas possam trabalhar e estudar.
Essas ações da reitoria USP, que aparecem para a comunidade como “buracos” na infraestrutura e promoção de políticas de permanência e sobrevivência não são apenas problemas pontuais de uma próspera universidade, mas sim escolhas políticas de promoção da expulsão velada desses alunes.
Por fim, não pode-se deixar de mencionar a violência de gênero no âmbito das trabalhadoras terceirizadas da universidade, a maioria mulheres negras, que sofrem com a precarização e exploração extrema do trabalho, contratos frágeis, sujeitas à demissão arbitrária e vulneráveis à assédios e violência de gênero. Nesse sentido, lutar contra a privatização dentro e fora da universidade também é uma pauta da luta feminista.
Portanto, para contrapor esse projeto de expoliação se coloca urgente a necessidade de arrancar da reitoria o mínimo de infraestrutura e bem estar para a segurança des estudantes. Como também, é preciso pensar e lutar por um modelo de universidade que seja formado por e para a classe trabalhadora, antítese do projeto neoliberal que a USP representa. O movimento de mulheres é, historicamente, um dos setores mais dinâmicos da sociedade e se coloca como ponta de lança da luta nas ruas contra a exploração opressão. É imperativo organizar o movimento estudantil para que violências como a que ocorreu na praça do relógio, que infelizmente são comuns na cidade universitária, nunca mais ocorram. Isso passa pela auto organização des estudantes como formação de grupos para voltas seguras para casa, exigência de medidas mínimas como mais iluminação e uma frota de circulares maior, mas também pela luta contra a estrutura excludente da universidade.
TODA SOLIDARIEDADE ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO DENTRO E FORA DA UNIVERSIDADE!
REITORIA, PREFEITURA E PRIP, QUEREMOS INFRAESTRUTURA BÁSICA PARA PODERMOS ESTUDAR COM SEGURANÇA!
FORA PM DA USP!