Mulheres paraenses fazem protesto contra declarações de Damares

A violência de gênero é um fenômeno que exige saídas políticas estruturais e não “achismos”

Rosi Santos

Há algumas semanas, durante um evento no Palácio do Planalto que debatia os resultados do programa Abrace o Marajó, deparamo-nos com mais uma declaração absurda da ministra bolsonarista Damares Alves. A ministra disse que a exploração sexual infantil a meninas na ilha do Marajó, no Pará, era devido as vítimas não usarem calcinhas, por serem muito pobres. Tal fala repercutiu o país muito negativamente por seu teor deplorável e simplista.

No entanto, particularmente na região do Pará, a reação a infeliz e estupida declaração da ministra sobre a origem dos abusos sexuais na infância foi ainda maior. As mulheres da Ilha se organizaram e por tempo indeterminado estão expondo varais cheios de calcinhas em seus quintais e varandas, como forma de protesto.

Anteriormente, a cantora paraense Fafá de Belém também já havia se posicionado, gravando um vídeo indignada “passou dos limites”, avaliou a cantora. Até o momento, não houve nenhuma declaração do governo ou da própria ministra se retratando sobre o ocorrido.

Um dos principais problemas do governo Bolsonaro e de seus ministros é oferecer à sociedade somente a desinformação e preconceitos sobre temas sensíveis e importantes. E, nesse sentido, a simplicidade do gesto das mulheres de Marajó com seu protesto, na verdade, ganha um caráter muito político e profundo, porque vemos que as companheiras, inclusive ribeirinhas, do norte do país estão fazendo melhor o trabalho de conscientização e de educação sexual do que o próprio governo.

Governo aliado da violência patriarcal

Falas como a da ministra e tantas outras proferidas contra as mulheres e LGBTI+ são de muita irresponsabilidade e contribuem, indiscutivelmente, para o aumento dos casos de violência de gênero em diversas esferas da sociedade.[1] Além disso Damares culpabiliza as vítimas de abusos e sua condição socioeconômica pelo resultado da violência, essa uma postura criminosa e repudiável, principalmente no exercício de uma função pública. Não pode existir outra caracterização, sobre quem pensa que a raiz de uma violação sexual possui ligação com o tamanho ou presença ou não de uma peça de roupa.

A desvalorização de um crime ou o que no feminismo chamamos de culpabilização da vítima é um segundo crime, e é um dos principais pilares que sustentam a impunidade, e que da licença para que em cada 24horas pelo menos, três mulheres sejam vítimas de espancamento no Brasil.

Esse fenômeno tenta considerar a vítima como responsável pela violência que lhe é ocorrida, funciona como é um perverso mecanismo que justifica e naturaliza o que, na verdade, é uma relação de desigualdade política, social e econômica entre gêneros.

Culpar a vítima, amenizar o crime é uma decisão política e se manifesta como uma segunda violência contra a vítima, por isso é sempre bom reiterar que tem um efeito ainda mais nocivo não somente vítimas mas ao conjunto da sociedade, quando aparece via institucional, como o que vem ocorrendo em todo o governo bolsonaro.

Vítimas, não culpadas!

A culpabilização da vítima está a serviço da impunidade, da perpetuação da violência contra a mulheres, crianças e de toda comunidade LGBTI+ já tão agredida em nossa sociedade. Sua manifestação leva por temor ou constrangimento ao silenciamento das vítimas, produzindo assim um mecanismo doloroso de “autodefesa”, em síntese é uma pseudo proteção, onde a vitima fica solitária e absolutamente desprotegida. Tem como único efeito prático impedir que as vítimas busquem justiça.

Basta de escárnio e abandono. O governo ao invés de criar mecanismos de combate e amparo para que todas as vítimas de violência denunciam e busquem ajuda, trata o problema sem nenhum critério jurídico ou humano, abandonando as vítimas, inclusive crianças, a sua própria sorte. De acordo com psicólogos e terapeutas especialistas nesse tipo de violência, não apenas no caso de crianças, o silêncio é resultado da sensação de culpa introjetada nas vítimas, e acarretam danos traumáticas em todas as esferas da vida das vítimas.

No enfrentamento à violência de gênero e, principalmente, nos casos da violência sexual, convivemos com a realidade das sub-notificações dos casos. Onde além dos números alarmantes notificados, existe um número no mapa da violência que pode inclusive, ser superior aos dados oficiais que não são notificados. Especialistas apontam que a principal causa disso é o medo e o constrangimento provocados pela (re)vitimização e culpabilização da vítima, vinda principalmente do aparato estatal que deveria antes de tudo, proteger as vítimas.   

Parar a roda do descaso, derrotar o governo e sua cultura misógina

Damares, Bolsonaro e todo o governo, não querem encarar as verdadeiras causas da violência gênero, e são não apenas coniventes, mas fomentadores da violência. Sem educação pública de qualidade com Educacao Sexual Integral o que define o abuso sexual é a situação de desigualdade e vulnerabilidade (em suas diversas manifestações) que coloca as crianças e mulheres de todas as idades como as mais expostas à violação sexual. E nunca uma peça de roupa ou a pobreza, como afirmou a ministra de Bolsonaro.

No entanto, além de responsabilizar o governo ultra machista e sexista de Jair Bolsonaro, acreditamos que falas esdruxulas como a da ministra devem servir de munição ao movimento feminista para se colocar em marcha. Estamos diante de uma das maiores ofensivas à dignidade e sobrevivência das mulheres e da comunidade LGBTI+, o espanto deve transformar-se em ação.

Nesse sentido, acreditamos ser muito importante saudar a iniciativa das companheiras paraenses, mas salientamos que somente um grande movimento feminista organizado e nas ruas, pode ser capaz de estabelecer outra correlação de forças no combate ao círculo da violência machista, tão arraigado em nosso país e que é, atualmente revitalizado por esse governo nefasto e misógino. É hora de sermos milhares nas ruas!

Ocupar as ruas contra Bolsonaro e todo seu governo machista!
Educação sexual laica científica e feminista já!
Fora Bolsonaro



[1] Com a política de armamento no centro de sua campanha, nos primeiros três meses de governo Bolsonaro, os casos de feminicídio aumentaram 76% somente na cidade de São Paulo, a maioria deles cometidos no convívio domestico das vítimas.